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Publicado em 19/12/2014 12:00 -
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A saúde e a educação são as duas principais bandeiras do regime cubano. São também o principal argumento de quem insiste que uma ditadura totalitária pode ter seus méritos. É lugar comum em um debate sobre Cuba ouvirmos como resposta às denúncias de falta de liberdade na ilha argumentos como este: “Mas… a saúde e a educação são maravilhosas”.
De fato, o regime dos Castro melhorou alguns aspectos nestas importantes áreas, mas há uma imensa lacuna entre este fato e a propagada transformação que o governo cubano diz ter ocorrido após a revolução de 59. O blogueiro Fernando Dámaso, que há menos de dois anos edita o blog Mermelada no portal Desdecuba, tem se dedicado a desmistificar alguns destes aspectos. “Minha preocupação é resgatar a história politicamente manipulada, distorcida”, explica.
Segundo o blogueiro – que foi publicitário e militar e agora dedica-se a expor a realidade cubana na internet – Cuba já ocupava na década de 50 os primeiros lugares em quantidade de médicos, leitos de hospital e baixos índices de mortalidade infantil. “Não era perfeito, havia muito o que melhorar, mas já estavávamos no 2º ou no 3º lugar no ranking dos países ibero-americanos nestes quesitos”.
“Naquela época”, continua Fernando, “muitos hospitais estavam equipados com o que havia de mais avançado em termos tecnológicos. Hoje esses hospitais estão em condições muito piores”. Para Fernando, a propagada excelência na saúde é um mito: “A saúde não é grátis, nunca foi. O salário que deixamos de reivindicar é o que financia o que há de saúde. É um mito”, opina.
“Existe uma fila imensa de pessoas esperando para serem operadas. Muitos morrem por falta de medicamento adequado para fazer transplante. Temos amigos que estão há 18 anos fazendo hemodiálise e não se transplantam porque não tem coragem de operar, pois conhecem os fracassos. Todos que aqui fazem cirurgias são contaminados por hepatite B, pois os equipamentos são contaminados. Quem pode recebe agulhas, luvas e medicação de parentes que vivem fora”, afirma.
Educação
Fernando e os demais blogueiros que compõem o portal Desdecuba também denunciam os exageros relacionados a excelência da educação. Ele garante que o ensino oferecido antes da revolução era de melhor qualidade. “Nossa educação hoje é péssima. O aluno sai sem ortografia, sem cultura nenhuma, não sabe ler e escrever corretamente”.
Remexendo suas lembranças e experiências Fernando afirma que a qualidade do ensino começou a degringolar quando, na década de 60, o governo concluiu que os professores formados antes da revolução não podiam educar os filhos da revolução, pois eram burgueses. “Obrigaram todos os professores com mais de 25 anos a se aposentarem. Houve quem se aposentasse na plenitude de sua profissão. Começaram a suprir a falta de professores com camponeses. Professores instantâneos, preparados em seis meses”.
100% de aprovação
Nos anos 70 e 80 a qualidade do ensino melhorou (com o apoio financeiro do leste europeu), para desabar novamente junto com o comunismo. A estratégia do governo, hoje, segundo Fernando é a de forçar os professores a aprovarem seus alunos: “Os alunos não repetem o ano, pois se avalia o professor pelo rendimento do aluno. E esta política não é de hoje, vem desde o início da revolução. Há uma obrigação de aprovar 100% dos alunos, quando sabemos que em uma escola com 500 alunos há os medianos, os bons e os ruins”.
Como todas as profissões cubanas que não tem ligação com o turismo (e em consequência com a possibilidade de receber gorjetas em moeda forte), o magistério também é muito mal remunerado. Na década de 1940, afirma Fernando, todos os professores cubanos eram contratados pelo Ministério da Educação, possuíam titulação e tinham que começar a profissão no campo. “Tinham uma boa posição econômica, os professores eram de classe média alta. Com um salário das férias podiam passar três meses em Nova Iorque, Miami, México. Hoje com o que ganham mal podem tomar banho com sabonete todos os dias”.
Segundo o blogueiro, tanto na saúde quanto na educação a revolução partiu de sistemas que já funcionavam. O crescimento, segundo Fernando, se deu de forma natural para uma sociedade que era composta por 100 mil habitantes e que hoje atinge os 11 milhões: “Tudo se desenvolveu, mas há muita propaganda. O Estado tem o monopólio da informação e é ele quem divulga os índices de analfabetismo, mortalidade infantil, mas não são dados confiáveis”, assegura.
Os números mentem?
Segundo os números propagados oficialmente Cuba tem sistemas invejáveis de educação e saúde, com índices de eficiência dignos de país desenvolvido. Quase não há analfabetos na ilha, enquanto o número de professores, médicos e leitos de hospital por habitante é o maior da América Latina. No entanto, números da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Unesco mostram que Fernando tem razão em alguns aspectos. De acordo com estes estudos Cuba já apresentava bons indicadores de desenvolvimento social e humano antes de Fidel chegar ao poder.
A revolução teve efeito positivo sobre alguns desses indicadores. O número de médicos e dentistas, por exemplo, era de 128 para cada 100 mil habitantes em 1957 (3º melhor índice da América Latina). Hoje, é de 680 (1º lugar entre os países latino-americanos). Nos últimos 50 anos, o país multiplicou por cinco o número de profissionais de saúde. O problema tem sido a exportação dos profissionais mais capacitados para trabalhar no exterior e o mercado negro de remédios que viceja no sistema.
Na educação os números são positivos, mas estão longe de retratar a revolução propagada pelo regime. Cuba é o país com maior índice de alfabetização do continente. O ensino é gratuito até o nível superior. Em compensação, segue a cartilha do Partido Comunista, que vê cada aluno como futuro soldado da revolução. Em 1957 o nível de alfabetizados era de 76% (3º lugar na América Latina), hoje atinge os 99,8% (1º lugar na América Latina).
Proporcionalmente, o investimento na educação caiu para menos da metade em 50 anos de revolução. Ainda assim, Cuba manteve-se em 1º lugar no ranking latino-americano de países que mais aplicam dinheiro público no setor da educação. Em 1957 o percentual do PIB investido no setor era de 23% (1º na América Latina). Hoje o país mantém a posição com um investimento de 10% do PIB.
O avanço no que se refere ao combate á mortalidade infantil foi enorme – com redução de 82%. Mas isso ocorreu em quase todos os países do mundo. No ranking internacional, os cubanos caíram 30 posições da década de 1950 para cá. Estavam na 13º no mundo e hoje estão em 43º (de 1950 para cá eles se mantém no 1º na América Latina).
Por outro lado, algumas estatísticas são francamente desfavoráveis. Em 1957, por exemplo, o consumo diário de calorias por cubano era o 3º maior da América Latina (2.730 calorias/dia). Passadas cinco décadas de regime comunista, Cuba agora está em 11º lugar com o consumo de 2.291 calorias/dia. Para os defensores do regime, a alimentação piorou nas últimas cinco décadas por culpa do embargo econômico. Mas para os críticos o verdadeiro problema é outro: ineficiência crônica da agricultura.
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