28/03/2024 - Edição 540

Poder

A Venezuela é aqui: Bolsonarismo flerta com o totalitarismo

Publicado em 05/02/2021 12:00 -

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O ministro Edson Fachin publicou um forte artigo no último dia 4, na Folha, em que aborda o risco de uma “ascensão populista autoritária” no país. “Cumpre proteger a democracia. Dobrou o alarme”, diz o ministro do STF.

O raciocínio de Fachin se ampara no drama norte-americano vivido durante a invasão de radicais ligados a Donald Trump ao Capitólio: “A invasão do Capitólio, em Washington, captou a atenção do planeta, alçando à evidência os riscos inerentes à farsa democrática dos intolerantes. Cumpre proteger a democracia. Dobrou o alarme. A esfera pública assiste à ascensão populista autoritária que cobiça o monopólio do futuro, promovendo a subversão dos saberes históricos, a manipulação da memória coletiva e a poluição do discernimento. O crepúsculo da política desponta num horizonte discursivo tóxico”.

Para Fachin, o maior desafio da política, na atual quadra vivida, é neutralizar a “banalização do discurso odioso e práticas linguísticas antipolíticas”. Só com atitudes contra tais venenos será possível, na visão do magistrado, “estimular a capacidade humana de imaginar um mundo melhor, como passo inicial para que um estado de coisas mais justo e favorável possa, de fato, ser concretizado”. 

“A demonização do dissenso e o empreendimento da política do inimigo rompem com os protocolos de uma democracia saudável. A perpetuação das instituições e dos valores que elas representam é vital para o sistema democrático. Órfãos de seus anteparos, as democracias balançam ante o furor populista, tanto mais quando acompanhado de ameaças despóticas”, diz Fachin.

O ministro do STF também mandou um claro recado aos que colocam em dúvida o voto e as instituições eleitorais, não aceitando previamente o resultado das eleições, como aconteceu nos Estados Unidos — diante da simpatia de autoridades do governo brasileiro.

“O prenúncio da recusa, não obstante, põe abaixo o edifício do entendimento e arrisca, enfaticamente, a estabilidade do sistema político. Autorizar-se à desobediência implica, por conseguinte, consentir com a rebelião alheia. A rejeição antecipada da ocasional derrota nas urnas, em conclusão, germina o falecimento da política e o caos social, como se apura da experiência concreta no Capitólio. Se o voto cidadão previne a violência, a depreciação das instituições eleitorais constitui um inaceitável chamado ao conflito”, escreve Fachin.

Chavismo à moda da casa

O chavismo estabeleceu uma sólida ditadura na Venezuela não apenas como resultado da truculência golpista do falecido caudilho Hugo Chávez e de seu herdeiro, Nicolás Maduro, mas também – e talvez principalmente – pelo sucesso do assalto promovido pelos gângsteres bolivarianos às instituições de Estado. E esse assalto foi bem-sucedido, entre outras razões, pela ausência de uma oposição organizada, unida e com propósitos claros.

O tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado justamente no momento em que o bolsonarismo avança insidiosamente sobre as instituições democráticas brasileiras. Cada dia que passa sem reação à altura desse desafio ajuda a consolidar esse desmonte do sistema de freios e contrapesos, que limita o poder numa democracia representativa.

Tal como ocorreu na Venezuela, a oposição a Bolsonaro claramente perdeu-se em lutas internas, movidas por objetivos imediatos e paroquiais, que só dizem respeito aos interesses eleitorais de seus caciques, sem qualquer conexão com os anseios da sociedade.

A mediocridade das forças que poderiam obstar a marcha bolsonarista permitiu que o presidente Jair Bolsonaro, malgrado suas inúmeras agressões à democracia e seu criminoso desserviço ao povo em meio à pandemia de covid-19, conseguisse eleger seus candidatos ao comando da Câmara e do Senado.

Para adicionar insulto à injúria, vários parlamentares supostamente de oposição aderiram às candidaturas patrocinadas por Bolsonaro, ávidos por participar do festim governista no Congresso e por obter espaços nas Mesas Diretoras e nas comissões. Nem na Venezuela a oposição foi tão pusilânime.

Os partidos com maior consistência ideológica – PSDB, DEM e PT – parecem perdidos com questiúnculas de poder e profundas contradições internas, que embaralham seu discurso e enfraquecem a mensagem com a qual pretendem motivar o eleitorado.

Com a fragilização desses partidos tradicionais, restam no horizonte político pouco mais de duas dezenas de legendas que só existem para aproveitar as oportunidades fisiológicas abertas pelo governismo. Há de tudo nesse balaio: de partidos cujos proprietários foram condenados por corrupção a agremiações que se alugam para quem pagar mais. No topo de tudo, temos um presidente da República que já foi de oito partidos e hoje nem partido tem, o que dá a exata medida do menosprezo bolsonarista pelo debate partidário próprio das democracias.

O que une esses indigitados é sua absoluta indiferença às necessidades do País e sua associação com lobbies empenhados na manutenção de privilégios. Para eles, a democracia é mero instrumento de apropriação do poder e de suas benesses.

Para interromper essa putrefação da democracia, é necessário que haja uma oposição digna do nome. Para começar, é preciso ser oposição de verdade, sem hesitação.

“Do meu ponto de vista, o PSDB deveria ser mais claramente de oposição”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista ao jornal O Estado de SP, na qual avaliou, de modo sombrio, o comportamento de seu partido na eleição para o novo comando do Congresso. “A força do presidente da República é muito grande e é muito difícil ganhar uma eleição no Congresso contra o presidente. Mas, se não vai ganhar, é para marcar posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido lá”, disse FHC, num diagnóstico que serve para os demais partidos de oposição.

Para o ex-presidente, é a própria sobrevivência do PSDB que está em questão. “Em política, ou você tem posição clara ou fica difícil. (…) O povo não é bobo. A gente pensa que a população não percebe, mas percebe. Se você não toma posição no momento oportuno, quando chega a hora H é tarde.”

FHC advertiu que “o PSDB precisa tomar rumo, precisa ter uma palavra afirmativa forte” – do contrário, corre o risco de acelerar seu “ciclo descendente”. Ou seja, o PSDB e os demais grandes partidos de oposição talvez continuem a existir, mas perderão a razão de sua existência caso se permitam confundir com as siglas que mercadejam votos e só pensam na próxima eleição. É tudo o que o Chávez de Eldorado quer.


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