24/04/2024 - Edição 540

Poder

Com 30% de aprovação, Bolsonaro afasta impeachment mesmo sabotando a saúde

Publicado em 19/03/2021 12:00 -

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O Datafolha trouxe algumas "boas notícias" para Jair Bolsonaro. Apesar de sua sabotagem explícita no combate ao coronavírus ter levado o país a mais de 280 mil mortos, apenas 54% da população rejeitam sua gestão da pandemia, meros 43% acreditam que ele é o principal culpado pela situação da crise e só 56% consideram-no incapaz de liderar o Brasil. E a cereja do bolo: 50% são contra seu impeachment e 46%, a favor.

Enquanto isso, a aprovação geral do seu governo se manteve estável, indo de 31% em janeiro para 30% agora em março – meses em que o país viu brasileiros sufocarem com a falta de leitos de UTI para covid, chegando a registrar quase três mil mortes num único dia. A reprovação foi de 40% para 44% no mesmo período.

Nada adianta o aumento do número daqueles que fazem beicinho de reprovação se ele continua com um estofo ainda confortável. Com 30%, o impeachment é uma realidade distante. O ex-presidente Michel Temer chegou a ridículos 3% e, mesmo assim, foi salvo pelo Congresso Nacional por conta do balcão de negócios que estabeleceu por lá.

Bolsonaro também fechou um contrato de aluguel com parlamentares do centrão e conseguiu colocar aliados na direção do Congresso Nacional (que resistem à ideia de CPI da Pandemia) e em outros postos-chave, como a presidência da Comissão de Constituição de Justiça da Câmara – que analisaria um impeachment.

Mas a certeza que está amparado em seus apoiadores é tanta que deu um passa-moleque na sua base aliada ao rejeitar os indicados por ela para substituir o Eduardo Pazuello e escolher alguém que garantirá "continuidade" na gestão da Saúde. Em outras palavras, que não atue na promoção das quarentenas e lockdowns – as únicas formas de reduzir mortes, neste momento, uma vez que Jair não quis comprar vacinas em quantidade suficiente no ano passado.

O cálculo do presidente é e sempre foi governar para os 14% que o Datafolha aponta como bolsonarismo-raiz, o pessoal de extrema direita que pula no abismo se ele mandar.

Mas isso, claro, não basta. A eles, agregou outros que não concordam com ele em tudo, mas aprovam partes de sua gestão. Por exemplo, além de determinados grupos evangélicos mais conservadores, há setores do empresariado, como o agronegócio, que têm ganhado um bom dinheiro com exportações e com a alta dos alimentos no mercado interno. Não é à toa que Bolsonaro vira e mexe faz um comício em uma cidade-polo do interior, onde é mais pop.

E soma-se também uma parte dos trabalhadores mais pobres, que foram beneficiados com o auxílio emergencial no ano passado e ainda o têm em boa conta. Ainda mais quando o benefício voltar, ainda que mirrado.

Em qualquer outro país, um governante que menosprezasse a pandemia, chamasse de "frescura" e "mimimi" o choro pelos mortos, atacasse publicamente a vacina por meses dizendo que ela faria mal às pessoas e usasse "lamento, mas todo mundo morre um dia" como mote informal de sua gestão na crise seria enxotado do cargo.

Até um poodle seria menos danoso à saúde pública. O canino não seria capaz de articular Estados e municípios para um processo de fechamento do país visando a salvar vidas e reduzir os danos para a economia no longo prazo. Mas até aí, Bolsonaro também não, com o agravante que ele morde quem faz.

O presidente tem se vendido como defensor da economia, deixando para governadores e prefeitos, que lutam contra o vírus, a "culpa" pelo fechamento de negócios e a perda de empregos. Assim, a aprovação deles também vem caindo, segundo o Datafolha. E, com isso, faz coro a uma ala do empresariado.

Com a escalada do número de mortes e uma deterioração da economia, a situação pode mudar. Mas dificilmente chegará ao ponto de renúncia do presidente, que cooptou parte da cúpula das Forças Armadas em troca de cargos e algum prestígio questionável, ou de impeachment.

Se chegar às portas da eleição de 2022 com cerca de 30% do eleitorado e, até lá com uma população vacinada, e se houver uma retomada, mesmo tímida, da economia, entrará na disputa como um dos favoritos a despeito do rastro de mortes que poderá ser duas vezes maior do que os números que temos agora.

Só precisará que uma parte dos brasileiros compre a ideia de que ele não poderia ter feito nada e a morte é o destino de todo mundo, como sempre diz. E que Lula não entre na jogada com o apoio de uma parte do centrão no Norte e Nordeste.

Manifestações de rua contra Bolsonaro podem voltar a acontecer quando o pior da pandemia passar. Mas teriam que ser gigantes, como as de 2015 e 2016, para fazer um estrago. E agregar a direita democrática, para além da esquerda e dos movimentos sociais.

O que pode arranhar sua imagem junto ao seu núcleo são as evidências de roubo de dinheiro público (as chamadas "rachadinhas") que recaem sobre sua família. É por isso que toda vez que elas vêm a público, como fez o UOL nesta semana, ele joga uma cortina de fumaça falando alguma aberração sobre a pandemia.

Prefere até ser visto como um novo "genocida" do que como "corrupto", apesar das fartas evidências de que tornava a coisa pública privada.

Gripezinha começa a apresentar ao presidentezinho conta do negacionismo

Quando o brasileiro ainda morria de covid, o governo Bolsonaro parecia sem rumo. Agora que o brasileiro morre de falta de vacina, percebe-se que o rumo é o de uma tragédia humanitária sem precedentes. A mais recente pesquisa do Datafolha revela que a estratégia do presidente de botar a culpa em alguém não está funcionando. Assim como o número de mortos, a rejeição de Bolsonaro também bate recorde.

No geral, a avaliação negativa do presidente bateu no seu pior nível. O bom senso recomendaria uma correção de rumo. Mas Bolsonaro, além de seguir no rumo errado, despreza os inúmeros retornos que a conjuntura vai colocando na estrada.

Agora mesmo, instado pelo centrão a trocar a inépcia marcial do general Pazuello por uma marcha científica no Ministério da Saúde, Bolsonaro dividiu-se entre duas opções cardiológicas. Preferiu a "continuidade" que o doutor Marcelo Queiroga topou encarnar. Desprezou a guinada sugerida pela doutora Ludhmila Hajjar.

Os observadores mais apressados dizem que Bolsonaro se omite na crise. Engano. Alguém que trama a "continuidade" da gestão Bolzuello —híbrido de Bolsonaro e Pazuello— sabe muito bem o que não está fazendo. Na sabotagem mais ruinosa, a dupla demorou a entrar na fila das vacinas. Exercitou na plenitude máxima a prerrogativa de escolher o caminho dos brasileiros para o inferno.

Se o mandato de Bolsonaro fosse um filme, o título seria o seguinte: "Michelle, encolhi a Presidência." A gripezinha reduz a margem de manobra do presidentezinho, encurtando-lhe os horizontes. Embora ainda retenha o apoio de 30% do eleitorado, Bolsonaro vê o projeto de reeleição subir gradativamente no telhado.

Imbatíveis no faro das oportunidades políticas, os líderes do centrão começam a olhar de esguelha para Bolsonaro. Já se deram conta de que o presidente lida com duas realidades: a dele e a verdadeira. E se irrita com a constatação de que sobra cloroquina na primeira e faltam vacinas na segunda.

É como se, neurótico, Bolsonaro tivesse construído um castelo no ar. Psicótico, foi morar nele. Esqueceu que a sociedade, na pele de psiquiatra, costuma cobrar caro o aluguel. O Datafolha informa que começou a chegar a conta do negacionismo.

Pandemia expõe que parcela da população é homofóbica e genocida, diz economista

A situação da pandemia no Brasil, que se agrava sem que o governo Bolsonaro respeite os protocolos científicos, mostra que há uma parcela da população que apoia a falta de postura do governo no combate à crise sanitária. Essa é a opinião da diretora adjunta do Dieese, Patrícia Pelatieri. “Temos que olhar todos os lados. O que a pandemia tem exposto é que temos uma parcela muito grande da população absolutamente homofóbica, conservadora, genocida, que defende isso que está sendo aplicado (pelo governo Bolsonaro)”, disse Patrícia.

Patrícia fez essa afirmação ao participar de debate promovido pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. O tema do debate foi “Cadê a retomada em V da economia brasileira?”, em referência ao termo usado pelo ministro Paulo Guedes, que previa uma recuperação da atividade econômica desde o início de 2020. Em “V” porque, segundo o “Chicago Boy”, a retomada seria tão abrupta quanto foi a queda. A “profecia” de Guedes, claro, não se realizou. Além de Patrícia, participaram da discussão mais quatro mulheres: Ana Georgina Gomes, supervisora técnica regional do Dieese-Bahia; Leda Paulani, professora titular do Departamento de Economia da FEA-USP; e Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O evento foi mediado por Maria Alice Vieira, do Barão de Itararé.

Embora a pauta do debate tenha sido economia, Patrícia Pelatieri resumiu o sentimento da parcela progressista e democrática da população brasileira com uma abordagem sociológica. “A responsabilidade (pela situação do país hoje) não é só de quem está lá, neste governo. Tem o judiciário, que tem responsabilidade. Gosto de destacar que não é assim, que estamos todos juntos, combatendo a pandemia e só o doido do Bolsonaro é que faz essas maluquices. Não é verdade. Você vê a grande imprensa que bate no Bolsonaro, mas protege a área econômica, como se fosse possível fazer o combate e manter o teto de gastos”, disse.

Tereza Campello – assim com todas as debatedoras – destacou que o governo mantém hoje, tanto na condução da economia como no “combate” à pandemia, a mesma postura “errada” que vem desde o primeiro dia de governo. Ela enfatizou que o presidente não apenas nega a pandemia, como atrasou todas as medidas necessárias a seu enfrentamento. Lembrou que o desgoverno brasileiro demorou a tomar iniciativas, deixando de aproveitar o aprendizado de países como China e Itália, onde o vírus atacou primeiro.

Saúde pública x economia

Com a condução caótica do governo federal, mais de 700 mil micro e pequenas empresas, segundo números de novembro, fecharam as portas. Pior, “essas empresas não voltam, é irreversível”, disse Tereza. O governo também não entendeu, ou não quis entender, que as medidas capazes de minimizar os efeitos da crise provocada pela covid-19 não eram meramente econômicas, mas sanitárias, de saúde pública, “para que as pessoas pudessem ficar em casa”.

O fundamental auxilio emergencial, por exemplo, foi introduzido pelo Congresso a contragosto de Bolsonaro e Guedes, obrigados a ceder devido à pressão social.  Fixado em R$ 600 no ano passado, foi agora reintroduzido “desidratado”, disse Tereza, com valores entre R$ 150 e R$ 375, dependendo da composição familiar. Além do valor, em média, de quase metade do anterior, com o “novo” benefício jogaram “mais de 22 milhões de pessoas fora”, disse a ex-ministra de Dilma Rousseff, sobre os excluídos que estavam entre os beneficiários em 2020.

Sinais ruins ao mercado

“O valor não era de R$ 600 por acaso, mas porque é o valor da cesta básica. Por isso que os setores progressistas querem R$ 600.” Segundo ela, se não fosse o auxílio emergencial em 2020, o PIB brasileiro teria caído o dobro do que caiu. No ano passado, o Produto Interno Bruto do país recuou 4,1%, a maior queda em 30 anos. “E o que o governo faz? No final de dezembro, no auge da pandemia, acaba auxilio emergencial e auxilio às empresas, que davam movimentação mínima à economia.” Tereza observou ainda que, além de todos os erros absurdos, o Planalto continua dando sinais ruins ao mercado, como com as quedas do presidentes do Banco do Brasil e da Petrobras. Para piorar, a perversa política de Guedes-Bolsonaro vai cortar ainda mais em saúde, educação e assistência social em 2021.

“Cadê o crescimento em V?”, ironizou Ana Georgina Gomes, do Dieese da Bahia. Para ela, Guedes acertou no “V” em relação à “queda vertiginosa, mas falar em subida é precipitado”. “É estranho falar em retomada, e mais estranho é não considerar a pandemia, quando precisamos intensificar o isolamento e a interrupção em várias atividades. Os dados mostram um mercado muito ruim para todo mundo, embora pior pra mulheres, negros e mais jovens”, destacou.

Leda Paulani lembrou o termo “hecatombe”, usado pelo neurocientista Miguel Nicolelis para definir a situação brasileira na pandemia.  “A hecatombe está aí. O país vive a situação de ser um exemplo triste para o mundo, que nos envergonha a todos. Penso eu que hoje o único presidente negacionista no mundo é Bolsonaro”, disse. Para a professora da USP, a postura “equivocada” do governo Bolsonaro desconsidera um pressuposto: “para a economia funcionar minimamente, as pessoas têm que ter saúde”.


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