19/03/2024 - Edição 540

Brasil

A deterioração da educação básica

Publicado em 04/03/2021 12:00 -

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No mundo inteiro a pandemia precipitou uma crise sem precedentes na educação. O apagão acarretou perdas expressivas de aprendizagem, aumentou as desigualdades e ampliou os riscos de evasão escolar. Mas, por causa da assombrosa desídia do governo federal, a educação no Brasil vive uma crise dentro da crise. Ou melhor: já vivia uma crise endógena que foi agravada por uma crise exógena.

A mera dança das cadeiras no MEC é sintoma suficiente dessa incúria. Antes do atual ministro, Milton Ribeiro, que desde julho não mostrou a que veio, a pasta foi comandada três meses pelo inoperante Vélez Rodríguez; depois um ano e dois meses por Abraham Weintraub, que nada mais fez que reduzir o MEC a uma casamata para guerrilheiros culturais bolsonaristas; e alguns dias por Carlos Decotelli, que se notabilizou pelas fraudes em seu currículo acadêmico.

“Com relação ao MEC, além da ausência de coordenação nacional, cuja responsabilidade é do governo federal, o ano de 2020 reforçou a imagem de um ministério sem capacidade de liderança e com sérios problemas de gestão”, concluiu um balanço do instituto Todos Pela Educação. Nada ilustra mais essa inépcia que o desempenho na educação básica. Reiteradas vezes, até colidirem com a lei, o presidente Jair Bolsonaro e seu sabujo Abraham Weintraub ameaçaram sabotar o ensino universitário – em especial as Humanidades –, sob o pretexto de priorizar a educação básica. Se esse antagonismo espúrio entre ensino básico e superior já não demonstrasse uma concepção suficientemente tacanha da educação, o balanço prova que ela é também hipócrita. A educação básica encerrou o ano de 2020 com o menor orçamento e a menor execução da década.

A contração não pode ser atribuída exclusivamente à crise. Entre 2010 e 2018 (incluindo, portanto, os anos de recessão), a dotação anual média para a educação básica foi de R$ 52,2 bilhões. Nos dois anos de Bolsonaro, foi de R$ 45,2 bilhões. O desempenho da educação básica em 2020, tanto na comparação com outras etapas quanto com anos anteriores, foi muito aquém do esperado: dentre todas as etapas, as despesas discricionárias com o ensino básico obtiveram a menor taxa de pagamento (47%); a dotação das emendas parlamentares acumulou redução de 40%; e, das despesas obrigatórias, 81% foram executados, ante 86% em 2019, 95% em 2018 e 92% em 2017.

Em razão da baixa execução orçamentária iniciada no primeiro ano do governo, 2020 foi marcado pelo financiamento excessivo de restos a pagar, dificultando a execução subnacional pela falta de previsibilidade dos recursos recebidos.

A “síntese da pasta”, segundo o Todos Pela Educação, é de “inação, baixa execução orçamentária e fragilidades na governança e na pactuação com Estados e municípios, trazendo prejuízos incalculáveis a curto, médio e longo prazos para a melhoria da qualidade da educação básica”.

Além da anomia na provisão do ensino remoto e no planejamento do retorno às aulas, o governo federal ainda vetou trechos da MP 934/20 que previam o repasse de recursos da merenda diretamente aos pais e deixou à deriva reformas como a implementação da Base Nacional Curricular Comum, o Novo Ensino Médio e medidas voltadas à profissionalização de carreira e formação docente. Numa lista de 34 prioridades apresentadas pelo governo ao Congresso, apenas uma diz respeito à educação, tratando da pauta absolutamente irrelevante da regulamentação do homeschooling.

O quadro em 2020 só não foi pior por causa da ação de prefeituras, governos estaduais, entidades representativas e do Congresso, responsáveis por avanços importantes, como a aprovação do Novo Fundeb.

Se, no campo educacional, um voto de confiança no início da gestão Bolsonaro era uma ingenuidade culposa, condescender dois anos depois com essa ilusão já caracteriza uma atitude dolosa. Mais do que nunca, garantir o avanço da educação – ou, ao menos, conter a sua deterioração – dependerá do protagonismo enérgico da sociedade civil, dos governos subnacionais e principalmente do Congresso.

Esperança

Em tempos de descrédito à ciência e à educação, uma menina de 12 anos emociona o Brasil ao montar uma escolinha para crianças de comunidade carente no interior do Maranhão.

Logo no início da pandemia, as escolas foram fechadas e migraram para as telas de computador com acesso a aulas remotas. Essa nova realidade, no entanto, não alcança as crianças atendidas pela “Escolinha da Esperança”, criada por Érica Leal no município de Coelho Neto (MA), distante quase 400km da capital São Luís.

Três a cada dez crianças em idade escolar não têm acesso ao ensino remoto no Brasil, revelam dados do relatório “A acessibilidade do aprendizado remoto”, publicado em agosto de 2020 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Diante dessas dificuldades, a menina passou a coletar tudo o que poderia servir de material. Livros usados, móveis e restos de lápis doados pela comunidade e outros recolhidos pela mãe e a irmã no lixão, que também cederam um barracão com paredes de barro e piso de terra batida.

Com um cartaz na porta escrito à mão, a “Escolinha da Esperança” virou uma brincadeira de gente grande. A menina recebia 23 crianças de 12 famílias da comunidade, entre parentes e vizinhos.

“Pensei em criar a escolinha porque vi que muitas crianças estavam sem ter aulas, vi que meus colegas estavam tristes (…) eu pedi livros para a tia Ivonete, para a tia Galega, para a Cristiane Bacelar e a gente foi montando a escolinha aos poucos”, conta Érica Leal.

O caso chamou atenção quando a jornalista de Teresina (PI) Neyara Pinheiro divulgou um vídeo (acima) em seu canal e compartilhou com colegas de profissão. A repercussão provocou a ação de órgãos das esferas federal, estadual e municipal, além de uma vaquinha online que já arrecadou mais de R$ 150 mil.

"Muitas pessoas se mostraram sensíveis, pessoas doando, então eu fico muito grata por isso; em relação à mobilização de pessoas, tanto da esfera federal, como estadual e municipal. Espero que essa ajuda de fato chegue à comunidade e que esse dinheiro da vaquinha possa ajudar a família da Érica, dar uma qualidade de vida na moradia da Érica e também possa ajudar de alguma forma as outras crianças"

Uma equipe do governo do estado visitou a família de Érica e o secretário de Estado da Educação (Seduc), Felipe Camarão, anunciou a construção de uma Escola Digna no local, além da retomada das obras do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA) de Coelho Neto e o lançamento do programa Cheque Minha Casa, que vai beneficiar 200 famílias da região.

"A história dela inspirou. Nós iremos implantar o programa Escola Digna na comunidade dela, em parceria com a Prefeitura. Um espaço lúdico, de leitura, com sala de aula, para que ela possa continuar desenvolvendo isso que é uma vocação, que é um sonho (…) e com isso garantir salas de aula, espaços dignos, para que todos possam ter acesso à educação de qualidade", explica Camarão.

Outro órgão que visitou o local e anunciou atuar em defesa da família de Érica e da comunidade foi a Defensoria Pública do Estado (DPE/MA). O defensor público Thyago Rodrigues fez uma visita visando entender a realidade da comunidade e somar esforços mútuos na garantia de políticas públicas e melhorias estruturais para resguardar direitos e gerar dignidade à família e à população.

A Prefeitura de Coelho Neto derrubou as edificações de taipa e está construindo uma casa de alvenaria para a família e outra onde funcionava a escolinha. Após visita às obras, o Ministério Público Estadual (MP/MA) abriu um processo administrativo para apurar a situação das crianças em idade escolar e a oferta de ensino público naquela comunidade, além de acompanhar se as obras atenderão as demandas da comunidade. 

A vaquinha online segue arrecadando recursos, com uma meta de alcançar R$ 300 mil a serem destinados a uma conta específica gerida pelo Rotary Club de Coelho Neto, encarregado de aplicar as doações em benefício da comunidade.


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