25/04/2024 - Edição 540

True Colors

Caçadores implacáveis do “politicamente correto”

Publicado em 12/12/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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A onda do momento é reclamar de quem reclama. “Cagador de regra” é o predicativo mais leve atribuído a quem se ofende com uma coisa negativa e não se omite em reportar. Esta semana, por exemplo, mesmo diante do visível absurdo nas declarações do deputado milico de extrema direita Jair Bolsonaro (PP-RJ), só o que teve foi quem defendesse o parlamentar. E um dos argumentos mais comuns é que – pasme! – “estamos levando muito à sério o que as pessoas falam”.

Pelo visto, pegamos pesado com Bolsonaro quando o criticamos e pedimos a cabeça dele por apologia ao estupro. Para seus defensores, o que houve foi só força da expressão (ou pior, que a deputada envolvida na discussão fez por merecer). É a violência legitimada, institucionalizada em mais uma esfera social. O horror.

Não dá pra saber se é ingenuidade ou pura preguiça das pessoas reclamarem do politicamente correto. O custo é muito alto. Chega a doer  parar para pensar 3 segundos antes de falar o que pensa. É um fenômeno que beira o inexplicável, pois o politicamente correto já existe tem um tempo. Está aí. As pessoas sabem o que é. Mas é a queixa geral da nação: estamos exagerando nessa onda de sermos certinhos.

Quer dizer, para quem defende a liberdade incondicional do falar, ser politicamente correto é um retrocesso. É que depois do surgimento das “patrulhas” (principalmente nas Internets da vida), não se pode mais fazer piada com preto, pobre, bicha, travesti,  deficiente, o que aparentemente tem deixado o planeta muito chato.

E pensar que há poucos séculos o planeta já foi considerado chato… E que isso, sim, era um retrocesso…

O pior de tudo nessa situação é ver gente que está fora dos grupos de vulnerabilidade dizendo como nós, os vulneráveis, devemos agir; o que pode ou não pode ser considerado preconceituoso. É uma falta de respeito generalizada com os locais de fala, com a legitimidade de reportar a opressão, com o conhecimento de causa, com quem sente na pele os ônus de uma declaração polêmica como a de Bolsonaro ou até mesmo uma piada “despretenciosa” do Danilo Gentilli que de alguma forma humilha alguém.

Na visão dos acomodados.com, nós, os chatos que soltam o verbo para apontar o que está errado, passamos por vitimistas e dramáticos, psicóticos que encontram discriminação em cada palavra do Aurélio.

É claro que a conta chega para quem não se omite. Na visão dos acomodados.com, nós, os chatos que soltam o verbo para apontar o que está errado, passamos por vitimistas e dramáticos, psicóticos que encontram discriminação em cada palavra do Aurélio.

E encontramos, mesmo. Faz um tempo que cortei “judiar” e “denegrir” do meu dicionário, porque compreendi que o sentido destas palavras foi construído em torno da exploração de situação degradante de grupos étnicos. É uma questão de pensar no que se fala antes de falar.

E quem pensa que os opositores ao politicamente correto são apenas heterossexuais cisgêneros e brancos se enganou feio. Dentro do movimento LGBT, o que mais tem é gente que reproduz preconceito a rodo, com a desculpa de que não se pode levar as coisas à sério demais. Enquanto isso, temos o Congresso Nacional mais conservador desde 1964, ano em que ocorreu o golpe militar que instaurou uma ditadura fascista no país. Quer dizer…

Sabemos que combater a inércia social diante da opressão tem um custo. Somos considerados chatos, mesmo. Somos excluídos dos grupos. Somos os "xiitas" das turmas, que não são convidados para a cervejinha no happy hour da firma às sextas-feiras. Ok, esse preço a gente paga, pois o silêncio sairia muito mais caro. Afinal, quem cala consente (não é assim o ditado?) e a gente não consente p.. nenhuma.

É que a coisa funciona assim: se a gente continuar a abrir exceções até mesmo para o melhor amigo, que têm o hábito de relativizar o incômodo dos outros diante de uma discriminação, seja lá em qual intensidade for, a coisa desanda a ponto de coisas ASSIM surgirem bem no meio da nossa cara.

Aliás, o maior ranço do Facebook, na minha opinião, é a página Orgulho de ser Hétero (clique no link, saiba quais dos seus contatos curte a fanpage e aproveite para deletá-los sem piedade), que em nome do humor e da liberdade de expressão, é um dos covis de machismo, misoginia e principalmente da homotransfobia mais latentes da rede social, com quase dois milhões de seguidores.

É por isso que não dá pra "dar um desconto" e se permitir soltar uma gargalhada sequer para o que está errado. Afinal, enquanto a gente ri dos problemas dos outros, é a vida que segue rindo da gente. Quem segue esse caminho não demora muito a sair na rua segurando uma placa com os dizeres "intervenção militar já".

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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