19/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Bolsonaro é o Brasil do século XVII…

Publicado em 03/02/2021 12:00 - Idelber Avelar

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Eu ajustaria uma e outra afirmação aqui ou acolá, afinal é rara a concordância total em política brasileira contemporânea, mas o fato é que baixaram os espíritos de Bernie Sanders e Marina Silva no meu bróder cabôco Ricardo Rangel, que mandou um petardo na Veja. Gostei.

"Resta a alternativa desconfortável: o presidente é popular não apesar de ser quem é, mas porque é quem é.

Bolsonaro é o Brasil do século XVII: arcaico, tosco, patriarcal, patrimonialista, preconceituoso, espoliador. Essa herança está entranhada em todas as camadas do Brasil atual, até na camada mais alta e sofisticada, lida e viajada, que se fascina com a arquitetura de Paris, mas em geral não se incomoda que metade dos brasileiros não tenha esgoto.

Há muita gente que acha que negro não precisa ser escravo desde que fique longe da vista. Que mulher pode sair de casa desde que não progrida demais na profissão. Que pobre pode comer desde que “saiba seu lugar”. Que homossexual pode existir desde que viva sua sexualidade no gueto. Que índio pode viver desde que vire um “ser humano normal”. Bolsonaro é popular em grande medida porque autoriza tais eleitores a ser preconceituosos e torpes sem culpa (ainda que tantos ignorem ser esse o motivo).

Mas Bolsonaro também presta um serviço ao Brasil como um todo: ele nos mostra um espelho. A imagem é repugnante, mas é preciso contemplá-la. Reconhecê-la. Transformá-la."

COMO ERA MESMO, "BRASIL ACIMA DE TUDO"?

"O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é o único líder político da História a desencorajar a vacinação, afirma o historiador francês Laurent-Henri Vignaud, autor do livro 'Antivax – Resistência às vacinas do século 18 aos dias de hoje' e professor da Universidade de Borgogne.

'É possível que Bolsonaro seja um exemplo único. Não saberia citar outro'."

*****

"Essa dimensão complotista no movimento antivacina, historicamente, é bem minoritária. São ultrarradicais que fazem alegações de que a doença foi inventada em laboratório e que esses mesmos laboratórios fabricam uma vacina que só servem para ganhar dinheiro. Ou, ainda mais grotesco, que a vacina teria a finalidade de matar ou controlar a população.

O que ocorreu na atual pandemia de covid-19 é que os movimentos conspiratórios, que passaram a ter visibilidade graças às redes sociais, acabaram engolindo os grupos antivacinas. Os complotistas roubaram o tema das vacinas contra a covid-19 porque eles viram uma grande oportunidade para difundir suas teses".

NOSSO SISTEMA

Um observador não brasileiro começa a entender o sistema político do país quando, e apenas quando, ele é capaz de formular a pergunta: por que essa enorme e paquidérmica massa gelatinosa chamada “pemedebismo” domina a política brasileira se o sistema é presidencialista e o PMDB nunca é capaz de ganhar uma eleição para presidente? É nesse aparente paradoxo que se encontra a originalidade do sistema brasileiro.

Por causa de o parlamentarismo ter sido mobilizado como saída casuísta para retirar poderes de presidentes que incomodavam poderosos, como Jango, o modelo parlamentarista é visto com ojeriza e suspeita no Brasil, e a opção foi derrotada todas as vezes em que foi apresentada à população brasileira.

Mas o Brasil funciona em um sistema que mantém, do parlamentarismo, só a pior parte: as negociatas. A parte boa, a “accountability”, a possibilidade de responsabilização dos parlamentares por escolhas suas que afetam a forma em que se governará o país, essa aí não tem, não, porque no modelo brasileiro a negociata acontece a portas fechadas, em super maiorias formadas pela política do suborno e da chantagem.

E é começando por aí que se deve explicar o que está acontecendo no dia de hoje, em que o chefe de um movimento extremista elege, com folga, o presidente da casa legislativa que ele ameaçou fechar. São as instituições brasileiras no seu funcionamento.

ELES EM NÓS

Aos amigos que perguntaram: 10 de março é a data do ELES EM NÓS nas livrarias. Palavra do Rodrigo Lacerda,novo editor executivo da Record. Pode atrasar um pouquinho para aqui ou acolá, mas mês que vem o ELES EM NÓS está na área.

tive a sorte de que este livro passou de um editor, o Carlos Andreazza, que viu nele méritos quando o projeto só existia como livro acadêmico em inglês, a um novo editor, o Rodrigo, cujo trabalho editorial e autoral sempre admirei, e que encampou o ELES EM NÓS com entusiasmo.

No nosso papo de hoje, fiquei encantado com o que ele já sabe sobre o livro e com os papos que já havia tido com equipes da editora sobre ele.

Neste livro muita pesquisa entrou, mas ele está escrito clarinho, desejando a leitura de qualquer brasileira/o que tenha acompanhado jornais, ou mesmo o JN, nos últimos anos. É a minha mais sincera tentativa de contribuir à elucidação do que nos aconteceu.

Mais um mês e chega aí na sua livraria preferida.

HECATOMBE

Conto-lhes uma historinha da aula, de uma hecatombe, para distrair um pouco da hecatombe atual. No seminário de estudos culturais latino-americanos de hoje, falamos de um dos tópicos meus favoritos: a queda de Tenochtitlán (1521).

É sempre legal ver a galera descobrindo — isso talvez seja novidade pra alguns de vocês também — que em 1520 você teria que viajar até Constantinopla (atual Istambul) ou China para encontrar uma cidade do tamanho de Tenochtitlán, onde viviam pelo menos 200 mil pessoas. Maior que todas as cidades europeias de seu tempo.

Não só maior, mais limpa. A Sevilha do século XVI era uma pocilga, as pessoas lançavam a urina pela janela. Os mexicas tinham um sistema de adubo e as águas dos canais de Tenochtitlán eram limpas; sobre as chinampas, plataformas de plantio feitas com resíduos sedimentados, os mexicas cultivavam milho, tomate, pimentões etc.

Também é legal lembrar as palavras que todo mundo usa e que vêm do náuatle, a língua dos povos mexica, falada hoje por 1,5 a 1,7 milhão de mexicanos: chocolate, tomate, coiote, tamales, chili. Tudo isso vem do náuatle.

A queda de Tenochtitlán foi uma história relativamente rápida (três meses) por conta não só da pólvora, dos cavalos e da varíola, mas também pela aliança de Cortés com a cidade que o império asteca nunca conseguiu conquistar, Tlaxcala. 200 mil tlaxcaltecas ajudaram os 900 espanhóis na guerra. Os ataques noturnos a populações civis, usados pelos espanhóis, eram totalmente desconhecidos nas guerras do vale do México, e certamente semearam muito terror.

Os mexicas disseram aos tlaxcaltecas: “vocês podem ajudar esses caras a destruir Tenochtitlán, mas na reconstrução os escravos serão vocês”. Dito e feito. O resultado chama-se Cidade do México, construída com mão-de-obra indígena escrava.

A base da alimentação mesoamericana era vegetariana, mas não era desconhecida, nem aos povos do império asteca, nem aos maias, a criação de animais para abate: patos, perus e cachorros.

Os espanhóis ficaram horrorizados com a criação mexica de cachorros para comer. Os mexicas ficaram horrorizados que os espanhóis criassem cachorros para matar seres humanos. Os cães de ataque, além dos cavalos, foram decisivos na queda de Tenochtitlán.

Imagem: uma representação mexica do milho. Códice Florentino.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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