19/04/2024 - Edição 540

Poder

O preço do Centrão

Publicado em 29/01/2021 12:00 -

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Ao custo de quatro ministérios e da liberação de dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro está em vias de ter aliados no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seus candidatos, respectivamente, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caminham para serem eleitos para as presidências das duas Casas na próxima segunda-feira, dia 1º de fevereiro. Caso se confirmem essas vitórias, Bolsonaro abraça de vez a velha política que sempre criticou. E exatamente da maneira que prometeu que não o faria, liberando recursos, negociando cargos por apoio. Não é uma vitória menor para um presidente que enfrenta queda de popularidade, ainda que mantenha um patamar alto de apoio. Com ela, Bolsonaro consegue deixar um eventual processo de impeachment em stand by e pode progredir com sua pauta conservadora no Legislativo. Nesse sentido, estão previstos projetos de lei que pretendem ampliar o armamento da população, o avanço da proposta de prisão após condenação em segunda instância e a que vincula as polícias militares à União.

Na Câmara, na tentativa de frear o avanço de Bolsonaro, o principal adversário de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), usou seu padrinho político, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para denunciar a compra de votos em troca de emendas parlamentares. Nos últimos dias, Maia tem dado seguidas declarações criticando o Palácio do Planalto. Afirmou que Bolsonaro liberaria 20 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias para os parlamentares. E chegou a ligar para o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, para reclamar da tentativa de interferência do Governo.

“A forma com o Governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, reclamou Maia. “Todos estão legitimados para exercer suas funções, nenhum parlamentar pode ser prejudicado por ser a favor ou contra o Governo”.

Outro concorrente ao cargo e que tem chances quase nulas de vencer, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), reforçou esse avanço do Governo entre os congressistas. “Os deputados estão se vendendo para o Bolsonaro. Claramente trocam votos por cargos, por emendas”, disse ao EL PAÍS. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, nas últimas semanas, o Governo já abriu a torneira para abastecer prefeituras e governos indicados pelos parlamentares nas emendas extraorçamentárias. Foram 3 bilhões de reais destinados a afilhados de 250 deputados e de 35 senadores.

Com apoio dos partidos de esquerda, Rossi insiste no discurso da independência do Legislativo. A expectativa na Casa é que ele atinja cerca de 200 votos. Para ser eleito são necessários ao menos 257, entre os 513 deputados. Já Lira, conta com aproximadamente 240. Nessa contabilidade, deve haver segundo turno. Há pelo menos outros seis concorrentes ―Frota, Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (AVANTE-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel Van Haten (NOVO-RS) e Capitão Augusto (REP-SP).

Além das emendas palacianas, Lira tem dito aos seus eleitores que terá o poder de indicar até quatro ministros, além de seu séquito de assessores. É o que se chama de ministérios com porteiras fechadas onde é possível administrar primeiro, segundo e terceiro escalões. Na conta estariam os ministérios da Saúde, do Turismo e mais dois que ainda estão sendo discutidos. Para acomodar o grupo de Lira, o Centrão, há ainda a possibilidade de se recriar o Ministério da Previdência, que hoje está sob o guarda-chuva da Economia.

“O Lira joga com a máquina do Governo em seu favor, que culminaria até em uma reforma ministerial”, diz o cientista político Leonardo Barreto. Como seu ativo, ainda é apontado o fato de conhecer “a alma dos deputados do baixo clero”, como diz esse especialista, e por ser um “cumpridor de acordos”. “É aquela coisa de fio do bigode. Por isso, o Centrão está hermético com ele”.

Os ventos do Centrão

Em Brasília, o Centrão costuma seguir dois ventos: o da aprovação/rejeição popular e o do dinheiro. Onde houver recursos, lá estará esse grupo. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, assim como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República tiveram a digital desse grupo fisiológico. Na prática, isso quer dizer que, nas atuais circunstâncias, uma destituição de Bolsonaro dificilmente ocorrerá com Lira no comando da Câmara. Já há ao menos 63 pedidos de impeachment esperando a análise do presidente da Casa. Só haverá uma mudança de rumos se as duas condições primeiras para o Centrão mudem: as promessas ao grupo não sejam cumpridas e Bolsonaro sofrer uma desidratação severa de aprovação.

Ainda assim, o termo impeachment voltou ao vocabulário de Brasília, ao menos como instrumento de pressão. Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que irá exonerar o chefe da assessoria parlamentar da Vice-Presidência da República, Ricardo Roesch, depois que o site Antagonista revelou que ele trocou mensagens com o chefe de gabinete de um deputado federal sobre articulações no Congresso Nacional para um eventual impedimento de Bolsonaro. É bom estarmos preparados”, diz uma das mensagens. Roesch diz que as mensagens não são suas, mas Mourão não cedeu: “Esse assessor avançou o sinal”.

Na quarta-feira, Bolsonaro admitiu que tinha o objetivo de influir na eleição da Câmara. Disse ainda que Lira seria “o segundo homem na linha hierárquica do Brasil” ―na verdade, é o terceiro e com problemas porque é réu em ações penais, e Bolsonaro pulou justamente o vice Mourão da sua conta. Quando indagado sobre essa afirmação do mandatário, Lira disse que “na presidência da Câmara ninguém influi”. “Se eleito, serei independente, altivo, autônomo e harmônico”, afirmou o parlamentar nesta quinta.

Baleia é classificado como uma pessoa com pouca experiência e que ficou presa a Maia, que demorou a definir o seu candidato. “Em seu favor ele tem apoio de 20 dos 27 governadores que entendem que ele terá mais condições de encaminhar uma reforma tributária que seja benéfica aos Estados”, avalia Barreto.

As diferenças entre eles podem ser vistas nas postagens que fazem nas redes sociais. O discurso de Lira é dirigido aos deputados. “Para simplificar: eu sou o candidato da palavra cumprida e do aperto de mão”, disse em uma mensagem o membro do PP. Enquanto que Baleia fala para o público externo e reforça a necessidade de se desvincular do Planalto. “Quem se incomoda com o protagonismo da Câmara nos últimos tempos, na verdade, deseja um Parlamento de joelhos para o Executivo. Somos diferentes”, afirmou.

Dobradinha Bolsonaro-Alcolumbre

No Senado, a atuação do presidente conta com o apoio e a articulação do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O candidato deles, Rodrigo Pacheco, já conta com apoio de mais de 45 dos 81 senadores, o que seria suficiente para garantir a eleição. O número pode ultrapassar os 50 votos. Parte desse suporte ocorreu porque o MDB rachou e abandonou a própria candidata, Simone Tebet (MDB-MS). Neste caso, a cisão ocorreu porque Pacheco e Alcolumbre negociaram com emedebistas um cargo na Mesa Diretora e a presidência de comissões relevantes da Casa, como a de Constituição e Justiça.

Nesta quinta-feira, ela manteve sua candidatura, dizendo que seria uma candidata independente. Reforçou que o jogo atual é muito pesado. E, sem citar nomes afirmou: “Quererem transformar o Senado da República em um apêndice do Executivo”. A imagem de sua entrevista coletiva simbolizava exatamente o momento em que ela vive. Estava sozinha. No dia em que o MDB anunciou que apresentaria o seu nome para a disputa, ela estava cercada de correligionários.

Dois anos atrás, quando abriu mão de ser candidata para apoiar o atual presidente em uma apertada disputa com Renan Calheiros (MDB-AL), Tebet ouviu as seguintes palavras de Alcolumbre da tribuna do Senado: “Se você tivesse vencido em sua bancada, eu não estaria aqui [disputando a presidência]”. No mesmo discurso, disse que ela era “gigante, uma guerreira”. Agora, foi ele quem articulou para derrubá-la.

“Ela é a candidata de um grupo que diz ser diferente e que ajudou a eleger Alcolumbre. Agora, esse grupo está órfão, depois que o atual presidente cedeu aos antigos grupos que sempre comandaram o Senado”, diz o cientista político Leonardo Barreto.

A união Pacheco/Alcolumbre/Bolsonaro conseguiu ainda reunir antagonistas na política nacional. No mesmo barco estão o senador Flávio Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente e investigado pelo esquema de rachadinhas, Ciro Nogueira, o presidente do PP que é investigado por corrupção, e estridentes opositores do Planalto, como senadores do PT, da REDE e do PDT, que volta e meia bradam por impeachment.

Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), essa insólita união é pontual, representa um rechaço de seu partido a Simone Tebet e a uma aprovação à garantia que Pacheco teria dado à oposição para ocupar espaços em comissões e ter voz no plenário. “Uma coisa é a política eleitoral daqui para fora. A outra é a que ocorre aqui. Nossas diferenças ideológicas não estão em jogo nesta eleição”, afirmou Carvalho.

O preço do centrão: uma análise

Mais uma vez a imprensa e os adversários pinçam um fato para criticar, maliciosamente, o presidente da República. Reagindo ao "ato midiático" do governo de São Paulo, que cobra uma definição sobre a compra de 54 milhões de doses adicionais da CoronaVac, o Ministério da Saúde informou que não tem pressa. Decidirá até o final de maio. O mundo caiu sobre a cabeça de Jair Bolsonaro. Uma injustiça. São compreensíveis as razões do capitão.

Bolsonaro decerto está preocupado com a ruína fiscal do Estado, agravada pela pandemia. Em 2019, antes do coronavírus, o déficit nas contas públicas foi de R$ 95,1 bilhões. Em 2020, o buraco virou uma cratera histórica: R$ 743,1 bilhões. Ou 10% do PIB. O país está endividado até a raiz dos cabelos de todos os brasileiros. Inclusive os calvos. É natural que Bolsonaro, frequentemente tachado de populista, esteja preocupado com a saúde das contas nacionais.

Antes de decidir sobre a compra das vacinas, o presidente precisa orçar o valor do apoio legislativo do centrão. A turma do toma lá, dá cá anda com código de barras na lapela. Há uma frenética remarcação de preços. Os 63 pedidos de impeachment inflacionaram o mercado da baixa política. Na disputa pelo comando da Câmara e do Senado, os votos estão pela hora da morte.

É fúnebre o quadro da pandemia. O Brasil voltou a amargar uma média diária de mortes acima de mil. Nesta quinta-feira, os cadáveres da Covid foram contados em 1.439. A pilha de corpos ultrapassou a marca de 221 mil. A maioria dos brasileiros sonha com a vacina. Bolsonaro já declarou que não cogita vacinar-se. Mas não abre mão de imunizar o seu mandato.

O Brasil pós-redemocratização elegeu cinco presidentes: Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro. Dois foram enviados para casa antes de concluir o mandato: Collor e Dilma. Uma taxa de mortalidade de 40% —oito vezes maior do que o índice de letalidade da Covid-19 no Amazonas: 5%. A proliferação de pedidos de impeachment empurra o governo Bolsonaro para o grupo de risco.

Caindo o capitão, o índice de mortalidade política dos presidentes brasileiros subiria para 60%. Para evitar o massacre, os operadores do Planalto percorrem o Congresso sem máscara. Articulam a eleição do líder do centrão Arthur Lira na Câmara. Para o comando do Senado, Rodrigo Pacheco, da ala do DEM que valoriza uma "boquinha".

O centrão e seus congêneres, como se sabe, não perdem por esperar. Ganham. Na campanha, o centrão foi agredido por Bolsonaro. Mas não costuma ficar com raiva. Fica com tudo. A blindagem parlamentar custará caro. Natural, portanto, que o governo retarde a decisão sobre a compra das doses adicionais de CoronaVac. Antes de comprar a "vacina chinesa do João Doria", Bolsonaro quer esmiuçar o preço da imunização do seu mandato.

O ministro Paulo Guedes (Economia) deve estar orgulhoso da responsabilidade fiscal exibida pelo chefe.

Para os partidos políticos brasileiros, a coerência é apenas um outro nome para oportunismo. Isso fica ainda mais explícito na disputa pelas presidências do Senado e da Câmara. No gogó, partidos como o PT de Lula e o PDT de Ciro Gomes pregam o impeachment de Jair Bolsonaro. Na briga pelo comando do Senado, as bancadas do PT e do PDT estão fechadas com o candidato do Planalto, o favorito Rodrigo Pacheco, do DEM, que não tem a mais remota intenção de articular a queda de Bolsonaro.

Na Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, faz pose de oposição a Bolsonaro. No Senado, o DEM de Davi Alcolumbre não executa um mísero movimento sem combinar com Bolsonaro. Na Câmara, o MDB simula independência patrocinando a candidatura de Baleia Rossi, contra a postulação do líder do centrão Arthur Lira, o preferido de Bolsonaro. No Senado, o mesmo MDB rifa a candidatura de sua filiada Simone Tebet para se associar à caravana governista de Rodrigo Pacheco.

Noutros tempos, os partidos costumavam representar os interesses de grupos ou corporações. Hoje, representam apenas os seus próprios interesses. Na sucessão do Legislativo, estão de olho nas boquinhas. Os supostos oposicionistas negociam cargos nas Mesas diretoras do Senado e da Câmara. Os governistas beliscam também pedaços do Orçamento da União e poltronas na máquina federal. Bolsonaro joga o jogo. Eleito em 2018 como político antissistema, torna-se um presidente sistêmico.

Há no Brasil 33 partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral. Desse total, 27 legendas ocupam assentos no Congresso. Um país que tem tantos partidos não tem partido nenhum. O sistema partidário brasileiro está apinhado de legendas que perderam a função. Tornaram-se superestruturas 100% financiadas pelo déficit público. A sucessão interna do Congresso escancara o cinismo partidário.


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