29/03/2024 - Edição 540

Mundo

Leandro e seu Coco Taxi

Publicado em 19/12/2014 12:00 -

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O em­bargo dos Es­tados Unidos sobre Cuba com­pletou 50 anos no úl­timo dia 3 de fe­ve­reiro sem pers­pec­tivas de chegar ao fim. Se­gundo Ha­vana, até 2010 as perdas re­la­ci­o­nadas a ele su­pe­ravam os US$ 104 bi­lhões, mais que o triplo do Pro­duto In­terno Bruto (PIB) do país.

A me­dida, ori­gi­nal­mente uma re­pre­sália legal às na­ci­o­na­li­za­ções de pro­pri­e­dades dos EUA logo após a che­gada de Fidel Castro ao poder vem sendo con­de­nada sis­te­ma­ti­ca­mente pela ONU desde 1992. A úl­tima con­de­nação, de 2011, teve 186 votos a favor, dois contra (Es­tados Unidos e Is­rael) e três abs­ten­ções (Ilhas Marshall, Mi­cro­nésia e Palau).

De fato, o em­bargo é muito pre­ju­di­cial à eco­nomia da ilha. Só na ex­por­tação de açúcar e ta­baco (cha­rutos) para os EUA desde 1962 o país deixou de ga­nhar US 116,9 mi­lhões. US$ 264,64 mi­lhões é o cál­culo do pre­juízo ad­vindo da proi­bição do tu­rismo ame­ri­cano. Além disso, cal­cula-se entre US$ 216 mi­lhões a US$ 416 mi­lhões por ano o au­mento es­ti­mado na re­ceita de ex­por­ta­ções ame­ri­canas se o país pu­desse co­mer­ci­a­lizar li­vre­mente com Cuba.

No en­tanto o em­bargo – e suas con­sequên­cias ne­fastas para o povo cu­bano – não é o único vilão nesta his­tória. Cin­quenta anos de cen­tra­li­zação econô­mica e de des­truição do poder de ini­ci­a­tiva dos cu­banos é o grande en­trave ao de­sen­vol­vi­mento do país.

Co­locar a culpa por todas as ma­zelas na­ci­o­nais no blo­queio é um es­porte na­ci­onal. Le­andro Mu­nhoz, por exemplo, re­clama ao vo­lante de seu Coco Taxi (uma es­pécie de ri­quixá mo­to­ri­zado): “O blo­queio é ter­rível. Nos pre­ju­dica muito. É uma ten­ta­tiva im­pe­ri­a­lista de  nos do­minar. Mas vamos se­guindo, com todas as di­fi­cul­dades”. O dis­curso de Le­andro, que tem 25 anos e ame­alha cerca de 50 dó­lares por mês gui­ando o Coco Taxi pela ilha 12 horas por dia – é si­milar ao da mai­oria dos cu­banos ar­guidos sobre o tema.

“Não fosse o bloqueio nossa situação seria muito melhor”, aponta Túlio, um taxista empreendedor. A mesma opinião tem Abdel, um garçom que atua em um restaurante luxuoso no balneário turístico de Varadero: “Sem o bloqueio as nossas condições econômicas estariam muito melhores. Muitas coisas o governo não pode fazer devido aos problemas causados por esta agressão dos Estados Unidos”, afirma.

Feitiço contra o Feiticeiro

O blo­queio é um re­bo­talho da Guerra Fria que fez apenas uma ví­tima: o povo cu­bano. O re­gime, a quem a ini­ci­a­tiva pre­tendia atingir, aprendeu usar a arma do ini­migo. O fei­tiço contra o fei­ti­ceiro. O eco­no­mista e dis­si­dente cu­bano Oscar Es­pi­nosa Chepe ex­plica: “O em­bargo serviu como álibi, jus­ti­fi­ca­tiva, para o de­sastre na­ci­onal, que não é pro­duto do em­bargo, e sim da má con­dução da eco­nomia. Não  há jus­ti­fi­ca­tiva para sua ma­nu­tenção. O em­bargo era para causar dano ao re­gime, mas be­ne­fi­ciou o to­ta­li­ta­rismo em Cuba”, afirma.

Os ma­le­fí­cios do em­bargo servem, ainda, para uma es­tra­tégia ma­qui­a­vé­lica do to­ta­li­ta­rismo cu­bano que vende a ideia de que os dis­si­dentes que lutam por li­ber­dade de ex­pressão – entre ou­tras “ni­nha­rias pe­queno-bur­guesas” – apoiam a ação dos Es­tados Unidos. Para a blo­gueira dis­si­dente Yoani Sán­chez, o as­sunto tem sido ma­ni­pu­lado à exaustão pela im­prensa es­tatal. “O pro­lon­ga­mento por cinco dé­cadas do blo­queio tem per­mi­tido que cada des­ca­labro que temos pa­de­cido seja ex­pli­cado a partir dele, jus­ti­fi­cado com seus efeitos. O cerco econô­mico tem con­tri­buído para ali­mentar a ideia de praça si­tiada, onde dis­sentir equi­para-se a um ato de traição. O blo­queio ex­terno for­ta­leceu desse modo, o blo­queio in­terno. O go­verno não re­co­nhece, se­quer, que entre os que dis­cordam do sis­tema muitos se opõem, também, as res­tri­ções co­mer­ciais dos Es­tados Unidos à Ilha. No Granma se dá por certo que os que exigem uma aber­tura po­lí­tica aplaudem ipso facto a exis­tência do em­bargo”, afirma.

Esta es­tra­tégia to­ta­li­tária en­contra eco no Brasil, em es­pe­cial entre os so­ci­a­listas au­to­ri­tá­rios que ele­geram Cuba como o sé­timo céu de uma ide­o­logia que só pros­pera pela força. Uma sín­tese deste pen­sa­mento ame­dron­tador pode ser visto nas pa­la­vras do so­ció­logo Emir Sader, em re­cente ar­tigo pu­bli­cado na re­vista Carta Ca­pital. Diz ele: “Aqueles que se pre­o­cupam com o sis­tema po­li­tico in­terno de Cuba, tem que olhar não para Ha­vana, mas para Washington. Nin­guém pode pedir a Cuba re­laxar seus me­ca­nismos de se­gu­rança in­terna, sendo ví­tima do blo­queio e das agres­sões da mais vi­o­lenta po­tência im­pe­rial da his­tória da hu­ma­ni­dade. A pressão tem que se voltar e se con­cen­trar sobre o go­verno dos EUA, para o fim do blo­queio, a re­ti­rada da base naval de Guan­ta­namo do ter­ri­tório cu­bano e a nor­ma­li­zação da re­lação entre os dois países”.

Ou seja: a agressão es­ta­du­ni­dense jus­ti­fica o to­ta­li­ta­rismo…

Confira os demais artigos do Especial Cuba

Um olhar crítico e amoroso sobre a ilha dos Castro

Túlio: O Empreendedor – Quando a vontade de crescer esbarra na ideologia

Orcília: A Pedinte – A homogeneização da pobreza na Cuba igualitária

Danilo: o Músico – A alma de Cuba ainda repousa na boa música que embala a ilha

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Mensagem na Garrafa – A blogueira Regina Coyula explica o fenômeno dos blogs cubanos

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Vivendo o totalitarismo – A historiadora e antropóloga Miriam Celaya fala sobre a vida cotidiana em Cuba


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