23/04/2024 - Edição 540

Poder

Caos brasileiro afasta investimentos e governadores tentam reduzir danos

Publicado em 05/03/2021 12:00 -

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O socorro aos pobres funcionou, a ajuda às empresas diminuiu o choque e a economia brasileira, no resumo final, encolheu 4,1% em 2020. Foi o pior desempenho anual na série histórica iniciada em 1996. Mas a perda teria sido bem maior sem os gastos federais para o enfrentamento da crise. Bem mais feio, pelo menos à primeira vista, é o balanço de boa parte do mundo rico. Na zona do euro, onde se encontram potências como Alemanha, França e Itália, o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 6,7%. No Reino Unido o tombo foi de 9,9%. No Japão, a terceira maior economia do mundo, a perda foi de 4,8%. Mas é preciso ser cauteloso e evitar a imodéstia nas comparações. 

O Brasil fica em posição nada invejável quando se consideram o desemprego, o potencial de crescimento a partir de 2021, o miserável desempenho da economia nos últimos dez anos, o ritmo da vacinação e a ameaça ainda presente da pandemia. A covid-19 é uma variável muito importante em toda projeção econômica, mas o governo federal, rejeitando o exemplo da maior parte do mundo, ainda menospreza o risco do contágio e das mortes.

Mas a experiência brasileira tem outras singularidades. O inventário de 2020 revela bem mais, no caso do Brasil, que os danos ocasionados pela covid-19 e os benefícios das ações anticrise, iniciadas pelo Banco Central com medidas de estímulo ao crédito. Uma primeira diferença logo se destaca: o PIB no primeiro trimestre foi 2,1% menor que nos três meses finais de 2019. O País já estava em crise, portanto, antes dos primeiros sinais da pandemia. A situação era especialmente grave na indústria. O mau desempenho do setor, perceptível há vários anos, agravou-se a partir de 2019, quando o novo governo deu mais importância ao armamento de civis do que aos dados econômicos imediatos.

O balanço do ano passado confirma também a condição singular da agropecuária e, mais amplamente, do agronegócio. Este segmento, o mais competitivo da economia brasileira, é o principal suporte das contas externas. A agropecuária atravessou a crise com mais firmeza que outros setores e fechou o ano com expansão de 2%. Em contraste, a produção da indústria foi 3,5% menor que em 2019 e a dos serviços encolheu 4,5%.

Com a pandemia, o trabalho em casa tornou-se rotineiro para milhões de pessoas. O recolhimento das famílias afetou os padrões e o volume dos gastos do dia a dia. O desemprego e a redução da renda também produziram efeitos. Por todos esses fatores, a despesa de consumo familiar foi 5,5% menor que em 2019. O grande baque ocorreu em março e abril. A recuperação, iniciada em maio, foi insuficiente para o retorno ao nível do ano anterior. O Brasil, é preciso lembrar, já estava em crise antes da pandemia.

A redução do consumo privado afetou principalmente a indústria de transformação e devastou o setor de serviços. A queda do investimento produtivo também produziu impacto imediato. Combinados todos esses fatores, os efeitos mais negativos ocorreram na construção (-7%), na produção de veículos e de outros equipamentos de transportes, na fabricação de roupas e acessórios e no segmento de máquinas e equipamentos. Pelo menos prosperaram as indústrias de alimentos, produtos farmacêuticos e material de limpeza.

O investimento produtivo, medido como formação bruta de capital fixo, diminuiu 0,8%, mas a relação entre o valor investido e o PIB aumentou de 15,3% para 16,4%, porque a queda do divisor, isto é, do PIB, foi maior. Mas a taxa de 16,4% é muito inferior àquela encontrada em outros países emergentes, igual ou superior a 24%.

Investindo pouco, o Brasil limita seu potencial de crescimento. O setor privado pode investir em máquinas, equipamentos e instalações, mas o resultado desse esforço é diminuído pela pobreza das estradas e de outros componentes da infraestrutura. Privatizações e concessões poderiam ajudar, mas também nisso o governo tem falhado. Empenhado na reeleição, o presidente valoriza inaugurações, mas para inaugurar também convém construir – um detalhe trabalhoso e um tanto complicado.

Custo Bolsonaro

Um vídeo que viralizou nas redes sociais no último dia 4 questiona o "Custo Bolsonaro", ao criticar a atuação do governo nas mais diversas frentes: da economia, com a intervenção na Petrobras e a fuga de investidores, ao enfrentamento da pandemia, com a falta de vacinas e a escalada das mortes por covid-19. A autoria da peça é desconhecida.

O vídeo foi postado pela primeira vez nas redes sociais pelo Instituto ClimaInfo, uma ONG de combate à desinformação sobre mudanças climáticas. "O custo Bolsonaro é o caos no país e o vexame no exterior", diz a peça, compartilhada por políticos e personalidades de várias correntes ideológicas, inclusive pelos presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (Psol). O ministro da Economia, Paulo Guedes, só é citado uma vez na gravação, quando é criticada sua ausência em encontro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

“O custo Bolsonaro é a fuga dos investidores internacionais. E não dá para culpá-los. Pense bem: você confiaria seu dinheiro a essa equipe? Custo Bolsonaro é ter a Damares falando na ONU e Guedes fora da OCDE. É perder a confiança da China por causa do filho do presidente e perder a confiança dos Estados Unidos por causa de mentiras de WhatsApp”, destaca a publicação. "Custo Bolsonaro é ver o Queiroz mais protegido que a indústria nacional", prossegue a campanha ao citar o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), acusado de operar um esquema de rachadinha para o filho mais velho do presidente.

A ONG informou nas redes sociais que divulgou o vídeo por compartilhar do mesmo inconformismo de seus autores, cuja identidade não será revelada. Segundo a entidade, os responsáveis pela peça não têm vínculo com partido político ou candidatos. "Os autores preferem manter seus nomes privados. Primeiro porque o foco deve ser na mensagem, no alerta. Segundo porque todos podem ver e sentir a atmosfera autoritária imposta por um governo que mobiliza o Estado e as redes para perseguir seus críticos."

Investidores internacionais somem da agenda do governo Bolsonaro

Constatação de um importante auxiliar do Planalto que conhece o andar da política de concessões no governo. A agenda de conversas para apresentação de projetos a grandes investidores internacionais minguou.

Nas últimas semanas, Rogério Marinho até teve contatos com árabes para tratar das oportunidades na sua área de saneamento, mas outros balcões conhecidos e movimentados do governo, como o ministério de Tarcísio de Freitas, a coisa anda bem mais calma.

A postura intervencionista de Jair Bolsonaro a instabilidade na base do governo, que vira e mexe ataca a democracia, não ajudam a mudar esse cenário.

Aos poucos, desmorona o mito de um governo neoliberal no Brasil

O mercado de capitais do Brasil atravessa semanas turbulentas. Em meados de fevereiro, a Petrobras perdeu mais de 20% de seu valor de mercado de um dia para o outro. Dias depois, o valor da Eletrobras, também semiestatal, chegou a ficar 30% maior.

A turbulência foi desencadeada pelo presidente Jair Bolsonaro: em 19 de fevereiro, ele anunciou que colocaria um general no comando da Petrobras, o que derrubou as ações da gigante petrolífera. Quatro dias depois, ele apresentou ao Congresso o decreto de privatização da Eletrobras, uma medida há muito tempo esperada e que acabou alimentando o interesse de investidores de curto prazo.

Desde meados de fevereiro, a Bovespa, principal índice do mercado acionário do país, caiu 8%. Ao mesmo tempo, o real perdeu mais de 5% de seu valor em relação ao dólar e ao euro.

"Este é um sinal de que investidores estrangeiros retiraram capital do Brasil", explica o economista Federico Foders, do Instituto para a Economia Mundial (IfW) de Kiel, na Alemanha.

Mesmo assinando, no fim do mês, uma lei com o objetivo de fortalecer a independência do Banco Central, Bolsonaro não conseguiu evitar a perda de confiança dos investidores

A clientela de Bolsonaro não é mais a mesma

Com uma política econômica inconsistente, Bolsonaro parece estar tentando agradar a seus antigos e novos apoiadores ao mesmo tempo.

Na campanha eleitoral, ele conseguiu o apoio das elites econômicas com um programa econômico liberal que incluía a privatização de empresas estatais.

Ele deu credibilidade ao plano ao nomear Paulo Guedes como ministro da Economia, um economista da Universidade de Chicago, berço do neoliberalismo. Isso contribuiu significativamente para sua vitória eleitoral.

Mas à medida que a crise do coronavírus se acirrou, Bolsonaro caminhou cada vez mais em direção ao intervencionismo econômico. Ele conseguiu elevar a taxa de aprovação ao governo e sua popularidade com medidas como o auxílio emergencial.

"De olho nas eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro não está mais buscando o apoio das elites ricas, mas dos pobres e dos conservadores fora das grandes cidades", diz o cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Estratégias contraditórias

Para ter as classes de renda baixa e média a seu lado, Bolsonaro tenta controlar a alta nos preços da energia elétrica e do combustível. Mas, paradoxalmente, ele está tomando medidas contraditórias para isso.

Primeiro, exigiu que a Petrobras baixasse os preços do petróleo para o Brasil. Quando o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, se recusou, citando preços mais altos no mercado internacional, Bolsonaro decidiu substituí-lo pelo ex-ministro da Defesa Joaquim Luna e Silva.

Ao mesmo tempo, a fim de baixar o preço da eletricidade, ele parece querer expor a maior empresa de eletricidade do país, a Eletrobras, à concorrência. Mas, não somente por causa desta contradição, comenta Stuenkel, há motivos para desconfiar dos planos de privatização de Bolsonaro.

"A probabilidade de que um projeto tão grande seja implementado em tempos eleitorais é próxima de zero – especialmente porque a privatização é vista com bastante ceticismo pela maioria dos brasileiros", diz o cientista político.

Corrupção endêmica

Na verdade, mesmo o próprio Bolsonaro não tem qualquer interesse em privatizar uma empresa estatal como a Eletrobras, diz Stuenkel: "Como militar, Bolsonaro é um intervencionista que quer controlar empresas estratégicas", completa.

Além disso, explica ele, as empresas estatais são vistas pelas elites políticas brasileiras como um bufê, onde cargos atraentes são servidos aos aliados ou o dinheiro é direcionado para seus bolsos. Por exemplo, o dinheiro do escândalo de corrupção multibilionário descoberto pela Lava Jato, que implicou centenas de políticos e empresários brasileiros, veio das receitas da Petrobras. E críticos também veem a Eletrobras mais como um aparelho de financiamento de partidos do que como uma empresa de eletricidade.

"Bolsonaro estaria entregando um instrumento de corrupção ao privatizar a Eletrobras", diz Stuenkel. "E isso não seria de seu interesse." Isso é ainda mais verdade, acrescenta, porque Bolsonaro depende para seus projetos da aprovação dos deputados do Centrão, um grupo de parlamentares do espectro de centro-direita que costumam trocar seu apoio político por cargos ou outros benefícios.

Guedes enfraquecido

O economista Foders vê outra possibilidade de forjar alianças com empresas estatais: "Vimos na vizinha Argentina como o presidente Menem confiou as empresas estatais a seus aliados políticos."

Os dois especialistas concordam que Bolsonaro dificilmente deve estar realmente preocupado com uma política econômica liberal. Bolsonaro, diz Stuenkel, não ouve Guedes há muito tempo, portanto a única questão no Brasil é realmente quando, e não se, Bolsonaro vai demiti-lo.

Nesse sentido, a privatização da Eletrobras e a lei de independência do Banco Central são vistas mais como táticas para desviar atenção: tanto do abandono de uma agenda neoliberal como da incapacidade do governo de conter a pandemia.


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