19/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro se lambuza no discurso populista de direita de olho em 2022

Publicado em 26/02/2021 12:00 -

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Desde a mão peluda de Bolsonaro na Petrobras, muitos têm feito uma comparação entre o ex-capitão e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – que também interferiu nos preços dos combustíveis e da eletricidade. Dizer que ele está assumindo um comportamento de esquerda, contudo, é ótimo para farialimers fazerem memes, mas péssimo para um debate saudável sobre o buraco em que ele está nos metendo.

O que temos, na verdade, é um presidente que flerta com um discurso populista de direita para agradar determinados grupos sociais que ele vê como fundamentais para seu projeto de poder, mas que continua achando o combate às desigualdades estruturais o ó do borogodó.

"Uma estatal, seja ela qual for, tem que ter sua visão de social. Não podemos admitir uma estatal e um presidente que não tenha essa visão", disse ele em cerimônia sobre o sistema elétrico de Furnas em Foz do Iguaçu (PR), futucando a Petrobras.

Na verdade, qualquer empresa deve se atentar para boas práticas ambientais, sociais e de governança, atuando para melhorar a qualidade de vida da sociedade. Não é mais admissível que uma empresa passe por cima de qualquer coisa pelo lucro de seus acionistas. Grandes investidores se preocupam com isso – e exigem mudanças de comportamento para continuarem colocando seu dinheiro.

A questão é que o "social" de Bolsonaro significa socializar empresas estatais ou de economia mista, usando-as em prol de seus interesses eleitorais.

Jair Messias tenta falar diretamente à massa, vendendo-se como alguém que luta contra o "sistema" para proteger "homens e mulheres de bem". Vende suas ações como expressão da vontade popular, quando são, na verdade, indicadores de auto-sobrevivência familiar.

Aliás, o julgamento no Superior Tribunal de Justiça que anulou quebras de sigilo bancário e fiscal de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em meio ao escândalo das "rachadinhas", é prova que se Jair usasse sua capacidade de articulação para o bem, a covid não teria matado tanta gente.

O presidente quer passar a imagem de que está fazendo o que for preciso para baixar o preço da gasolina e do diesel, reduzir a conta de eletricidade e derrubar tarifas bancárias e juros ao consumidor. As pautas são justas, mas ele faz isso de forma torta, no gogó, na canetada, na ombrada, e não no diálogo e na construção.

E foca em uma noção de cidadania que se limita à relação dos brasileiros com o consumo e não com serviços públicos de qualidade. Se ele se preocupasse com serviços públicos de qualidade não deixaria seu ministro da Economia tentar enfiar goela abaixo do Congresso Nacional o fim da obrigatoriedade dos gastos mínimos em educação e saúde. E caso se importasse de verdade com os brasileiros, teria um projeto para a geração de empregos de qualidade.

Bolsonaro começou sua carreira como representante de interesses de soldados, cabos e sargentos e carregou, na maior parte de suas três décadas como parlamentar, um discurso nacionalista e estatista. Só não viu quem não quis.

Ele, contudo, não dá uma banana para o mercado, entregando uns engana-que-eu-gosto, na forma de promessas vazias sobre a Eletrobrás, por exemplo, toda vez que é criticado pela tal mão peluda para agradar um dos grupos de sua base. Parte do mercado, que acha que "social" é roupa de balada, se acalma e abana o rabo.

Foi com o discurso populista que conquistou os corações e mentes do bolsonarismo-raiz, núcleo duro do culto à sua pessoa. O grupo está com ele muito antes do lavajatismo-morista, do mercado-oportunista e do militarismo-golpista.

Durante a pandemia, a adoção do terraplanismo pandêmico levou Jair Messias a ser abandonado por uma parcela das classes média e alta que o elegeram. Com isso, trocou parte da base como uma jararaca troca de pele. A popularidade trazida pelo auxílio emergencial fez com que ganhasse terreno entre quem ganha até três salários mínimos.

Torce, por isso, para que o benefício seja renovado logo. Quem acreditou no seu teatrinho de que não iria renovar o (necessário) auxílio em nome da responsabilidade fiscal também devia ver no cigano Igor uma grande interpretação.

Desde então, ele tem feito um périplo pela região Nordeste ao lado de representantes do centrão para tentar abocanhar uma parte do lulismo. No dia 19, foi ao sertão pernambucano para testes de um ramal da transposição do rio São Francisco que só será inaugurado, veja só, no meio do ano. Traduzindo: foi tirar foto com a água correndo pelo Semiárido para capitalizar sobre uma obra que começou no governo petista visando a sua reeleição. "Água é vida para esse povo sofrido. Isso é mais do que ganhar na Mega-Sena. Água não tem preço", disse não em português, mas em populismo puro.

Enquanto ministros como Damares Alves e Ernesto Araújo reafirmam cotidianamente um discurso moralista com apelo religioso, outra marca do populismo de direita, apresentando Jair como Messias, ele libera armas e munições em quantidade suficiente para milícias montarem arsenais.

Mesmo com militares e policiais, principalmente praças, líderes religiosos conservadores, parte do agronegócio e do extrativismo, outra parte do mercado (sim, não há cura para o autoengano), um naco dos trabalhadores agradecidos pelo auxílio (cujo principal autor é o Congresso, não ele) e os 12% a 16% de seguidores fanáticos, pode ser que não vença em 2022.

A caminhada até lá, contudo, causará um estrago na democracia que vamos levar décadas para resolver. Toda a construção sobre a importância da participação popular está se dissolvendo em nome do fortalecimento da imagem de um líder forte (sic) que resolve tudo na canetada e enfrentando o mal vestido de vermelho.

Isso, claro, se não houver, após a apuração dos votos, dedo no olho e baixaria, invasão do Congresso, tropas de GLO, estado de sítio, AI-5 Reborn, milicianos gritando "mito!" de sunga branca. E esculacho, muito esculacho.

Mas, como as 250 mil mortes, a democracia já deve ter sido precificada pelo mercado, não é mesmo?

Queda na aprovação do presidente

Após meses de estabilidade, o governo de Jair Bolsonaro enfrenta tendência de queda na sua aprovação e aumento nas taxas de reprovação. A situação é apontada por institutos de pesquisa do país em levantamento realizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA). São os piores números desde junho e julho do ano passado, informa o estudo realizado durante um dos mais trágicos períodos vividos pelo país.

Diretor da Fundação e responsável pelo núcleo de pesquisas, Carlos Henrique Árabe relata que a entidade acompanha sistematicamente a evolução da opinião pública no Brasil. “Neste começo de ano diversos institutos de pesquisa apontaram esse significativo crescimento da reprovação ao governo Bolsonaro. E esse movimento é atribuído em primeiro lugar ao fim do auxílio emergencial”, avalia. “Como isso é muito recente, esse elemento deve provocar mais crescimento dessa reprovação.”

Árabe também destaca ausência de política pública de proteção ao povo durante a pandemia por parte do governo Bolsonaro. E especialmente a falta de uma política nacional de vacinação. “São dois fatores imediatos que devem implicar no crescimento dessa reprovação ao governo, mesmo que a volta do auxílio emergencial venha a ser aprovado.”

O levantamento da FPA analisa pesquisas realizadas pelos institutos XP/Ipespe, Datafolha, Atlas, PoderData e Ideia Exame. Todos indicam em seus números “tendência evidente de queda de aprovação do governo Bolsonaro, iniciada na passagem de dezembro para janeiro – após meses de estabilização”. E, “em sentido inverso, o mesmo ocorre nas taxas de reprovação. São os piores números desde junho e julho de 2020”, quando teve início o auxílio emergencial.

No segmento de renda mais baixa, informa a FPA, novamente a tendência de retorno aos patamares de reprovação e aprovação desse período de junho e julho de 2020. São altos os números de avaliação negativa e baixa avaliação positiva entre os que têm renda familiar mensal menor que dois salários mínimos.

Houve queda generalizada na aprovação e aumento da reprovação em todas as regiões. “Destaque para o Nordeste, que voltou a reprovar de forma significativa o governo Bolsonaro.”

A FPA aponta que, na segmentação por sexo, os índices também pioraram e acompanharam tendência geral. Além disso, “segundo o Datafolha, único instituto a divulgar a segmentação por raça/cor, houve queda substancial na aprovação e aumento da reprovação entre quem se autodeclara preto”. Esse, informa a FPA, é um dos segmentos com aprovação mais crítica do governo Bolsonaro. Outro destaque entre os dados de reprovação está entre os jovens, um dos segmentos que menos aprovam Bolsonaro.

“Segundo a pesquisa XP/Ipespe, única a divulgar dados sobre este segmento de forma periódica no último período, há tendência evidente de queda da aprovação entre os evangélicos”, conclui o levantamento.

Dobro de reprovação

No Nordeste, entre mulheres, negros e negras, jovens entre 16 e 24 anos, a reprovação ao governo chega a ser quase o dobro da aprovação, relata Árabe. “Em média a reprovação vai chegando em 50% e a aprovação caindo para 25%”, detalha.

O diretor da FPA ressalta outros aspectos da pesquisa, além do que afeta regiões que cresceram muito e agora estão sofrendo com o não crescimento, o desemprego mais expressivo, como o Nordeste. “Tem de olhar o Sudeste onde cresce expressivamente a reprovação de Bolsonaro. Possivelmente há mais fatores que esses dois. Por exemplo, a reprovação entre as mulheres”, diz, citando a ação machista, preconceituosa e violenta de Bolsonaro em relação a elas. “Um fator que leva a que a reprovação seja praticamente o dobro da aprovação. Também entre os negros. O desenvolvimento de uma política de preconceito aberto, racista, provoca rejeição maior que a derivada somente do fim do auxílio e da crise da covid-19.”

A repressão sentida pelos jovens, considera Árabe, estaria entre as razões para a rejeição em alta de Bolsonaro nesse segmento. “Outra situação em que o reprovação chega a 50% quando apenas um quarto apoiam o governo.”


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