26/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro volta a atiçar aliança da morte

Publicado em 12/03/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O Palácio do Planalto prevê que o Brasil vá passar as próximas seis semanas com média diária de óbitos por covid-19 acima de dois mil, segundo uma apuração do Valor. Mas, por aqui, imaginamos quanto tempo deve levar até chegarmos às três mil: ontem (11) foram mais 2.207 e a média móvel bateu seu 13º recorde seguido, ficando em 1.705. Foram quase 12 mil mortes em apenas uma semana.

A maior fila por leitos para covid-19 no país é a do Paraná, que tem mais de mil pessoas. Mas o governador Ratinho Jr. (PSD) anunciou o fim do lockdown de 12 dias, autorizando a volta do comércio e das escolas em modelo híbrido. O detalhe é que todos os indicadores estão piores do que quando o lockdown começou, o que claramente indica a necessidade de mais tempo. Na vizinha Santa Catarina, o Ministério Público e a Defensoria Pública precisaram ir à Justiça para pedir lockdown de pelo menos duas semanas no estado, que também tem a saúde em colapso. O governador Carlos Moisés (PSL) decretou que vai manter abertos shoppings, academias e piscinas de uso coletivo em dias úteis…

No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) estendeu o lockdown da capital para todo o estado. Começa a valer amanhã (13). 

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) decidiu colocar o estado em “fase emergencial” por duas semanas, a partir de segunda-feira (15). Finalmente vai ser suspensa a realização de missas e cultos, mas as igrejas podem ficar abertas para atendimento individual. Também ficam vetadas atividades esportivas, retirada de comida nos restaurantes e o funcionamento presencial de lojas de construção e de eletrônicos. O home office deve ser adotado para todas as atividades administrativas não-essenciais, e o comércio só pode funcionar por delivery. Quanto às escolas, seguem autorizadas, mas os recessos de abril e outubro vão ser antecipados, para que na prática elas fechem.

Felizmente, as associações de empresas do comércio, serviços e alimentação desistiram de pressionar pela reabertura imediata. Não foi o que aconteceu na capital do Rio, onde o Sindicato dos Bares e Restaurantes conseguiu reverter uma decisão do prefeito Eduardo Paes (DEM) de “só” mantê-los abertos até as 17h. Paes deu meia-volta. O horário desses lugares, que são sabidamente focos de superespalhamento, foi estendido para 21h. 

Aliás, Doria e o governador do RJ, Claudio Castro, se estranharam. O paulista criticou o chefe do Executivo fluminense por não assinar o pacto em que governadores se comprometem com medidas contra a covid-19. “Lamento que o Rio de Janeiro, onde vivi parte da minha vida e conheci a minha esposa e tenho tantos e tantos amigos, ao invés de ter medidas que restrinjam – e com isso protejam a sua população – façam exatamente o caminho oposto”, disse Doria. Castro respondeu pelo Twitter: Recomendo a ele um chá de camomila e que cuide de SP, porque, do Rio, cuido eu.”

Enquanto isso… O presidente Jair Bolsonaro não só voltou a atacar os governadores pelas novas quarentenas como acusou os gestores de inflarem o número das mortes com o intuito de prejudicá-lo. 

Pressão pela CPI

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) acionaram o Supremo para obrigar o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a instaurar a CPI que tem o objetivo de investigar a condução do governo federal da crise sanitária. No mandado de segurança protocolado ontem, eles lembram que Pacheco, eleito com apoio do Planalto, já se manifestou contra a abertura da comissão, taxando-a de “contraproducente” em entrevista ao Roda Viva. Para os senadores, a fala evidencia a “resistência pessoal” do presidente do Senado em abrir a CPI. “Não há qualquer justificativa plausível para a não instalação da CPI”, criticam.

O assunto tem aparecido com força na reunião de líderes do Senado há algumas semanas, segundo o Valor. E o senador Renan Calheiros (MDB-AL) é quem articula boa parte da pressão. Ele argumenta que o presidente do Senado não tem poderes para decidir se a comissão é válida ou não, apenas julga se o requerimento protocolado contém um “fato determinado” que justifique sua existência.

No plenário, foi a vez de Tasso Jereissati (PSDB-CE) cobrar, usando como gancho a quinta revisão feita por Eduardo Pazuello no número de doses que chegará aos estados em março. “Já está falando de 22 milhões a 25 milhões de doses, ou seja, não há a mínima transparência ou confiabilidade nas informações prestadas pelo ministro. Eu queria fazer um apelo, novamente. Vamos fazer – não é nada de impeachment – uma CPI para que o ministro ou qualquer autoridade que venha aqui, seja de farmacêutica, seja do governo, tenha responsabilidade e juramento sobre o que diz porque o que está sendo dito aqui não é verdadeiro“, criticou. Para o senador, somente com a criação da CPI o Congresso terá condições de recomendar a punição de qualquer autoridade que “omita” ou “minta” sobre as doses contratadas. 

Além de atuar pelo engavetamento da CPI, a base do governo quer emplacar um caminho alternativo, que retire do Ministério da Saúde a centralidade no combate à pandemia (e dilua sua responsabilidade). O vice-líder do governo no Congresso, senador Marcos Rogério (DEM-RO), elaborou um projeto para criar uma coordenação nacional de combate à pandemia, que teria liderança da União, mas contaria com a participação dos estados e municípios. Para nós, é difícil entender como isso seria diferente da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), fórum com esses mesmos atores responsável pela articulação interfederativa do SUS. 

O requerimento que solicita a criação na CPI é assinado por 32 senadores, tendo cinco assinaturas a mais do que o mínimo necessário. Também pesa o clima na casa o fato de haver, no momento, três senadores internados com covid-19: Major Olimpio (PSL-SP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Lasier Martins (Pode-RS).

Fundo do poço

No fundo do poço, há sempre um alçapão – e pode ter certeza que lá estará Jair Messias fazendo arminha com as mãos. Em mais um capítulo de sua cruzada contra medidas de isolamento social, o presidente afirmou, na quinta (11), que as consequências de um lockdown podem ir de saques em supermercados a ônibus incendiados.

De forma cruel, provoca pânico em uma população que já está atemorizada por conta do coronavírus. Com isso, quer pressionar trabalhadores e empresários a protestarem contra prefeitos e governadores que estão fechando territórios para frear a escalada de mortes.

"Até quando nossa economia vai resistir? Que se colapsar, vai ser uma desgraça. Que que poderemos ter brevemente? Invasão a supermercado, fogo em ônibus, greves, piquetes, paralisações. Onde vamos chegar?", diz Bolsonaro. Desconfio que, se isso acontecesse, ele iria vibrar no momento em que impusesse um estado de sítio ao país.

Ironicamente, o que já está gerando caos e fome é a demora de seu governo em propor, aprovar e pagar a renovação do auxílio emergencial. Isso sem contar que o novo valor a ser transferido para o benefício (R$ 250, em média, por domicílio) é muito baixo. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese), isso compra 39,6% de uma cesta básica, que inclui alimentos frescos, em São Paulo. E o resto? Se vira!

Bolsonaro ameaça com o pânico que, em última instância, ele mesmo ajuda a criar.

"Sou preocupado com vidas, antes que peguem um extrato da minha conversa, alguém, e publique nos jornais como se fosse o presidente sem coração. Mas, como sempre disse, a economia e a vida têm que andar de mãos dadas", disse também.

Para a economia e a vida andarem de mãos dadas, ele não poderia ter fugido de sua responsabilidade de articular quarentenas. "Ai, o STF não me deixou eu fazer isso e…" Mentira descarada. Ou nas palavras do ministro Gilmar Mendes desmentindo o chanceler Ernesto Araújo nesta quarta: fake news!

Adotar quarentenas decentes (coisa que nunca houve no Brasil) e, no limite, lockdowns para evitar o avanço da escalada de mortes, reduz a infecção mais rapidamente. Com isso, depois de um tempo fechadas, as pessoas podem voltar ao trabalho. Ganha a economia.

Enquanto não temos a população vacinada (porque o presidente não quis comprar doses o suficiente para nos vacinar no ano passado), essa é a saída.

Mas, para isso, ele teria que aceitar dialogar com adversários políticos. Mesmo se conseguisse fazer isso, a imagem de uma Bolsonaro aberto à articulação coletiva seria fatal para seus seguidores radicais, que querem a guerra.

Até uma marmota que se assusta com sua própria sombra sabe que empregos não vão ser gerados em massa enquanto as pessoas continuarem morrendo em escala industrial. Mesmo assim, em uma sociedade cansada de quarentena, o presidente vai tentando impor sua visão de que o isolamento é que leva à fome e não a demora dele em retomar o auxílio emergencial.

Dessa forma, o presidente quer todo mundo na rua, forçando uma retomada irreal da economia para não prejudicar sua reeleição em 2022. Se pegar, pegou. Se morrer, morreu. Por que, como ele mesmo diz, "todo mundo morre um dia".

Ontem, por algumas horas, o presidente vestiu o figurino de adulto responsável, usando máscara em um evento e defendendo a imunização. Nem parecia aquele que já disse que vacina podia transformar pessoas em jacarés ou que acusou a máscara de fazer mal à saúde ou ainda que falou a para quem pranteia seus mortos deixarem de mimimi e frescura.

Isso não ocorreu por causa do recorde de 2.349 mortes registradas em apenas 24 horas, mas devido a Lula, seu provável adversário na eleição de 2022, ter atacado sua gestão durante a crise e ganhado mídia com isso.

Como não havia outro discurso de Lula para modular o discurso de Jair nesta quinta, ele voltou a ser o velho negacionista de sempre, pensando no próprio umbigo e terceirizando as consequências de seus atos. Não deu nem tempo de sentir saudade.

"A acusação de negacionista, terraplanista, genocida não cola", disse também nesta quinta. Bem, se ele tiver uma vida longa, ficará surpreso com os livros de História.

Briga-se com o idioma em vez de encarar o vírus

Era só o que faltava. A pandemia fez aniversário de um ano e os responsáveis pela gestão da crise, que já não se entendiam sobre o que fazer com o vírus, passaram a se desentender até sobre o idioma no qual se expressam.

O ministro Eduardo Pazuello declarou em vídeo que o sistema de saúde está "muito impactado, mas não colapsou nem vai colapsar". Falando em nome dos governadores, Wellington Dias, do Piauí, disse que o colapso já chegou.

Há em todo país mais de 30 mil pessoas esperando na fila por vagas em UTIs. Significa dizer que o brasileiro já não morre apenas de covid ou de falta de vacina. Morre também de falta de leito.

Pazuello divulgou o vídeo em que nega o colapso, horas depois da realização, no Planalto, de uma solenidade que teve como pano de fundo um país alternativo. Um Brasil que poderia existir se alguns erros na condução da pandemia tivessem sido evitados. Um Brasil que poderia ter sido e que por muito pouco não foi.

Usando máscara e cercado de autoridades mascaradas, Jair Bolsonaro sancionou projetos destinados a impulsionar a compra de vacinas. O presidente defendeu as vacinas.

Dois dias antes, Bolsonaro havia participado de videoconferência com a cúpula da Pfizer, fabricante da vacina que não seria comprada pelo Brasil para evitar que as pessoas virassem jacaré.

Na véspera, o Ministério da Saúde encaminhara uma carta à embaixada da China, encarecendo ao governo de Pequim o fornecimento de 30 milhões de doses de uma vacina que o presidente, avesso a imunizantes chineses, não cogitava comprar.

Com mais de 270 mil corpos de atraso, o governo federal corre atrás de vacinas que negligenciou.

A essa altura, o Brasil está submetido a uma espécie de realismo fantástico, que nenhum autor de novela ousaria descrever para não traumatizar o público. O país se encaminha a passos largos para contabilizar 3 mil mortos por covid diariamente.

Já não somos o que poderíamos ter sido sem os erros. Mas poderemos ser algo ainda pior se continuarmos discutindo o idioma. Algumas pessoas podem ter dificuldade para definir o significado de colapso. Mas todo mundo reconhece um colapso quando o vê.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *