25/04/2024 - Edição 540

Especial

A semente da violência

Publicado em 18/03/2021 12:00 -

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Um repórter do jornal O Estado de Minas foi agredido em Belo Horizonte por manifestantes bolsonaristas que protestavam contra as medidas de isolamento, pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e defendiam a ditadura militar de 64 (assista abaixo). Em Salvador, a fotojornalista Paula Fróes, do Jornal Correio, também foi agredida verbalmente durante uma manifestação bolsonarista ao registrar imagens do evento, a repórter foi chamada de “palhaça” e “vagabunda“, entre outras ofensas (assista abaixo).

A médica Ludhmila Hajjar, que negou convite para assumir o cargo de ministra da Saúde por divergências técnicas com o governo do presidente Jair Bolsonar, revelou ter sido alvo de ameaças de morte. “Eu recebi ataques, tentativa de invasão no hotel que eu estava, ameaças de morte, fui agredida com áudios e vídeos falsos com perfis. Mas estou firme e forte aqui. Hoje volto para São Paulo para continuar a minha missão, que é ser médica. Estou à disposição do meu país e vou continuar atendendo pessoas da direita e da esquerda”, afirmou.

O Supremo abriu inquérito para apurar quem financia manifestações hostis à democracia. Mas, como se vê, elas voltaram a se repetir, e, agora, com o emprego de violência contra jornalistas obrigados a cobri-las. O resultado da parceria de Bolsonaro com a Covid está deixando os bolsonaristas cada vez mais nervosos, e aí mora o perigo.

O governador João Doria registrou queixa na polícia contra os que o ameaçam de morte. Em vídeo gravado no último dia 13, em São Paulo, um homem dá tiros em alvos improvisados e chama Lula de “filho da puta”. Depois, vira-se para a câmera e vocifera:

“Presta atenção no recado que eu vou dar para você, seu vagabundo: se você não devolver os R$ 84 bilhões que você roubou do fundo de pensão dos trabalhadores, você vai ter problema, hein, cara? Você vai ter problema”.

A segurança de Lula será reforçada em breve. E os que no momento fazem parte dela receberão novos treinamentos. A direção nacional do PT pedirá a abertura de processo contra o homem do vídeo. Avisado, Doria tomará suas providências.

O governo federal não dá sinais de preocupação com nada disso. Pelo contrário: sempre que pode, como ocorreu na semana passada, Bolsonaro fala em Estado de Sítio, afirma que é muito fácil implantar uma ditadura no país e diz que o ditador seria ele.

Não levar a sério o que o presidente da República propaga nas redes sociais lembra o comportamento de milhões de brasileiros que apenas o viam como um candidato dado a falas exageradas. Não havia exagero. Era Bolsonaro em estado bruto tal como é.

Em outra frente, o Ministério da Justiça se presta ao papel de perseguir cidadãos que expressam críticas ao presidente.

"Fiquei muito espantado quando vi que estava sendo acusado de crime contra a segurança nacional", disse o comunicador Felipe Neto, intimado pela Polícia Civil do Rio, a pedido filho do presidente da República, depois de chamar Jair Bolsonaro de genocida na condução da pandemia.

Neto não foi o primeiro. Órgãos do governo e instituições de Estado têm avançado contra professores universitários, estudantes, jornalistas e blogueiros num processo a que o professor de Direito da USP Conrado Hübner Mendes deu o nome de “Estado de Intimidação”.

Para a professora de Direito da Estácio Fabiana Santiago, autora de um livro sobre a Lei de Segurança Nacional, as ações remontam a Lei de Segurança Nacional, dispositivo sobrevivente de seguidas ditaduras. Segundo ela, independentemente de qualquer outra consideração, é flagrante que a lei não se aplica aos casos em questão. “Isso viola a lógica da segurança humana e do Estado democrático de direito”.

Estudioso do tema da liberdade de expressão, o doutor em Filosofia Fernando Schuler, do Inspe, considera que “o país não sabe o que quer” nessa matéria. “E arrisco dizer: o Congresso não sabe, o Supremo não sabe. E o debate público é pobre”. Ele conclui: "Liberdade de expressão não dá para ser seletiva. Tem que ser para todo mundo".

Partiu do ministro André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), por exemplo, a ordem para que a Polícia Federal abrisse inquérito que investiga um sociólogo e um microempresário por duas placas de outdoor com críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma das mensagens, instaladas em agosto numa avenida de Palmas (TO), diz que Bolsonaro vale menos que um "pequi roído", que no Tocantins significa algo sem valor ou importância.

O inquérito foi determinado pelo ministro em dezembro e aberto em 6 de janeiro último por um dos setores mais influentes da direção-geral da Polícia Federal em Brasília, a DIP (Diretoria de Inteligência Policial), por meio da sua Divisão de Contrainteligência Policial.

"Diante dos fatos narrados, requisito ao diretor-geral da Polícia Federal que adote as providências para a abertura de inquérito policial com vistas à imediata apuração de crime contra a honra do presidente da República", escreveu o ministro André Mendonça em 8 de dezembro.

O despacho foi encaminhado ao chefe de gabinete da direção-geral da PF, que o enviou para análise da Corregedoria. O corregedor-geral da PF, João Vianey Xavier Filho, concluiu que "está manifestada a opção de se conduzir eventual investigação do fato pela DIP/PF".

A DIP abriu o inquérito em 5 de janeiro e, por videoconferência, já tomou o depoimento dos dois investigados, o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, 36, que é secretário de formação do PCdoB em Tocantins e mestrando na UFT (Universidade Federal do Tocantins), e Roberval Ferreira de Jesus, 58, dono de uma microempresa de outdoors que disse só ter sido contratado para a locação do espaço e não participado da elaboração da peça.

O perfil de Rodrigues na rede social Twitter foi monitorado pela DIP, que copiou 12 postagens e as incluiu na investigação.

Caso começou após representação de um bolsonarista e a princípio foi arquivado

A abertura do inquérito determinada por Mendonça é a retomada de um procedimento que começou em agosto do ano passado a partir da iniciativa de um bolsonarista, o "empresário do ramo imobiliário, gestor de negócios e produtor rural" Celso Montoia Nogueira, que nas eleições de 2020 se lançou candidato a vereador de Palmas (TO) pelo PRTB com o nome de "Montoya Bolsonaro" – ele não se elegeu. Nas redes sociais, Nogueira se diz "um grande patriota, conservador e guerreiro" e "coordenador estadual da Marcha Nacional Cristãos Pelo Brasil".

Em 18 de agosto, Nogueira mandou um ofício para a PF de Palmas para dizer que os outdoors eram "desrespeitosos à figura do atual presidente da República" e que o direito à manifestação no caso "caracteriza abuso ao direito de crítica, extrapola o limite da censura e dá ensejo à anarquia". Ele disse que a peça configurava "crime de lesa-pátria" e pediu que Rodrigues e a empresa de outdoor fossem investigados por meio da Lei de Segurança Nacional, de 1983.

"A expressão popular 'não vale um pequi roído' é bastante utilizada pelo povo tocantinense e significa pessoa sem vergonha, que não vale nada, alguém que não presta", escreveu o advogado do fazendeiro na petição.

A PF fez uma análise da manifestação e opinou pelo arquivamento. O delegado corregedor regional da PF em Palmas, Hugo Haas de Oliveira, concluiu que as mensagens não configuravam crimes previstos na Lei de Segurança Nacional e que as expressões utilizadas nos outdoors "não apontam quaisquer fatos que teriam sido praticados pelo presidente da República, mas sim, injúrias, xingamentos e frases ofensivas. Tais frases podem somente atingir a honra subjetiva de modo a caracterizar, smj [salvo melhor juízo], apenas o ilícito de injúria".

O artigo 140 do Código Penal diz que é crime "injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro". A pena prevista é de um a seis meses de detenção. Se a suposta vítima for o presidente da República, contudo, a representação para a apuração deve partir do ministro da Justiça, conforme previsto no artigo 145.

O procurador da República Higor Rezende Pessoa concordou com o arquivamento "por inexistência de condição de procedibilidade, pois ausente a requisição do ministro da Justiça". Porém, determinou que André Mendonça fosse cientificado para que, "querendo, proceda com a representação". Foi o que o ministro da Justiça fez, em dezembro passado.

Ideia era fazer contraponto a vários outdoors pró-Bolsonaro, diz sociólogo

Tiago Rodrigues disse que a ideia dos outdoors surgiu porque militantes bolsonaristas espalharam placas em municípios de Tocantins com mensagens de apoio a Bolsonaro. A ideia era fazer um contraponto. Foi então lançada uma vaquinha virtual, que arrecadou cerca de R$ 2,3 mil. Com o dinheiro, Rodrigues contratou duas placas que ficaram 30 dias em exposição na avenida NS-05, em frente ao Capim Dourado Shopping, e na avenida JK, em frente ao colégio São Francisco de Assis.

Uma placa dizia: "Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já". O pequi é um fruto típico do cerrado. "Roído" é o fruto sem polpa, apenas com o caroço, que é cheio de espinhos. A outra placa pontuava: "Aí mente! Vaza Bolsonaro, o Tocantins quer paz".

"A ideia foi dizer que é um governo que não age no combate à pandemia. Isso do pequi é uma expressão regional. Algo que é ineficaz, não está valendo para nada, não está surtindo efeito. Minha opinião sobre o que o Bolsonaro está fazendo na pandemia é a de vários brasileiros. Estamos vendo as consequências disso. É um governo que não está atuando de maneira eficaz, isso que o outdoor dizia", afirmou Rodrigues.

O advogado do sociólogo, Edy César Passos, disse que a investigação da PF em Brasília "deverá ser arquivada, ao final, pela própria PF, é o que esperamos".

"A injúria tem que ser uma coisa muito pessoal, relativa à pessoa, não pode se confundir com a função pública de um presidente. A crítica foi à função pública, o desempenho dele na pandemia. É muito subjetiva a utilização daquele artigo [pelo ministro da Justiça]. É por isso que é muito raro um precedente, eu desconheço. A ex-presidente Dilma, por exemplo, foi injuriada várias vezes, em sua figura enquanto mulher, e não houve nenhuma movimentação do governo sobre isso", disse Passos.

Tiago Rodrigues disse que a abertura do inquérito em Brasília "é um problema grave de cerceamento de liberdade de expressão, de impedir que a pessoa manifeste sua insatisfação contra o governo, qualquer que seja". "Hoje são vários casos [como o dele], até onde eu sei. Sei de uma professora em Pernambuco que também fez um outdoor. Vejo como tentativa de cercear qualquer crítica de oposição ao governo", disse Rodrigues.

Em seu depoimento à PF, o microempresário Roberval Ferreira de Jesus disse que Tiago "já entregou as imagens prontas para serem instaladas/aplicadas nos outdoors" e que ele, Roberval, "não teve qualquer participação na montagem da arte gráfica das imagens aplicadas nos outdoors". Afirmou ainda que "nunca teve o objetivo de ofender a honra de Bolsonaro" e mencionou que "apesar dos dois outdoors possuírem conteúdo em desfavor do presidente da República, já locou/instalou vários outros outdoors 'pró-Bolsonaro'".

Sinal de desespero

Outro caso de perseguição promovida pelo Ministério da Justiça a críticos do bolsonarismo foi a intimação do youtuber Felipe Neto. É sintomático do momento de estresse vivido pelo clã Bolsonaro a intimação recebida pelo comunicador para que preste esclarecimentos após ele ter chamado (ao lado de uma boa parte da internet brasileira) o presidente de "genocida". É uma absurda tentativa de intimidação, dele e de críticos em geral, mas também uma cortina de fumaça e um sinal de desespero.

O presidente, como é notório, tem sido um dos maiores aliados do coronavírus. Ostentando um comportamento irresponsável, levou o Brasil a 280 mil mortos, com potencial para outros 280 mil.

Após o vereador Carlos Bolsonaro ter apresentado uma notícia-crime por calúnia, baseada em uma lei que é um entulho da ditadura militar, a Polícia Civil do Rio de Janeiro bateu na porta do empresário e youtuber com 41,5 milhões de seguidores para entregar o documento no último dia 15.

Ironicamente o Tribunal Penal Internacional está examinando uma denúncia apresentada contra Bolsonaro por incitar genocídio contra povos indígenas. Dependendo do resultado, a Polícia Civil vai precisar juntar umas milhas para ir até Haia, na Holanda, a fim de entregar nova intimação.

Quando Bolsonaro fica acuado, ele joga uma cortina de fumaça que serve para duas coisas. Primeiro, desviar a atenção do que realmente importa.

Pelo documento postado nas redes por Felipe Neto, o procedimento foi iniciado nno último dia 10, data do discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – discurso que pautou a mídia e irritou Bolsonaro.

No mesmo dia, o Brasil ultrapassou duas mil mortes por covid registradas em 24 horas pela primeira vez – para ser mais específico, 2.349. A marca foi divulgada internacionalmente e colocada na conta de Bolsonaro. Enquanto as mortes disparam, a população está longe de ser imunizada em massa e pobres dormem com fome pela falta do auxílio emergencial.

Já o delegado do caso não poderia escolher data melhor para entregar a intimação.

No último dia 15, o Palácio do Planalto anunciou a substituição do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o que é mais uma prova da falência da gestão da pandemia pelo governo. A troca visa a reduzir as críticas sobre Bolsonaro, verdadeiro formulador da antipolítica da pasta.

Além disso, o UOL publicou uma investigação mostrando que a quebra de sigilos bancário e fiscal de pessoas e empresas ligadas ao então deputado estadual e, hoje, senador Flávio Bolsonaro revela indícios de que o esquema de desvio de recursos públicos também ocorria nos gabinetes do pai, Jair, quando este era deputado federal, e do irmão, o vereador Carlos Bolsonaro.

Outra razão para as cortinas de fumaça é manter excitada a legião de seguidores e fãs, mantendo-a motivada e unida na defesa de seu mito. Um naco de 12% a 16% da população é composto de guardiões da radicalidade e, por vezes, da irracionalidade do governo. Quando fragilizado, Bolsonaro precisa mais do que nunca desse rebanho nas ruas e nas redes, atacando críticos e incensando-o. E costuma mobilizá-lo com esse tipo de coisa.

No dia 4 de março, Bolsonaro chamou de "idiota" quem pede que ele compre vacina. "Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo!", afirmou em Uberlândia (MG). Algumas horas depois, em São Simão (GO), sapateou em cima daqueles que choram sobre seus mortos. "Vocês [produtores rurais] não ficaram em casa, não se acovardaram. Nós temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?"

Como efeito colateral, a mídia focou sua cobertura nas declarações, mas as redes bolsonaristas também foram à loucura. Sobrou menos espaço no debate público para a compra da mansão de quase R$ 6 milhões por parte de seu filho, o senador Flávio.

Procedimentos como esse, contra uma figura conhecida como Felipe Neto, tendem a não levar a uma condenação final, como já vimos em outras ações. Quem o utiliza sabe disso, mas vê neles ferramentas para ameaçar e intimidar adversários e provocar medo em quem pensa em criticá-lo e, ao mesmo tempo, estimular sua tropa. Este procedimento, em especial, foi iniciado em lugar errado, diga-se de passagem, porque crimes contra a segurança nacional são de competência federal.

Mesmo assim, ferramentas autoritárias como a Lei de Segurança Nacional vêm sendo adotadas à fartura pelo ocupante do Palácio do Planalto. Segundo levantamento da revista Crusoé, sob Bolsonaro, a Polícia Federal abriu 82 inquéritos com base nessa legislação.

E o comportamento da família do presidente vai se replicando por similaridade. Pipocam pelo país casos de pessoas comuns que foram assediadas pela polícia por terem opinião. Muitos se livram de coisa pior porque sua história ganha os holofotes da mídia.

Protestar contra intimidações como essa contra Felipe Neto, um dos mais importantes comunicadores do país, é, portanto, impedir que os saudosos dos métodos da ditadura tomem gosto pela coisa e fiquem à vontade. A começar pela própria família do presidente.

Não bastasse ser chamado de "genocida", Bolsonaro parece querer também ser tratado como "censor" e "ditador".

Em tempo: E há quem esteja comparando de forma bizarra uma crítica legítima ao presidente com o caso de um deputado federal que atacou a democracia e incitou a violência física contra um ministro do STF. No fundo do poço, há sempre um alçapão.

Pesquisadores no alvo

Há, também, a perseguição a pesquisadores. O cientista Lucas Ferrante se tornou mundialmente conhecido por revelar ao mundo o desmonte das políticas ambientais do governo Bolsonaro. Ele publicou estudos que examinavam o tema nas maiores revistas científicas do mundo, como Science e Nature.

Com base nas investigações, o doutorando do Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Inpa, municiou o Ministério Público Federal que moveu ações barrando projetos que destruiriam reservas indígenas e a grande parte da Amazônia. O grupo do qual Lucas faz parte também foi o primeiro a prever o descontrole da covid-19 em Manaus, epicentro da nova e mais virulenta cepa do coronavírus que se espalhou pelo mundo.

Sua exposição pública, porém, o tornou alvo de uma campanha de difamação que extrapolou as redes. O vídeo abaixo retrata a perseguição de um cientista na Amazônia durante o governo Bolsonaro.

O epidemiologista Pedro Hallal foi outro alvo da perseguição bolsonarista. Ele fpi investigado pela CGU (Controladoria-Geral da União) por "manifestação de desapreço" ao presidente da República

Como coordenador do Epicovid, maior estudo epidemiológico do país sobre Covid-19, Hallal tem feito críticas contundentes sobre a condução da pandemia por parte do governo Jair Bolsonaro. Ele e o professor Eraldo dos Santos Pinheiro, ambos da Universidade Federal de Pelotas, tiveram que assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para encerrar investigação da CGU por críticas a Bolsonaro.

Hallal, 40, disse esperar que a CGU tenha o entendimento que teve com ele também com relação ao presidente e outros integrantes do governo. "Certamente deve haver processos contra o ex-ministro da Educação, deve haver alguns processo da CGU contra o presidente da República por essas manifestações, repetidas nesses ambientes [de trabalho]".

Não é a primeira vez que Hallal é perseguido pelo Governo Bolsonaro. O epidemiologista foi impedido de falar durante uma entrevista à rádio Guaíba no início do ano. Na ocasião, o apresentador do programa questiona o professor sobre como pegou covid-19 e na sequência corta a fala do docente. O deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), responsável pelo processo junto à CGU, diz que "se ele não conseguiu salvar ele, vai conseguir salvar quem?"

Jair Bolsonaro utilizou suas redes sociais no dia 14 de janeiro para expor um vídeo editado da entrevista. "Reitor da Universidade de Pelotas. Simplesmente assista", disse o presidente.

"[Foi] um ataque orquestrado à minha pessoa por um deputado e pelos jornalistas. O deputado falou antes, durante e depois da minha participação. Fui interrompido em minha fala inúmeras vezes. Um exemplo de como não fazer jornalismo isento", disse o professor.

Naquela altura, Manaus sofria com a maior crise desde o início da pandemia, onde mesmo com falta de oxigênio, o Ministério da Saúde se limitou a investir na distribuição do chamado "kit-covid", com medicamentos sem comprovação científica contra a doença. A pasta também aproveitou o momento para o lançamento do Tratecov, aplicativo que sugeria a profissionais da saúde a indicação de medicamentos como cloroquina e azitromicina, ambos sem indicação para o novo coronavírus. Após críticas da imprensa e de especialistas, o governo tirou o aplicativo do ar alegando que o sistema havia sido "invadido e ativado indevidamente".

Pedro Hallal diz ainda que a Epicovid, pesquisa que tinha como objetivo estimar quantos brasileiros já foram infectados pelo novo coronavírus, auxiliando no planejamento do combate à doença, sofreu com o corte do governo federal no financiamento da pesquisa, além da censura de dados sobre os indígenas. A pesquisa mostrava que povos originários brasileiros apresentam risco maior de infecção por covid-19.

Matéria da Folha de S. Paulo de maio do ano passado mostra que as equipes que coletavam testes para o estudo foram detidas e agredidas. "Em vários municípios, o material de testes foi destruído e as equipes do estudo tiveram de abandonar a cidade e desistir da pesquisa", diz a reportagem de Vinicius Torres Freire.

O contrato entre o Ministério da Saúde e a Universidade previa três fases, entregues para a pasta em julho do ano passado. Alguns dos dados levantados pelos cientistas indicavam, por exemplo, que havia subnotificação de casos. Pessoas mais pobres tinham mais infecções que os mais ricos e que a pandemia variava de acordo com a região do país.

A pesquisa entrevistou quase 90 mil pessoas em 133 municípios, mas o Ministério não demonstrou interesse em avançar com o estudo. Na época, a pasta afirmou que daria continuidade "a estudos de inquérito epidemiológico de prevalência de soropositividade na população".

Sem recursos do governo federal, a UFPel buscou auxílio junto à iniciativa privada e com outras instituições de fomento. "Conseguimos financiamento com o Todos Pela Saúde e com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O Epicovid nunca parou, só mudou a fonte de financiamento", diz o professor. Ao todo já foram realizadas cinco fases da pesquisa.

Essas não foram as únicas dificuldades enfrentadas pela equipe de Pedro Hallal. Segundo o professor, ele chegou a receber ameaças que estão sendo investigadas pela Polícia Federal. Ele não pode comentar sobre o caso, pois tramita em sigilo.

Alguém acha que se Bolsonaro perder as eleições contra Lula irá passar a faixa pacificamente?

A possível foto do capitão Bolsonaro passando pacificamente a faixa presidencial ao ex-presidente Lula percorreria o mundo. E é isso que o presidente tentará evitar. Já recém-eleito em 2018 começou imediatamente a colocar em dúvida a legitimidade das urnas e exigiu o voto impresso. Chegou a dizer que se os votos não fossem manipulados ele teria vencido no primeiro turno e que tinha provas disso, mas nunca as apresentou. E desde então deixou claro que se perder o próximo pleito e ainda mais agora com a possibilidade de que Lula seja o vitorioso, não aceitará pacificamente os resultados.

Não por acaso, desde que surgiu de surpresa a possibilidade de que Lula possa disputar as eleições, Bolsonaro tem afirmado que só ele pode impor o estado de sítio no país. Falou novamente da possibilidade de um golpe, de que ele conta com “seu Exército”.

Bolsonaro nunca apareceu tão nervoso e agressivo ao mesmo tempo em que se apresentou de repente como o defensor da vacina, enquanto abre uma guerra contra os governadores aos que acusa de ser os responsáveis pela tragédia da pandemia por permitirem medidas restritivas para tentar conter o drama da covid-19 cada vez mais perigosa e agressiva.

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, o presidente é capaz de atropelar todas as liberdades e de voltar a acariciar seu sonho de implantar uma nova ditadura militar. Não é por acaso que a cada dia seu Governo aparece mais militarizado e que no boletim do Clube Militar do Rio de Janeiro tenha se defendido que a maioria dos brasileiros “tem saudade da ditadura”. Algo que todas as pesquisas nacionais desmentem mostrando que 70% dos brasileiros são favoráveis à democracia.

Bolsonaro voltou esses dias à cínica filosofia de que “a liberdade é mais importante do que a vida”. Só que ele falar de liberdade soa a sarcasmo. Pelo contrário, para ele o conceito de liberdade não existe. A primeira vez que ele falou de liberdade significou liberdade para infringir as leis restritivas contra o avanço da pandemia. Bolsonaro não entende de filosofia e não sabe o que é um silogismo e um sofismo. Seu forte não é o raciocínio e a reflexão e sim a impulsividade das armas e a exaltação da violência em todas as suas vertentes.

Quando o presidente defende que a liberdade vale mais do que a vida não está fazendo uma reflexão filosófica. Está só pensando na liberdade que suas hostes negacionistas pedem para desobedecer às normas impostas pela ciência e a medicina em meio à maior tragédia sanitária da história do Brasil.

Bolsonaro tem pavor de perder votos de suas hostes se apoiar as medidas necessárias não só para prevenir o contágio pessoal, como também para impedir o dos outros. Chega a defender que é melhor morrer e expor os outros à morte do que impedir as pessoas de burlar essas normas ao bel-prazer. Sua única obsessão é a de poder perder as eleições e por isso despreza a vida dos outros para salvar seu poder.

Bolsonaro falar da liberdade mesmo à custa de colocar em perigo a própria vida é risível e soa mais à fraude. Se há hoje no Brasil um político que despreza a liberdade é o presidente cujo vocabulário está repleto de palavras como golpe, ditadura, guerra contra a liberdade de expressão e perseguição dos direitos humanos. De guerra contra a liberdade das pessoas de escolher suas preferências sexuais e de negar que os diferentes tenham direito à sua liberdade de sê-lo.

A palavra liberdade na boca do negacionista e genocida já nasce podre e corrompida.

A única forma de liberdade para ele é justamente a de perseguir as liberdades que forjam uma sociedade verdadeiramente democrática onde não existe valor maior do que a vida.

O presidente alardeia o uso de Deus para seus planos de poder e para ganhar os votos da grande massa dos evangélicos. Ele, que gostaria de trocar a Constituição pela Bíblia, deveria se lembrar que nos textos sagrados Jesus define a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,16).

Bolsonaro despreza exatamente esses três conceitos. Em vez de ser o caminho, ou seja, o guia de uma sociedade justa e livre, é o motor da confusão e do desgoverno. Em vez de ser o representante no país da verdade é o semeador da mentira, cultor da nova moda das fake news. E em vez de ser o defensor da vida chama de covardes os que se protegem do vírus e fazem sacrifícios para continuar vivos.

Não existe no presidente que está conduzindo o país a uma catástrofe um só instinto de vida. Seu abecedário é o da morte e da destruição como revela sua paixão pelas armas, expressão da morte e da violência. Que Bolsonaro coloque um falso conceito de liberdade como mais importante do que a vida é a melhor constatação do que já havia confessado: “Eu não nasci para ser presidente. Minha profissão é matar”.

Bolsonaro poderá um dia ser levado aos tribunais internacionais acusado de não ter impedido com sua negação da pandemia e seu desprezo pela vacina encher os cemitérios de mortos. A única verdadeira liberdade que ele pratica é a de abandonar o país a sua própria sorte para não perder o poder.

O certo e cada vez mais indiscutível é que o Brasil, desde o fim da ditadura e volta à democracia, nunca esteve tão perto de uma nova tragédia política. A espada de Dâmocles de um novo golpe militar não é algo hipotético e sim algo bem próximo. E ainda mais com a chegada inesperada de Lula e a deterioração cada dia maior das instituições que deveriam velar pelos valores democráticos como o Congresso e o Supremo onde está ocorrendo uma verdadeira guerra campal entre os magistrados que deveriam colocar todos os seus esforços na defesa da democracia ameaçada.

Por sua vez, os militares que se comprometeram abertamente com o Governo Bolsonaro e suas loucuras antidemocráticas dificilmente aceitarão aparecer como derrotados. E certamente não permitirão perder essa guerra.

As grandes tragédias dos países começam por ser consideradas como catastrofistas e acabam sempre se realizando quando já não há mais tempo de detê-las.

Cuidado Brasil!


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