Mundo
Publicado em 19/12/2014 12:00 -
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
O embargo dos Estados Unidos sobre Cuba completou 50 anos no último dia 3 de fevereiro sem perspectivas de chegar ao fim. Segundo Havana, até 2010 as perdas relacionadas a ele superavam os US$ 104 bilhões, mais que o triplo do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
A medida, originalmente uma represália legal às nacionalizações de propriedades dos EUA logo após a chegada de Fidel Castro ao poder vem sendo condenada sistematicamente pela ONU desde 1992. A última condenação, de 2011, teve 186 votos a favor, dois contra (Estados Unidos e Israel) e três abstenções (Ilhas Marshall, Micronésia e Palau).
De fato, o embargo é muito prejudicial à economia da ilha. Só na exportação de açúcar e tabaco (charutos) para os EUA desde 1962 o país deixou de ganhar US 116,9 milhões. US$ 264,64 milhões é o cálculo do prejuízo advindo da proibição do turismo americano. Além disso, calcula-se entre US$ 216 milhões a US$ 416 milhões por ano o aumento estimado na receita de exportações americanas se o país pudesse comercializar livremente com Cuba.
No entanto o embargo – e suas consequências nefastas para o povo cubano – não é o único vilão nesta história. Cinquenta anos de centralização econômica e de destruição do poder de iniciativa dos cubanos é o grande entrave ao desenvolvimento do país.
Colocar a culpa por todas as mazelas nacionais no bloqueio é um esporte nacional. Leandro Munhoz, por exemplo, reclama ao volante de seu Coco Taxi (uma espécie de riquixá motorizado): “O bloqueio é terrível. Nos prejudica muito. É uma tentativa imperialista de nos dominar. Mas vamos seguindo, com todas as dificuldades”. O discurso de Leandro, que tem 25 anos e amealha cerca de 50 dólares por mês guiando o Coco Taxi pela ilha 12 horas por dia – é similar ao da maioria dos cubanos arguidos sobre o tema.
“Não fosse o bloqueio nossa situação seria muito melhor”, aponta Túlio, um taxista empreendedor. A mesma opinião tem Abdel, um garçom que atua em um restaurante luxuoso no balneário turístico de Varadero: “Sem o bloqueio as nossas condições econômicas estariam muito melhores. Muitas coisas o governo não pode fazer devido aos problemas causados por esta agressão dos Estados Unidos”, afirma.
Feitiço contra o Feiticeiro
O bloqueio é um rebotalho da Guerra Fria que fez apenas uma vítima: o povo cubano. O regime, a quem a iniciativa pretendia atingir, aprendeu usar a arma do inimigo. O feitiço contra o feiticeiro. O economista e dissidente cubano Oscar Espinosa Chepe explica: “O embargo serviu como álibi, justificativa, para o desastre nacional, que não é produto do embargo, e sim da má condução da economia. Não há justificativa para sua manutenção. O embargo era para causar dano ao regime, mas beneficiou o totalitarismo em Cuba”, afirma.
Os malefícios do embargo servem, ainda, para uma estratégia maquiavélica do totalitarismo cubano que vende a ideia de que os dissidentes que lutam por liberdade de expressão – entre outras “ninharias pequeno-burguesas” – apoiam a ação dos Estados Unidos. Para a blogueira dissidente Yoani Sánchez, o assunto tem sido manipulado à exaustão pela imprensa estatal. “O prolongamento por cinco décadas do bloqueio tem permitido que cada descalabro que temos padecido seja explicado a partir dele, justificado com seus efeitos. O cerco econômico tem contribuído para alimentar a ideia de praça sitiada, onde dissentir equipara-se a um ato de traição. O bloqueio externo fortaleceu desse modo, o bloqueio interno. O governo não reconhece, sequer, que entre os que discordam do sistema muitos se opõem, também, as restrições comerciais dos Estados Unidos à Ilha. No Granma se dá por certo que os que exigem uma abertura política aplaudem ipso facto a existência do embargo”, afirma.
Esta estratégia totalitária encontra eco no Brasil, em especial entre os socialistas autoritários que elegeram Cuba como o sétimo céu de uma ideologia que só prospera pela força. Uma síntese deste pensamento amedrontador pode ser visto nas palavras do sociólogo Emir Sader, em recente artigo publicado na revista Carta Capital. Diz ele: “Aqueles que se preocupam com o sistema politico interno de Cuba, tem que olhar não para Havana, mas para Washington. Ninguém pode pedir a Cuba relaxar seus mecanismos de segurança interna, sendo vítima do bloqueio e das agressões da mais violenta potência imperial da história da humanidade. A pressão tem que se voltar e se concentrar sobre o governo dos EUA, para o fim do bloqueio, a retirada da base naval de Guantanamo do território cubano e a normalização da relação entre os dois países”.
Ou seja: a agressão estadunidense justifica o totalitarismo…
Confira os demais artigos do Especial Cuba
Um olhar crítico e amoroso sobre a ilha dos Castro
Túlio: O Empreendedor – Quando a vontade de crescer esbarra na ideologia
Orcília: A Pedinte – A homogeneização da pobreza na Cuba igualitária
Danilo: o Músico – A alma de Cuba ainda repousa na boa música que embala a ilha
Mensagem na Garrafa – A blogueira Regina Coyula explica o fenômeno dos blogs cubanos
Números no Lugar – O blogueiro Fernando Dámaso fala sobre saúde e educação em Cuba
Imprensa Agrilhoada – Rebeca Monzo fala de jornalismo em Cuba
Deixe um comentário