26/04/2024 - Edição 540

Poder

Frente anti-Bolsonaro precisa se reinventar para 2022

Publicado em 05/02/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O naufrágio do bloco que apoiava Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa pela presidência da Câmara expôs os entraves para a formação de uma frente ampla de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição de 2022.

A união de diferentes ideologias, com caciques de MDB, PT, PDT, PSB, PC do B, Cidadania, Rede, PV, PSDB, DEM e PSL (os dois últimos acabaram abandonando o barco), foi vista como um ensaio da tal frente, que já fracassou outras duas vezes.

No último dia 1º, porém, quando o governista Arthur Lira (PP-AL) derrotou Baleia, contando com implosões e rachas nos partidos que apoiavam o emedebista, o recado foi que as siglas e os deputados definem seu lado mais com base em vantagens pragmáticas para se reelegerem, como verbas e cargos, do que pela convicção de derrotar Bolsonaro.

Deputados ouvidos pelo jornal Folha de SP acreditam ser difícil uma união da esquerda, do centro e da direita moderada em uma candidatura presidencial única em 2022, mas avaliam que o eventual segundo turno, dependendo de quem nele estará, pode forçar isso.

Especialistas concordam que o sistema partidário e eleitoral não dá incentivos para que haja uma frente ampla, pelo contrário: o natural é que diferentes partidos lancem seus projetos ao menos no primeiro turno.

O consenso em Brasília e na academia é que os cenários para 2022 não podem ser cravados agora, pois tudo depende de como o governo vai se comportar e de como as crises econômica e sanitária irão afetar a popularidade do presidente.

A força ou fraqueza eleitoral de Bolsonaro, o tamanho da oposição e o nível de entendimento sobre ele representar uma ameaça à democracia são fatores que poderão unir os partidos para derrotá-lo ou, ao contrário, fazê-los seguir fragmentados.

Parlamentares mais otimistas veem, sim, possibilidade de frente ampla em 2022, seja num segundo turno, seja numa redução de candidaturas no primeiro —uma de centro-direita, uma de centro-esquerda e Bolsonaro.

De forma geral, porém, deputados avaliam como positiva a união em torno de Baleia. O episódio teve o mérito de criar um diálogo entre siglas distantes.

Parlamentares ouvidos pela reportagem preveem que haverá no Congresso uma união da oposição ao governo, do PSOL ao PSDB, sobretudo para barrar pautas como ampliação do armamento, ensino domiciliar e brechas para violência policial.

Mais do que isso: creem que esse bloco vai crescer conforme Bolsonaro não consiga entregar cargos e emendas prometidas ao centrão ou enterre de vez sua popularidade com crises agudas.

Já quando o assunto for economia e reformas, a esquerda deve ficar sozinha na oposição, com alas oposicionistas de partidos como PSL, DEM e PSDB aderindo à pauta do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O tema do impeachment só sai do banho-maria, dizem parlamentares, se a vacinação proporcionar mobilização de massa.

A frente ampla contra Bolsonaro já sucumbiu anteriormente devido a diferentes atores. A primeira tentativa foi ainda no segundo turno de 2018, mas Ciro Gomes (PDT) viajou a Paris, e João Doria (PSDB) aderiu ao voto Bolsodoria.

Em meados de 2020, na pandemia, quando a postura de Bolsonaro já indicava prejuízo à saúde pública, foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jogar água fria nos manifestos contra o presidente afirmando não ser “maria vai com as outras” e se recusando a estar ao lado de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Na eleição municipal do ano passado, partidos de esquerda se uniram no primeiro turno somente em Florianópolis e Belém (sem o PSB); enquanto frentes contra bolsonaristas só se formaram no segundo turno no Rio de Janeiro e em Fortaleza.

Na eleição da Câmara, o ônus ficou com DEM e PSL, que saíram do bloco de Baleia, rumo que o PSDB quase tomou.

Na esquerda, o PSOL foi criticado por lançar candidatura para marcar posição, enquanto Baleia tinha chances reais de derrotar Bolsonaro. Agora, o partido reforça a opinião de que a esquerda tem que ter candidatura própria e não pode contar com a oposição de direita —o PT ainda defende a postura pragmática como a correta naquele momento.

O movimento do DEM o aproximou do governo. Ao jornal Folh de SP, o presidente da sigla, ACM Neto, afirmou que não descarta apoiar a reeleição de Bolsonaro em 2022. Mas se mantêm abertas as possibilidades de apoiar PSDB, MDB e Cidadania, com Doria ou Luciano Huck, ou PDT e PSB, com Ciro.

O desafio da unificação existe também na esquerda, onde PSOL e PT podem não abrir mão de candidatura própria. Lula é ficha-suja, mas poderia ser candidato caso o Supremo Tribunal Federal julgue Sergio Moro parcial e anule suas condenações.

Entre os otimistas em relação à frente ampla está o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP), que vê chance de que a união da oposição se estenda a 2022.

“Não é fácil unificar, mas se iniciou a discussão para o amadurecimento de que precisamos de uma alternativa. A candidatura do Baleia foi um marco, é uma chama que se acendeu e deve ser levada adiante."

O líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), afirma que o partido resistiu com Baleia apesar das pressões e que o movimento a favor de Lira se deve à sua boa articulação e ao pragmatismo de alguns deputados, mas não enfraquece a oposição.

Para ele, se os partidos não estarão juntos no primeiro turno, ao menos “quebraram o gelo” para um eventual segundo. “Há um ano não tinha esse diálogo e hoje tem.”

Fora do campo eleitoral, os deputados já dão exemplos da manutenção da unidade da oposição, já que todos agiram em conjunto contra a determinação de Lira de deixá-los de fora da Mesa Diretora.

Carlos Zarattini (PT-SP) diz que as alas de DEM e PSDB fiéis a Rodrigo Maia (DEM-RJ) agora estão marcadas como oposição e que o autoritarismo de Lira exigirá que todos joguem juntos na Câmara —embora acordos para 2022 não sejam possíveis na visão dele.

Elmar Nascimento (DEM-BA), que aderiu a Lira, afirma que antecipar 2022 para a eleição da Câmara foi um equívoco e que o cenário das urnas só será discutido no ano que vem. Para ele, o discurso de que o bloco de Baleia era uma frente contra Bolsonaro foi uma estratégia de Maia para obter a adesão da esquerda.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, e o líder do partido na Câmara, André Figueiredo (CE), acham possível a adesão do DEM a Ciro, mas veem o PT fora da aliança.

Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), é necessário haver ações conjuntas de partidos e da sociedade civil contra Bolsonaro, “mas isso não projeta imediatamente soluções para 2022”.

A cláusula de barreira, a necessidade de fazer uma boa bancada de deputados, a eleição em dois turnos e a quantidade de partidos no país dificultam uma frente ampla, avaliam os professores Marta Arretche, da USP, e Felipe Nunes, da UFMG e diretor da consultoria Quaest. “Os incentivos institucionais obrigam os partidos a lançar candidatura no primeiro turno. É um atributo do próprio sistema”, diz Nunes.

“A ideia de formar uma grande frente contra Bolsonaro é inspirada em Joe Biden, nos EUA, mas nosso sistema é diferente. Bolsonaro montou uma coalizão de sustentação, mas não revelou até agora habilidade necessária para manter coesa a situação, e o tamanho da oposição vai depender dos movimentos que ele fizer”, afirma Arretche.

Fracassos da frente ampla

2º turno de 2018
A união em torno da candidatura de Fernando Haddad (PT) contra Bolsonaro não decolou. No segundo turno, Ciro Gomes (PDT) foi a Paris. Já João Doria (PSDB) aderiu ao 'Bolsodoria'

Manifestos suprapartidários
Em meados de 2020, quando o presidente chegou a participar de ato antidemocrático, surgiram manifestos suprapartidários. A iniciativa não teve o apoio de Lula (PT), que disse não ser "maria vai com as outras" e se recusou a estar ao lado de FHC (PSDB)

Candidatura de Baleia Rossi
A campanha do emedebista à presidência da Câmara teve o apoio de MDB, PT, PDT, PSB, PC do B, Cidadania, Rede, PV, PSDB, DEM e PSL, mas, na reta final, os dois últimos partidos desembarcaram da coalizão, e o candidato de Bolsonaro, Arthur Lira, venceu

Bloco na Rua

No último dia 30, convocado ao apartamento de Lula em São Paulo, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, candidato do PT à presidência da República em 2018, ouviu dele o pedido para que botasse “o bloco na rua”, uma vez “que não há mais tempo”.

As palavras de Haddad foram estas, em entrevista ao canal TV 247: Lula me pediu que eu não adiasse minhas andanças pelo país defendendo nosso legado e nossas ideias. Ele me disse: ‘Haddad, não há mais tempo. Não podemos ficar na dependência [de decisões judiciais]. Temos que sair para conversar com o povo’.”

Haddad contou mais: E ele me pediu para reorganizar minha vida particular, privada com essa finalidade. Eu concordei. Disse que ele poderia contar que eu faria isso”.

Quer dizer que, caso possa, Lula mesmo não será candidato à sucessão do presidente Jair Bolsonaro no ano que vem? Haddad lembrou que Lula já disse que até bispo da Igreja Católica se aposenta com 75 anos de idade. Ele tem 75 anos.

Se o Supremo Tribunal Federal anular as duas condenações de Lula, uma no processo do triplex do Guarujá, a outra no processo do sítio de Atibaia, o PT, segundo Haddad, tentará convencê-lo a ser candidato. E Haddad diz ter esperança de que ele seja.

A 2ª Turma do Supremo, formada por cinco ministros, em breve julgará o pedido de Lula para declarar suspeito o comportamento do ex-juiz Sérgio Moro que o condenou no processo do tríplex, e participou da fase de instrução do processo do sítio.

Dois dos cinco ministros são votos considerados certos a favor do pedido (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski). Edson Fachin votará contra, juntamente com a ministra Cármen Lúcia. Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, deverá votar a favor.

Entre os advogados de Lula, dá-se como certa a anulação do processo do tríplex, mas há dúvidas quanto à anulação do processo do sítio. Se isso não ocorrer, Lula continuará inelegível, e Haddad o substituirá. Daí a ordem para que ponha o bloco na rua.

Haddad fala em construir “a unidade das forças democráticas” para derrotar Bolsonaro, mas admite que só seja possível no segundo turno. “No primeiro, haverá dois, ou três candidatos, mas todos deverão se unir contra ele em seguida”, espera.

“O democrata que for para o segundo turno terá de contar com o apoio dos demais. E essa é a pergunta que deveria ser feita a políticos como João Doria, ACM Neto [presidente do DEM], Rodrigo Maia e Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul]: vocês se comprometem com isso?”, provocou Haddad.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *