18/04/2024 - Edição 540

Poder

Compra de mansão lança novas suspeitas sobre Flávio Bolsonaro

Publicado em 05/03/2021 12:00 -

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O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio, comprou uma mansão de luxo por quase R$ 6 milhões num condomínio fechado de Brasília e levantou questionamentos sobre as condições da transação.

Há mais de dois anos, negócios suspeitos de Flávio assombram a família presidencial. O parlamentar é acusado de enriquecer graças a um esquema de desvio de verbas públicas na época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro. Segundo investigações, há suspeita de que esses valores tenham sido lavados na compra de imóveis.

De acordo com o site Antagonista, Flávio Bolsonaro pagou parte do imóvel, avaliado em R$ 5,97 milhões, com um empréstimo de R$ 3,1 milhões junto ao Banco de Brasília (BRB), uma instituição estatal do governo do Distrito Federal, que por sua vez é comandado por Ibaneis Rocha, um aliado do presidente. O banco acumulou um longo histórico de escândalos de corrupção nas últimas duas décadas e chegou a ter dois ex-presidentes presos. Já o atual presidente da instituição, Paulo Henrique Costa, é um dos cotados, segundo vários veículos da imprensa, para assumir a chefia do Banco do Brasil, uma prerrogativa do governo federal.

A compra da casa milionária também provocou críticas em redes sociais por ocorrer num momento de crise econômica, quando nenhum auxílio emergencial está sendo pago para famílias afetadas pela pandemia. A esposa de Flávio, Fernanda, que é dentista, também consta como compradora.

Transação

O valor da transação da mansão também chamou atenção, já que está bem acima do patrimônio declarado pelo senador Flávio em 2018. No pleito, o então candidato declarou possuir bens que totalizavam R$ 1,74 milhão. Seu salário como senador é de R$ 33.763.

O pagamento do empréstimo de R$ 3,1 milhões será feito em 360 parcelas. A certidão informa que as taxas de juros variam de 3,65% a 4,85% ao ano. Dessa forma, as parcelas devem ficar em torno de R$ 18 mil, mais da metade do salário líquido do senador.

Apesar de a mansão ficar numa área de Brasília, Flávio registrou o imóvel em um cartório de Brazilândia, uma empobrecida cidade satélite de 50 mil habitantes a 50 quilômetros do Plano Piloto.

Outro lado

Em nota, Flávio indicou que pagou mais de R$ 2,8 milhões do valor da mansão com recursos da venda de um apartamento no Rio de Janeiro.

"A casa adquirida pelo senador Flávio Bolsonaro em Brasília foi comprada com recursos próprios, em especial oriundos da venda de seu imóvel no Rio de Janeiro. Mais da metade do valor da operação ocorreu por intermédio de financiamento imobiliário. Tudo registrado em escritura pública. Qualquer coisa além disso é pura especulação ou desinformação por parte de alguns veículos de comunicação", afirmou a assessoria do senador.

Em um vídeo publicado em seu Twitter, Flávio ainda afirmou que parte do valor foi pago graças à venda de sua participação em uma franquia de chocolates no Rio.

A participação foi vendida no final de janeiro. A loja estava justamente na mira dos investigadores do Ministério Público que apuram as suspeitas de participação do senador no esquema das "rachadinhas" em seus tempos de deputado. A loja, segundo os promotores, operava com volume atípico de transações em dinheiro vivo e há suspeita de que o local era usado para lavar dinheiro.

O caso das rachadinhas também evidenciou a ligação da família Bolsonaro com milicianos do Rio, notadamente o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em 2020, cuja ex-mulher e mãe foram empregadas no gabinete de Flávio e repassaram centenas de milhares de reais para Fabricio Queiroz, uma espécie de "faz tudo" da família Bolsonaro. Além disso, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também foi implicada no caso quando apareceram valores depositados por Queiroz em sua conta.

Suspeitas

Flávio foi denunciado em novembro pelo Ministério Público por seu papel nas suspeitas de desvios na Assembleia Legislativa do Rio, acusado de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Os desvios teriam somado R$ 6,1 milhões ao longo dos quatro mandatos de Flávio na Alerj.

A denúncia ainda apontou que os valores desviados foram ocultados com a compra de imóveis. Flávio, por exemplo, comprou em 2012 dois imóveis em Copacabana a preços abaixo do mercado. Os apartamentos foram comprados por R$ 310 mil e revendidos meses depois com um lucro de 262%. Sobre o caso, Flávio disse à época: "Ué, eu consigo comprar mais barato e estou sendo julgado por isso?". Mas o baixo valor pago parece ter sido artificial. No mesmo dia em que a transação foi oficializada, o dono original dos imóveis depositou R$ 638,4 mil em dinheiro vivo na própria conta.

Ao todo, Flávio adquiriu 19 imóveis num intervalo de 16 anos, entre apartamentos e salas comerciais. A mansão em Brasília é o 20º imóvel envolvendo o filho mais velho do presidente.

A mansão

O imóvel adquirido por Flávio Bolsonaro fica no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, uma área nobre de Brasília. O terreno soma 2.400 m². Já a construção tem 1.100 m².

Os detalhes da casa apareceram num vídeo divulgado pela construtora. As imagens originais já foram retiradas do ar, mas foram logo reproduzidas por contas em redes sociais.

São dois pavimentos, com jardim e piscina. O anúncio de venda da casa descrevia que o andar inferior tem "salas de estar e de jantar com pé direito duplo, escritório, lavabo, home-theater, cozinha, espaço gourmet com ampla varanda, despensa, lavanderias coberta e descoberta, duas dependências completas para empregadas e quarto de motorista".

Já o andar superior conta com "sala e copas íntimas, uma brinquedoteca, quatro suítes amplas, sendo a master com hidromassagem para o casal, closet e academia".

"Na área externa, piscina e spa com aquecimento solar, iluminação em led e deck, banheiros do espaço gourmet, depósito, quatro vagas de garagem cobertas e mais quatro descobertas", indicava o anúncio.

Relação suspeita

O empresário Juscelino Sarkis, que vendeu a mansão a Flávio Bolsonaro é namorado da juíza Cláudia Silvia de Andrade, da Justiça de Goiás, que trabalhou no gabinete do ministro João Otávio de Noronha enquanto ele esteve na presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre 2018 e 2019. A informação foi revelada pelo “Jornal Nacional”, da TV Globo. Na semana passada, Noronha proferiu votos favoráveis ao filho do presidente Jair Bolsonaro em dois recursos apresentados por advogados à Quinta Turma do STJ. A defesa tenta atrasar e anular o caso das “rachadinhas”.

De acordo com o “JN”, Cláudia integrou uma equipe de seis auxiliares do gabinete de Noronha enquanto ele presidiu a Corte. Ela e Juscelino Sarkis têm um relacionamento, registrado em fotos dos dois juntos, compartilhadas nas redes sociais. Sarkis era o proprietário do imóvel de 2,4 mil metros quadrados que Flávio adquiriu no início do ano, no chamado “Setor de Mansões Dom Bosco”, uma das áreas mais nobres da capital federal.

Flávio foi denunciado em outubro do ano passado pelo Ministério Público (MP) do Rio, junto a outras 16 pessoas, por um esquema de desvio de salários de ex-funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Entre as suspeitas, promotores sustentam que o político utilizou dinheiro ilícito em transações imobiliárias.

Em julgamento no último dia 23, os cinco membros da Quinta Turma do STJ julgaram um pedido de habeas corpus da defesa do parlamentar para anular a quebra de sigilo fiscal e bancário dele e de mais cem pessoas e empresas suspeitas de ligação com o caso das “rachadinhas”. João Otávio Noronha abriu voto divergente do relator da ação, o ministro Félix Fischer, e se posicionou favoravelmente ao pedido dos advogados de Flávio.

Seguido por outros três ministros do colegiado, o voto de Noronha prevaleceu e duas decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, proferidas em abril e junho de 2019, foram anuladas por falta de fundamentação. Sem a quebra de sigilo, as investigações do MP podem demorar ainda mais a serem concluídas e até voltar à estaca zero.

Na mesma sessão da Quinta Turma, Noronha também concordou com outro pedido da defesa de Flávio, cujo julgamento ainda não foi finalizado. O magistrado vê irregularidades no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que embasa a apuração da promotoria fluminense e acredita que o documento precisaria ser anulado.

Em agosto do ano passado, Noronha concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, e à mulher de Queiroz, Márcia de Oliveira Aguiar. Em junho, os dois haviam sido alvos de ordens de prisão presos, em regime fechado, sob suspeita de tentar obstruir as investigações.

Procurado pelo “JN”, João Otávio Noronha afirmou que desconhece a negociação do imóvel em Brasília e afirmou que a juíza Cláudia Silvia de Andrade não trabalhou em casos relativos a Flávio Bolsonaro. O empresario Juscelino Sarkis disse que a venda da mansão foi feita através de corretores, sem que ele próprio conhecesse previamente o comprador. O empresário também informou que a namorada não esteve envolvida na transação imobiliária.


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