26/04/2024 - Edição 540

Poder

O julgamento da História não basta

Publicado em 29/01/2021 12:00 -

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O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.

A ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer elementos para instalação de uma CPI da Saúde.

Porém, uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros.

A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.

Sabe-se que a covid-19 é uma doença potencialmente mortal e decerto não pouparia a vida de muitos brasileiros, quem quer que fosse o chefe de governo nesta hora grave. Mas não resta a menor dúvida de que a atuação malévola de Bolsonaro foi determinante para transformar o que seria uma grave emergência sanitária em uma tragédia sem qualquer precedente na história do País nos últimos cem anos.

Em prol de seus interesses mais mesquinhos, Bolsonaro abriu mão de liderar a Nação em um de seus momentos mais dramáticos. Fez troça do destino de milhões de seus concidadãos, deixando-os à própria sorte. No entanto, não será por sua imoralidade que o presidente da República terá de prestar contas à Justiça.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro humilhou ministros da Saúde que se recusaram a prestar-lhe vassalagem. Minou os esforços de coordenação entre os entes federativos. Sabotou medidas de segurança preconizadas pela comunidade científica. Usou a alta credibilidade do cargo que ocupa para amplificar teorias estapafúrdias e desinformar a população – “O Brasil é um país tropical, aqui o vírus não será tão violento”, “o brasileiro vive pulando em esgoto e não pega nada”, entre outras barbaridades. Deixou de promover testagem em massa. Defendeu o uso de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”. Não trabalhou um dia sequer para viabilizar vacinas para os brasileiros. Não satisfeito, atacou países produtores de insumos farmacêuticos hoje imprescindíveis, como a China.

Bolsonaro, como se nota, cometeu crimes contra a administração e a saúde pública no exercício do mandato. Não é algo de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, possa se esquivar por muito mais tempo.

Ora, se o ministro da Saúde já figura como investigado em inquérito policial e em breve terá de prestar depoimento à Polícia Federal (ver editorial Hora de prestar contas, de 28/1/2021), é lógico que as ações e omissões de seu chefe também hão de ser avaliadas pelo procurador-geral.

Na sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou mais um relatório do ministro Benjamin Zymler a respeito da gestão federal da pandemia, o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da Corte de Contas, foi enfático ao tratar desse desgoverno. “A sociedade clama por vacina já. Se existem ‘terraplanistas’ no Ministério da Saúde, essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é possível que as autoridades zombem da dor dos brasileiros”, disse Dantas.

É disso que se trata. Bolsonaro subjugou o Ministério da Saúde em um momento decisivo. Em último grau, isso custou vidas e não pode ficar impune.

Brasil fez a pior gestão do mundo na pandemia, diz estudo

Nenhum país do mundo lidou de forma tão ruim com a pandemia do novo coronavírus como o Brasil, segundo um estudo publicado na quinta-feira (28) por um instituto australiano.

O Instituto Lowy, baseado em Sidney, abordou a reposta à crise em 98 países, com base em seis critérios: mortes confirmadas; casos confirmados; casos por cada milhão de habitantes; mortes por milhão de habitantes; casos em proporção à testagem; testes por cada mil habitantes.

Dentro desses critérios, o instituto colocou a Nova Zelândia como o país que deu a melhor resposta à covid-19, com fechamento de fronteiras, lockdowns pontuais e um estrito programa de testagem por parte do governo da social-democrata Jacinda Ardern.

Na outra extremidade do ranking, em último lugar, aparece o Brasil, com mais de 220 mil mortes confirmadas, provável subnotificação de casos e um governo de extrema direita que, durante toda a pandemia, minimizou seus perigos e ignorou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Na parte debaixo do ranking, antes do Brasil, aparecem México, Colômbia, Irã, Estados Unidos e Bolívia. Na de cima, a Nova Zelândia é seguida por: Vietnã, Taiwan, Tailândia, Chipre, Ruanda, Islândia e Austrália.

O melhor país latino-americano no ranking é o Uruguai, em 12º. Da União Europeia (UE), a mais bem colocada é a Letônia, na nona colocação. A Alemanha, maior economia do bloco e que conseguiu controlar a primeira onda da covid-19 com relativo sucesso, viu as mortes dispararem desde o fim de 2020 e ocupa apenas a 55ª posição na lista dos 98 países avaliados.

Bolsonaro não tarda, não falha e não desconversa, ele apenas mente um pouco

De passagem pela cidade de Propriá, na divisa de Sergipe com Alagoas, Jair Bolsonaro assumiu o compromisso de vacinar toda a população brasileira contra a Covid "em um curto espaço de tempo." Hã, hã.

Tempo, numa pandemia, não é dinheiro. É vacina. A procura por imunizantes é "muito grande", declarou Bolsonaro, antes de realçar que o governo já firmou compromissos com "vários laboratórios". Heimmm?!?!?

O Plano A era vincular a imagem do governo à prestigiosa logomarca de Oxford, colocar a Fiocruz para fabricar a vacina da AstraZeneca e iniciar a vacinação no alvorecer de 2021.

O Plano B era, era, era… Não havia Plano B. O capitão e seus generais não tinham nenhum plano de contingência. Tiveram de improvisar um Plano B em cima do joelho. Compraram às pressas do Butantan a "vachina" CoronaVac.

Vale a pena escutar Bolsonaro. Estufando o peito como uma segunda barriga, ele discursou em Propriá: "A Europa e alguns países aqui da América do Sul não têm vacina. E nós sabemos que a procura é muito grande."

Prosseguiu: "Nós assinamos convênios, fizemos contratos e compromissos, desde setembro do ano passado, com vários laboratórios. As vacinas começaram a chegar. E vão chegar, para vacinar toda a população em um curto espaço de tempo."

O que Bolsonaro fez no ano passado —em outubro, não em setembro— foi ordenar ao general Eduardo Pazuello, suposto ministro da Saúde, que rasgasse o contrato que previa a aquisição de 46 milhões de doses da "vacina chinesa do João Doria."

Em novembro, instado por Doria a dizer se compraria a vacina refugada por Bolsonaro, Pazuello respondeu como se estivesse no mundo da Lua: "Se houver demanda…"

Agora, o Butantan e o governo de São Paulo pedem à pasta da Saúde que informe até o final de semana se vai comprar um segundo lote com 54 milhões de doses da CoronaVac. E o ministério insinua que só vai decidir no final de maio.

De duas, uma: Ou Pazuello e sua equipe discordam de Bolsonaro —"A procura é muito grande…"— ou o governo federal decidiu provar ao mundo que é errando que se aprende… A errar.

Alguém precisa suspender o leite condensado servido no café da manhã do Alvorada. Do contrário, Bolsonaro continuará enxergando a terra arrasada da pandemia como uma conjuntura edulcorado.

O presidente se espanta cada vez menos. Suprimiu dos seus hábitos o ponto de exclamação. Os mortos da Covid já ultrapassaram a marca dos 220 mil e Bolsonaro não faz a concessão de uma surpresa.

No discurso de Sergipe, Bolsonaro voltou a pregar contra o isolamento social. "O povo brasileiro é forte, não tem medo do perigo", disse.

Na véspera, o orador havia declarado que a pandemia era coisa inventada. O capitão tornou-se um presidente sui generis. Não tarda, não falha e não desconversa. Só mente um pouco.

Os fatos teimam em contrariar as falas do presidente

O dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que “está fazendo a coisa certa e que não é fácil fazer a coisa certa “foi também o dia em que ele, em live no Facebook, reforçou o desejo de que as torcidas voltem a frequentar os estádios. Em suas palavras: “Temos que voltar a viver, pessoal. Sorrir, fazer piada, brincar. Voltar (o público) nos estádios de futebol o mais cedo possível, que seja com uma quantidade menor, 20%, 30% da capacidade do estádio.”

Foi também o dia em que Bolsonaro aconselhou a um grupo de devotos admitido nos jardins do Palácio da Alvorada: “Se eu fosse um dos muitos de vocês, obrigados a ficar em casa, ver a esposa com três, quatro filhos, e eu não ter, como chefe do lar, como levar comida para a casa, eu me envergonharia. Sempre disse que a economia anda de mãos dadas com a vida.”

E foi também o dia que em visita a Propriá, na divisa entre Sergipe e Alagoas, ele discursou para uma pequena multidão: “A Europa e alguns países aqui da América do Sul não têm vacina. Sabemos que a procura é grande. Nós assinamos convênios, fizemos contratos desde setembro do ano passado com vários laboratórios. As vacinas começaram a chegar. E vão chegar, para vacinar toda a população em um curto espaço de tempo.”

Nesse dia, o Brasil registrou o terceiro maior número de novas mortes por covid-19 em um intervalo de 24 horas. Foram 1.439 óbitos e 60.301 novos casos da doença. No total são 221.676 óbitos até agora e 9.060.786 pessoas contaminadas.

E o Instituto Butantã revelou que tem 54 milhões da vacina Coronavac em estoque, mas que o governo federal não quer dizer se irá comprá-las ou não. Há Estados e países interessados em comprar, mas o silêncio do Ministério da Saúde é um empecilho.

E o Lowy Institute, centro de estudos baseado em Sydney, na Austrália, apontou em relatório que o Brasil foi o país que teve a pior gestão pública durante a pandemia. Ficou na última posição entre 98 governos avaliados.

Ainda nesse dia, recém-nomeado assessor especial do Ministério da Saúde, o general Ridauto Fernandes afirmou que Manaus tem quase 600 pacientes de Covid-19 na fila de atendimento e que, caso evoluam para quadros graves, “vão morrer na rua”.

Em reunião da comissão externa do coronavírus na Câmara dos Deputados, Fernandes enfatizou que o gargalo está na falta de oxigênio. “Abre o leito, bota o paciente e ele vai morrer asfixiado no leito. E aí, vai adiantar abrir o leito?”.

O alerta do general foi ampliado por Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, em entrevista à TV Cultura. Ao comentar a disseminação da nova variante do coronavírus detectada em Manaus, Mandetta previu:

Provavelmente, a gente vai plantar essa cepa em todos os territórios da federação e daqui a 60 dias a gente pode ter uma mega epidemia.


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