25/04/2024 - Edição 540

Poder

General na política revela flacidez institucional

Publicado em 19/02/2021 12:00 -

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Com quase três anos de atraso, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), veio à boca do palco para tachar de "intolerável e inaceitável pressão sobre o Judiciário" postagem feita numa rede social em abril de 2018 pelo então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. A manifestação do general e a reação tardia do magistrado dizem muito sobre a flacidez institucional de uma democracia em que o Exército ainda faz política.

Era véspera do julgamento do habeas corpus que poderia livrar Lula da cadeia. E Villas Bôas escreveu: é hora de "perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais". A história voltou ao noticiário porque o general relatou num livro que sua manifestação não foi solitária, mas articulada com integrantes do Alto Comando do Exército.

Se o episódio serve para alguma coisa é para mostrar que a doença que inocula o vírus da política nos quarteis é anterior ao surgimento do "núcleo militar" do governo Bolsonaro. Lula foi preso não por conta da mensagem de um general, mas porque o TRF-4 havia confirmado a sentença referente ao tríplex do Guarujá. E vigorava na época a regra que permitia a prisão de corruptos de segunda instância.

De todos os sintomas do enfraquecimento da democracia, o mais inusitado é a existência de generais que ainda imaginam que o cumprimento das leis ou o destino do país depende de ameaças fardadas. O papel das Forças Armadas é delimitado pela Constituição. A política não está entre as atribuições dos militares.

Aos generais cabe se mover nos trilhos das normas da sua corporação. Quanto mais poder de mando tiver um oficial, maior deve ser o seu silêncio sobre temas políticos. Sempre que essa regra foi esquecida no Brasil, o resultado foi a anarquia, o arbítrio ou as duas coisas.

Nota para intimidar o Supremo Tribunal Federal era mais incendiária do que foi

Três ministros do governo Bolsonaro, todos, hoje, generais da reserva, foram consultados sobre a nota e, segundo Villas Bôas, o aconselharam a amenizá-la: Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral de Itaipu; Fernando Azevedo, então chefe do Estado Maior e agora ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria do Governo. Ramos respondia pelo Comando Militar do Leste.

A versão suavizada da nota de Villas Bôas, postada no Twitter na véspera do dia do julgamento, foi uma clara advertência aos ministros do Supremo. E concluía sem ter o cuidado de disfarçar a intenção golpista do seu autor: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Imagine a versão abortada da nota original…

Uma vez que o Supremo, por 6 votos contra 5, manteve a prisão de condenado em segunda instância, Lula foi preso e levado para Curitiba em 7 de abril, ali permanecendo por 580 dias. Liderou as pesquisas de intenção de voto até meados de agosto. Apoiou então a candidatura de Fernando Haddad. Bolsonaro venceu Haddad no segundo turno. Villas Bôas e os generais celebraram a vitória.

Missão que se propuseram (evitar que a esquerda voltasse ao poder), missão cumprida com êxito! Villas Bôas reconhece que Lula como presidente foi generoso com as Forças Armadas dando-lhes dinheiro para a compra de equipamentos. Critica Dilma por ter instalado a Comissão Nacional da Verdade que investigou casos de tortura e de mortos pela ditadura militar de 64.

A ojeriza dos militares brasileiros à esquerda é uma questão ideológica que data do início do século passado. A revolução comunista russa foi em 1917. O Partido Comunista do Brasil é de 1922. Em 1935, uma intentona comunista tentou depor o governo de Getúlio Vargas, mas fracassou. Na 2ª Guerra Mundial, militares brasileiros e comunistas russos lutaram contra Hitler.

Logo depois começou a chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e seus aliados, um deles o Brasil, e a União Soviética e seus aliados. Capitalismo x comunismo. A União Soviética desmoronou em 1991. O mundo tornou-se unipolar. A China se diz comunista, mas é tão capitalista quanto os Estados Unidos e, em breve, sua economia será a maior do planeta.

O comunismo, hoje, resiste em Cuba, na Coreia do Norte e onde mais? Serve de espantalho a governantes autoritários que querem se perpetuar no poder, e aos seus apoiadores, fardados ou não. Serve também de aríete para corroer a democracia mundo afora.

Fux revela whatsapp em que ministro da Defesa pede para não se “criar crise” com Forças Armadas por tuite de Villas Bôas

Em entrevista a Leandro Colon e Matheus Teixeira, na edição desta sexta-feira (19) da Folha de S.Paulo, Luiz Fux, presidente do STF, revelou o conteúdo de uma mensagem de whatsapp enviada pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, após o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, ironizar publicação de Edson Fachin no Twitter.

Na mensagem, lida por Fux aos jornalistas, o ministro de Bolsonaro afirma: “Nós não queremos potencializar essa notícia porque na verdade foi declaração isolada do ministro Villas Bôas no momento de fazer sua biografia, não há nenhuma concordância das Forças Armadas em relação a pressão sobre o Supremo”.

A “pressão” se deu durante julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula em 2018. Em recente entrevista publicada no livro “General Villas Bôas, conversa com o comandante”, o militar disse que a publicação foi negociada no alto comando das Forças Armadas. Fux, no entanto, afirma que Azevedo e Silva desmentiu Villas Bôas.

“Pela mensagem que tenho no meu celular, que me foi enviada pelo ministro, após a revelação do livro, o ministro Fernando me disse para não deixar criar uma crise nisso. Ele falou que não houve nenhuma reunião de comando militar para tratar de eventual resultado de julgamento do Supremo para reagir a isso. Vou ler o que me mandou [Fux pega o telefone e começa a ler a mensagem]: ‘em todas as minhas notas como ministro da Defesa reafirmo o compromisso das Forças Armadas com a democracia e a Constituição de 1988. As Forças Armadas estão voltadas para o cumprimento das suas obrigações legais'”, disse Fux à reportagem.

A revelação da mensagem de whatsapp por Fux se deu durante entrevista em que o presidente do STF comentou a decisão unânime de manter a prisão de Daniel Silveira pelos ataques aos membros da corte, motivados justamente pela crítica de Fachin à entrevista de Villas Bôas.

Na entrevista, Fux afirmou que ameaças a ministros serão “repugnadas” de maneira coesa pelo plenário do tribunal “venham de onde vierem”, em claro recado ao governo e aos militares.

À coluna de Mônica Bergamo, na mesma edição da Folha, outros ministros do STF teriam confirmado que a prisão de Silveira foi um recado aos militares que fazem parte, assim como o deputado, de um mesmo movimento antidemocrático e de ameaça às instituições.

Leia a entrevista na íntegra


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