29/03/2024 - Edição 540

Poder

Aras diz que investigação da Lava Jato pelo STJ é ‘extremamente grave e preocupante’

Publicado em 26/02/2021 12:00 -

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que pretende brigar judicialmente contra o inquérito aberto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para investigar procuradores que integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato.

O chefe do Ministério Público Federal (MPF) classificou o movimento como ‘extremamente grave e preocupante’ e adiantou que pode acionar até mesmo a Corte Interamericana de Direitos Humanos na tentativa de travar a investigação.

“Ontem recebi intimação do eminente presidente do Superior Tribunal de Justiça, dando conta de condutas atribuíveis a distintos membros do Ministério Público Federal: subprocuradores-gerais da República, procuradores regionais da República e procuradores da República estariam ou estarão sendo investigados no âmbito do inquérito aberto por sua excelência”, disse na sessão do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

“Este é um assunto extremamente grave, preocupante, porque não se trata somente de investigar membros do Ministério Público Federal no que toca a conhecida força-tarefa denominada Lava Jato. Se trata de um expediente que pode atingir todos os tribunais brasileiros no que toca a todos os membros do Ministério Público brasileiro”, acrescentou.

Aras demonstrou preocupação com o precedente aberto pelo STJ. Na avaliação do procurador-geral, tribunais regionais podem usar o expediente para investigar membros do Ministério Público, o que em sua avaliação comprometeria a independência dos procuradores e promotores. O PGR ainda disse que o inquérito constitui uma violação ‘grave’ ao sistema constitucional acusatório brasileiro.

“O procurador-geral da República pretende defender, se for o caso, até na corte internacional a higidez do sistema de Justiça brasileiro no que toca ao sistema penal e, com isso, nós envidaremos todos os esforços para preservar o sistema em que o Ministério Público acusa, o juiz julga, a polícia investiga, sem prejuízo das nossas investigações”, garantiu. “Preparamos a defesa das nossas prerrogativas, do sistema constitucional brasileiro, e também buscaremos salvaguardar a nossa instituição”.

Esta foi a primeira manifestação pública de Aras sobre o caso. O PGR, considerado opositor interno da força-tarefa, vinha sendo pressionado pelos pares a tomar uma posição. Na sessão, ele ainda leu um abaixo-assinado subscrito por dezenas de procuradores em reação ao inquérito. O texto lembra que membros da instituição só podem ser investigados por determinação do próprio procurador-geral da República.

A investigação em questão foi aberta na esteira das novas mensagens hackeadas da força-tarefa tornadas públicas depois que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu autorização do Supremo Tribunal Federal para acessar o acervo da Operação Spoofing, aberta em meados de 2019 contra o grupo responsável pelo ataque cibernético.

O presidente do STJ, ministro Humberto Martins, da instauração do inquérito para apurar se a Lava Jato tentou intimidar e investigar ilegalmente ministros do tribunal, como levantam os diálogos. A investigação será conduzida pelo próprio Martins em sigilo.

Lava Jato é confrontada com diálogo que supõe que delegada da PF forjou depoimento de delator

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a lançar uma bomba de desconfiança sobre o trabalho da força-tarefa da Operação Lava Jato. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira, os advogados do petista denunciam que procuradores tiveram conhecimento de que uma delegada da Polícia Federal forjou depoimentos. A delegada em questão é Érika Marena, uma das principais na Lava Jato e que trabalhou no gabinete de Sergio Moro quando ele foi ministro da Justiça ―hoje atua em Santa Catarina. “Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada….”, diz em trecho dos diálogos. Segundo as mensagens, ao invés de denunciar a prática, os procuradores atuaram para encobri-la.

Os advogados de Lula escavaram nos diálogos entre os procuradores, apreendidos na Operação Spoofing ―que investiga a invasão de celulares de autoridades por hackers ―, um personagem icônico da Lava Jato, o delator Fernando Moura, um empresário apontado como lobista, acusado de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Conhecido como “o amigo de José Dirceu”, Moura foi o primeiro colaborador a perder os benefícios da delação premiada e voltar a ser preso, após mudar sua versão na Justiça, ainda no auge das investigações, em janeiro de 2016.

Moura disse inicialmente em depoimento que Dirceu foi o responsável por indicar Renato Duque para a diretoria de Serviços da Petrobras, um cargo-chave para garantir contratos na estatal, e cobrar propinas sobre negócios feitos. Na frente do juiz Sergio Moro, no entanto, ele mudou a versão. “Assinei isso? (…) Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu tinha falado”, disse o delator à época, dando a entender que seu depoimento foi forjado e que Dirceu era inocente. O réu chegou a afirmar que havia sido ameaçado por alguém no dia anterior ao seu depoimento. O episódio abriu uma crise que levou à demissão coletiva de todos os advogados da equipe do advogado Pedro Ivo Gricoli Iokoi, que representava Moura nas negociações da delação.

Passados cinco anos, as mensagens captadas na operação Spoofing revelam em quatro parágrafos de conversas dos procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior como eles receberam a mudança no depoimento de Moura. Nos trechos selecionados pelos advogados do ex-presidente, com base em análise feita por um perito nas mensagens liberadas pelo STF, Dallagnol afirma que uma delegada da PF chamada Erika ―em referência a Érika Marena, que coordenou investigações―, teria “lavrado termo de depoimento” sem ouvir Fernando Moura.

“Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… dá no mínimo uma falsidade… DPFs [depoimentos falsos] são facilmente expostos a problemas administrativos”, escreveu Dallagnol no Telegram em 25 de janeiro de 2016.

A resposta de Martello, segundo as mensagens, é tão ou mais surpreendente que a afirmação anterior. Ele dá a entender que seria melhor combinar com a delegada de realizar novamente o depoimento: “Podemos combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. Talvez até, diante da notícia, reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito. O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia q não vimos. Confiamos nos advs e nos colaboradores. Erramos mesmo!”. [a grafia está transcrita conforme as mensagens originais]

O procurador admite que “o mesmo ocorreu com padilha e outros” ―possivelmente em referência ao lobista Hamylton Padilha, que também fechou delação onde afirmou ter pago propina a ex-diretores da Petrobras para que seus clientes fossem contratados. Essa afirmação abre novos questionamentos: quantas vezes os réus acusaram seus depoimentos de terem sido forjados? Por que os procuradores não parecem surpresos com o fato de uma delegada ter supostamente admitido ter lavrado um depoimento, “com escrivão e tudo”, sem ter ouvido o réu? Por que a opção por encobrir o fato e não denunciar a delegada?

Consultada, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que o caso de Moura foi o único em que um réu mudou sua versão e depois voltou atrás. De acordo com os procuradores, Moura confessou seus crimes em acordo de colaboração premiada e depoimento na PF, porém ele negou os fatos perante a Justiça Federal em depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2016. “Naquela ocasião, ele questionou se de fato tinha feito as afirmações que constavam em seu termo colhido perante a Polícia Federal”, admite o MPF.

A força-tarefa jamais reconheceu a veracidade das mensagens encontradas pelos hackers, hoje presos, que deram origem à série de investigações da Vaza Jato, aberta pelo jornal The Intercept Brasil. Segundo os procuradores, “foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade”. Porém, afirmam agora que, mesmo que os diálogos tivessem ocorrido da forma como apresentados pela defesa de Lula, eles estão fora de contexto. Em nota, explicam que é natural que os procuradores questionem e especulem se foram tomados todos os cuidados no depoimento de Fernando Moura. “Isso mostra apenas preocupação com a absoluta correção formal e transparência dos procedimentos ―que, se estivessem equivocados, o que jamais se constatou nas apurações que seguiram, precisariam ser corrigidos, com a adoção das providências pertinentes”, informa o MPF.

A PF também esclareceu em nota que todas as ações da polícia judiciária, como depoimentos e interrogatórios, são disponibilizadas aos investigados e advogados que atuam junto às investigações. “Os termos prestados são conferidos e assinados pelo depoente, pela autoridade policial e advogados eventualmente presentes”, informou à reportagem. A força-tarefa compartilhou ainda trecho em um vídeo de dois minutos com um depoimento de Moura em um procedimento administrativo instaurado para apurar a violação do acordo de colaboração premiada em que o próprio réu admite que mentiu em Juízo, à revelia de seus advogados. “Todo o acordo de delação premiada que eu assinei, que eu vi, ele integralmente está correto”, disse Moura. Ou seja, segundo o MPF, “não houve depoimento lavrado por advogado como se tivesse sido lavrado pela Polícia Federal”.

A semente da dúvida, porém, já está plantada e a defesa de Lula jogou mais combustível na crença de que a Lava Jato violou o devido processo legal. Segundo a Folha de S. Paulo, o ministro da Justiça, André Mendonça, ao qual a PF está subordinada, foi questionado por ministros do Supremo sobre a denúncia contra a delegada Érika Marena, e disse que vai averiguar os fatos.

Moura, por sua vez, após confirmar a delação que havia negado conseguiu uma pequena redução de pena nesse acordo. Seu tempo de prisão passou de 16 anos e 2 meses para 12 anos e seis meses. Acabou saindo em novembro de 2019, quando o Supremo mudou o entendimento sobre a prisão em segunda instância e agora espera o trânsito em julgado.

Carona nas mensagens

A exposição de diálogos da Lava Jato pela defesa de Lula tem feito outros condenados pela Lava Jato terem acesso às mensagens da Operação Spoofing. Por enquanto, o ministro Ricardo Lewandowski tem bloqueado as demandas que acontecem fora do escopo da reclamação inicial do ex-presidente ―acesso à leniência da Odebrecht bem como documentos sobre as tratativas da Lava Jato com órgãos estrangeiros, relacionados ao processo do caso do Instituto Lula, parado em primeira instância. É o que aconteceu com os pedidos da Ordem dos Advogados do Brasil; do deputado federal Rui Goethe da Costa Falcão (PT-SP), do ex-governador do Rio Sergio Cabral; do ex-tesoureiro do PT João Vaccarino Neto; do ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva; e do administrador da Rio Tibagi Leonardo Guerra.

Não está claro o que grupos e condenados pela Lava Jato esperam conseguir ao espiar os diálogos. Mesmo a defesa de Lula, de quem inicialmente esperava-se que utilizasse as mensagens para engrossar o argumento do habeas corpus que pede a suspeição de Sergio Moro ―parado na mesa do ministro Gilmar Mendes―, vem incluindo as mensagens apenas nos autos da reclamação sobre o caso do acesso à leniência da Odebrecht. Mas as manifestações recentes dos advogados de Lula são recheadas de denúncias que não têm relação com o caso em disputa, mas que despertam desconfianças sobre os métodos da Lava Jato. E a dúvida, na Justiça brasileira, sempre beneficia os réus ao invocar a presunção da inocência: in dubio, pro reo.

Dallagnol tenta proteger a delegada da PF Erika Marena de crime de falsidade

Outro lote de conversas entregue pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao STF mostra que Deltan Dallagnol tentou proteger Erika Marena.

“Adv e ele [Moura] têm que explicar, mas devemos proteger Erika. Se ela entendeu errado a orientação e agiu de boa-fé. Mas o advogado é evidentemente responsável. Eu acho que tínhamos que mostrar que a negativa [de que lembrava do depoimento] é irrelevante no contexto da prova. Isso deixaria sem sentido ou sem efeito a ideia de manipulação”, disse Dallagnol.

No mesmo diálogo, o procurador José Robalinho Cavalcanti diz que Moura deve ser preso. “E Fernando Moura voltou atrás da delação. Na frente do Moro desdisse tudo. Agora tem de ser exemplarmente punido — inclusive com prisão — ou o instituto sofrerá um abalo. Nada que os colegas da ‘lava jato’ não saibam muito melhor do que nós ou que não estivesse nos nossos cálculos. Com tantos delatores, era inevitável que alguém fraquejasse. Mas as defesas vão fazer um escarcéu”, afirmou.

O procurador Orlando Martello revelou em parte dos diálogos que os depoimentos combinados com advogados eram prática comum da “lava jato” e tinham até nomenclatura própria: “terceirização dos depoimentos”.

“Já dei pra ver q a terceirização dos depoimentos não funciona. Temos que, no mínimo, qdo o Adv já vem com os depoimentos, lê-lo, aprofundar e gravar de modo a ficar registrado o q ele diz. Temos q consertar isso. Os maiores culpados disso fomos nós. Disponho-me no meu retorno a ajudar no caso”, disse Martello, ainda em referência ao caso envolvendo a delegada Erika.

Os diálogos revelam ainda que a “terceirização” não aconteceu somente em um caso. “O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los”, prossegue Martello, em possível referência ao lobista Hamylton Padilha. 

A defesa de Lula afirma que os procuradores “aludem nesse diálogo à ‘terceirização de depoimentos’, expressão utilizada para designar que teriam ocorrido perante autoridades, mas que, em realidade, não existiram”. 

“Vale dizer, é possível aferir do material que muitos ‘depoimentos’ de delatores na ‘lava jato’ que levaram pessoas — inclusive o Reclamante — à prisão ou serviram para subsidiar conduções coercitivas, buscas e apreensões em residências, empresas e escritórios, dentre outros atos de extrema violência, possivelmente sequer existiram. Enquadram-se na categoria de ‘depoimentos terceirizados’ ou depoimentos que, embora tenham forma oficial, não foram coletados pela autoridade indicada”, prosseguem os advogados do ex-presidente.

Delegada que levou reitor da UFSC ao suicídio

A delegada Erika Marena usou uma mera questão de problemas administrativos em um convênio entre a Universidade federal de Santa Catarina (UFSC) e o Ministério da Educação para organizar a mais infame operação de todo o período da Lava Jato: a invasão do campus da UFSC, prisão e humilhação dos professores, que levou o reitor da instituição ao suicídio.

Luiz Carlos Cancellier de Olivo cometeu suicídio em 2 de outubro de 2017, após ter sido preso e afastado de seu cargo pela Operação Ouvidos Moucos. A investigação apurava supostos desvios de verbas em cursos de ensino a distância da UFSC.

O professor não era acusado diretamente de corrupção, mas foi detido e afastado sob a suspeita de obstrução de Justiça, ou seja, por supostamente dificultar investigações. As ações foram conduzidas pela delegada Marena.

O então reitor foi liberado da prisão preventiva, transmitida pelos meios de comunicação, menos de dois dias depois. Após duas semanas, cometeu suicídio em um shopping center de Florianópolis. Em seu bolso, um bilhete: “Minha morte foi decretada quando fui banido da Universidade!”.

Parte da comunidade acadêmica da UFSC passou a responsabilizar as autoridades judiciais pelo desfecho trágico. Até o momento, entretanto, ninguém foi responsabilizado. A Polícia Federal afirma que a divulgação da prisão era necessária pois a presença de viaturas chamaria a atenção da população. O relatório da PF não trouxe nenhum elemento concreto contra Cancellier.

A ofensiva dos advogados de condenados da Lava-Jato contra Moro e Deltan

Grandes bancas de advocacia de Brasília, que defendem condenados da Lava-Jato, estão se unindo para pegar carona na defesa de Lula e acionar Sergio Moro e Deltan Dallagnol no STF.

Essa turma acredita ter material para enquadrar Moro e Deltan na Lei de Segurança Nacional pelo crime de conspiração contra o Estado brasileiro.

A norma tem uma série de artigos que poderiam ser utilizados para interpretar supostas ações ilegais dos investigadores em contato com agentes da Suíça, por exemplo, como mostram mensagens colhidas por Lula no material roubado pelos hackers.

Essas tratativas ilegais com agentes estrangeiros para obter dados de investigados suportam a estratégia que pretende sustentar no STF a tese de que a Lava-Jato tentou desestabilizar a democracia ao ir atrás dos corruptos que estavam saqueando órgãos públicos nos governos do PT.

“É um novo caso Protógenes Queiroz”, diz um importante advogado, citando o delegado que caiu em desgraça na Operação Satiagraha por cometer crimes enquanto tentava tirar de circulação definitivamente o banqueiro Daniel Dantas.

A operação, ancorada pela defesa de Lula, que abriu portas para que todos tivessem as mensagens da vaza-jato, poderia ser tratada como sonho de advogado, mas há um detalhe que torna muito real a ameaça a Moro e Deltan. Ministros do STF e do STJ não perdoam as investidas da operação, que coordenou buscas, realizou delações e atuou fortemente para prender figuras conhecidas do Judiciário.

Esses magistrados, hoje mais poderosos do que nunca, são a esperança dos advogados de condenação e — eles falam seriamente nisso — até prisão de Moro e companhia.


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