26/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil ‘choca’ com proposta na ONU sobre direitos da mulher

Publicado em 19/03/2021 12:00 -

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O governo da França se declarou "chocado" com a postura defendida pela aliança liderada pelo Brasil para impedir o acesso de mulheres à saúde sexual e reprodutiva. Num discurso nesta semana no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a diplomacia francesa atacou abertamente o bloco no qual a ministra Damares Alves (Direitos Humanos, Mulher e Família) tem um papel predominante.

O discurso ocorreu um dia depois da data que marca o dia internacional da mulher. Naquele momento, o Brasil se recusou a aderir a uma declaração conjunta realizada por mais de 60 países para defender o direito de meninas e mulheres, inclusive no que se refere ao acesso a direitos reprodutivos e sexuais.

Desde o final do governo de Donald Trump, o Brasil assumiu de uma maneira informal a liderança de uma coalizão de países ultraconservadores que tentam minar qualquer brecha para que a ONU amplie direitos e proteções às mulheres.

O grupo, conhecido como Consenso de Genebra, ainda inclui Hungria, Polônia e países árabes. Se o projeto foi lançado ainda sob a gestão de Trump, a chegada de Joe Biden na Casa Branca representou a ruptura dos EUA com a iniciativa. Emails internos do governo americano revelados pela coluna, porém, deixaram claro que a liderança passou a ser assumida pelo Brasil.

O comportamento da aliança, porém, vem causando mal-estar e mesmo indignação entre democracias. E, nesta semana, pela primeira vez ataques frontais contra o bloco foram feitos.

"Desejo expressar a indignação da França com os ataques aos direitos das mulheres e meninas", declarou o embaixador francês na ONU, François Rivasseau, diante dos demais governos.

"Ficamos chocados com certas posições públicas aqui reiteradas, em particular pelo auto-intitulado Consenso de Genebra, que questiona a igualdade de gênero e a saúde e direitos sexuais e reprodutivos", criticou o francês.

Segundo ele, a pandemia contribuiu para restringir o acesso à saúde sexual e reprodutiva.

"Devemos combater todas essas graves violações dos direitos das mulheres e meninas e reafirmar nossa determinação em garantir que os ganhos duramente conquistados não sejam prejudicados", pediu o francês aos demais países.

"Exortamos todos os estados a reafirmar seu compromisso com os direitos das mulheres e meninas, e com a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos", defendeu.

Para ele, a ONU "deve abordar esta questão porque não há nenhuma área, nenhuma parte do mundo, onde a desigualdade entre mulheres e homens seja justificada".

Em meados do ano, europeus e mexicanos vão se unir para promover uma cúpula pela igualdade de gênero, num gesto claramente contrário às propostas apresentadas pelo Brasil e seus aliados. Na Casa Branca, a ordem é também a de contestar a postura da aliança, na esperança de enfraquecer o grupo em fóruns internacionais.

Histórico

Não é a primeira vez que Brasil e França se encontram em lados opostos da mesa, em debates internacionais. O governo de Emmanuel Macron tem sido um dos mais duros críticos do presidente Jair Bolsonaro, atacando a postura ambiental do país e freando qualquer acordo com o Mercosul.

A troca de farpas ainda em 2019 entre os dois líderes foi ampliada diante de ironias de Bolsonaro contra a primeira-dama francesa. Do lado de Paris, o governo Macron passou a receber o cacique Raoní com honras de estado, um símbolo hoje do antibolsonarismo na Europa.

Verba anunciada por Damares na ONU não reflete realidade, diz Conselho

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, não apresentou os dados reais dos gastos de sua pasta com a defesa da mulher ao discursar na ONU. A acusação é do Conselho Nacional de Direitos Humanos que emitiu um comunicado desmontando o discurso feito pela representante do governo de Jair Bolsonaro, no final de fevereiro.

De acordo com o Conselho, Damares "fez uma série de afirmações que não correspondem à realidade". A entidade é um órgão colegiado composto por onze representantes da sociedade civil e onze do poder público, incluindo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União.

Damares, em seu discurso, afirmou que, "na defesa dos direitos das mulheres, o governo brasileiro executou em 2020 o maior orçamento para a área dos últimos cinco anos, com investimento cinco vezes maior que o ano de 2018".

O Conselho rebate. "A realidade, todavia, do ponto de vista do valor efetivamente gasto, é outra: apesar do site do Ministério postar um investimento de mais de R$ 106 milhões em políticas para mulheres, o gasto efetivo foi muito menor: R$ 2 milhões. Para a Casa da Mulher Brasileira, ao longo do ano, o ministério gastou somente R$ 66 mil, apesar de terem sido empenhados cerca de R$ 61 milhões", alertam.

O órgão oficial também questiona as declarações de Damares sobre a pandemia. Em seu discurso, ela afirmou que "o governo brasileiro apresentou planos de contingência estruturados nos eixos saúde, proteção social e proteção econômica, visando atender as necessidades de idosos, pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência, famílias em localidades urbanas vulneráveis, além dos povos e comunidades tradicionais".

Para o Conselho, a realidade é outra. "Ocorre que desde o início da pandemia o Presidente da República já demitiu dois ministros da Saúde, ambos médicos, embora os mesmo não tenham conseguido, pela obstrução por parte do próprio Chefe do Executivo, implementar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O atual titular da pasta, um general de divisão do Exército Brasileiro, ainda não apresentou plano de contingência estruturado para o combate à pandemia", apontam.

"E o que é pior: além da ausência do plano, não houve um comando unificado aos governos estaduais, ocorrendo que muitas regiões chegaram – ou estão chegando – ao colapso no sistema de saúde, seja pelo aumento do contágio e a falta de leitos, ou pela falta de equipamentos básicos, como tubos de oxigênio, a exemplo do caso de Manaus que chocou o País", dizem.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos também questionou as informações que Damares forneceu à ONU sobre a Amazônia e como os indígenas foram imunizados. "Estamos cuidando não só da Amazônia, mas sobretudo de seu povo que, hoje, é no número de mais de 30 milhões de pessoas", disse ela.

O plano de vacinação, segundo o Conselho, deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19 também deixou de fora a população quilombola.

"O Conselho Nacional dos Direitos Humanos lamenta que a fala da representante do Estado brasileiro na abertura do 46º período de sessões do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas tenha buscado traçar um painel que não corresponde à realidade de nosso País", completam.


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