26/04/2024 - Edição 540

Especial

Impeachment

Publicado em 22/01/2021 12:00 -

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Em geral, grandes adversidades oferecem aos governantes a oportunidade de exercer uma liderança que, em tempos normais, dificilmente ocorreria. Não é preciso realizar feitos extraordinários. Muitas vezes um comportamento mediano é capaz de assegurar, numa grande crise, novo patamar de reconhecimento a muitos governantes. Jair Bolsonaro, no entanto, conseguiu o exato oposto.

Em vez de representar uma oportunidade de aplainar resistências e consolidar uma natural liderança – afinal, vigora no País o regime presidencialista –, a pandemia do novo coronavírus significou, para Jair Bolsonaro, uma multiplicação do número de pedidos de impeachment.

Desde 2019, 61 denúncias contra Jair Bolsonaro a respeito de crimes de responsabilidade foram protocoladas na Câmara dos Deputados. Desse total, 54 foram apresentadas depois de março de 2020, quando começou a pandemia no País.

No futuro, historiadores vão querer estudar e entender como o presidente Jair Bolsonaro realizou esse feito. O fato é que ele conseguiu. No meio de uma pandemia, com inúmeras preocupações e desafios a serem enfrentados, cidadãos das mais diversas orientações políticas e ideológicas, bem como partidos e entidades, viram-se na obrigação de denunciar o presidente da República por crime de responsabilidade.

Em tese, o impeachment deveria ser a última coisa a se pensar numa pandemia. Com um vírus mortal circulando pela sociedade, a causar morte e sofrimento e a exigir sérias restrições da atividade social e econômica, não se deveria cogitar de afastar do cargo o presidente da República. Esse raciocínio foi, no entanto, inteiramente invalidado pela conduta de Jair Bolsonaro. Suas ações e omissões na pandemia impuseram à Nação uma nova preocupação, dentro de um quadro que já era bastante desafiador.

Não se diga que essa reação foi apenas nos primeiros meses da pandemia, nos quais poderia haver alguma perplexidade do poder público perante um fenômeno completamente novo. Mesmo agora, com protocolos bem consolidados pela comunidade internacional e vacinas contra a covid-19 aprovadas, o presidente Jair Bolsonaro continua se mostrando completamente incapaz de lidar responsavelmente com a crise sanitária.

A reiterada conduta de Jair Bolsonaro motivou, por exemplo, a apresentação por cinco partidos da oposição (PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB) de uma nova denúncia coletiva, baseada, entre outros pontos, na morte por falta de oxigênio de pacientes no Amazonas e no Pará.

Esse excepcional conjunto de pedidos de impeachment durante a pandemia não pode ser ignorado. Entre outras coisas, manifesta que o sistema de controle amplo dos crimes de responsabilidade, previsto no Direito brasileiro, está funcionando. Segundo a Lei 1.079/1950, qualquer cidadão pode denunciar o presidente da República ou ministro de Estado por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados.

Dos 61 pedidos de impeachment apresentados desde janeiro de 2019, apenas 5 foram arquivados, por descumprimento de requisitos formais, como a falta de assinaturas. Existem, assim, 56 pedidos sobre a mesa do presidente da Câmara dos Deputados, a quem compete verificar o preenchimento dos requisitos legais e, se for o caso, submetê-los à apreciação de comissão especial, composta por representantes de todos os partidos. O caráter especial dos tempos atuais – apesar do início da vacinação, o País ainda está distante de vencer a pandemia – não deve significar a inviabilidade, por princípio, de qualquer pedido de impeachment.

A maioria das denúncias contra o presidente da República por crime de responsabilidade ocorreu precisamente em função de sua conduta no enfrentamento da crise sanitária. Depois de quase um ano de pandemia, Jair Bolsonaro deu mostras mais que suficientes de que não vai mudar. O Direito e a Política dispõem de instrumentos para sanar essas situações. Que o presidente da Câmara não tenha receio de usá-los. O País não pode ficar refém de alguém que despreza não apenas a Constituição, mas a vida e a saúde de sua população.

A alternativa a Bolsonaro

Está claro para um número cada vez maior de cidadãos que Jair Bolsonaro não reúne mais condições de continuar na Presidência e que sua permanência no poder põe em risco a vida de incontáveis brasileiros em meio à pandemia de covid-19, em razão de sua ignominiosa condução da crise. O mais inepto presidente da história da pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional.

Essas condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso do bolsonarismo.

Nunca é demais lembrar que o bolsonarismo só triunfou na campanha presidencial de 2018 porque as forças de centro não foram capazes de apresentar uma alternativa eleitoralmente poderosa ao PT, enquanto Jair Bolsonaro falava abertamente em “fuzilar” petistas. Depois de tantos anos de lulopetismo, o eleitorado se deixou seduzir pela “autenticidade” de Bolsonaro, que espertamente se apresentou como o único capaz de derrotar Lula da Silva e impedir a volta do PT ao poder.

Faltou aos partidos tradicionais compreender as aflições de milhões de brasileiros frustrados com a falta de perspectiva de crescimento pessoal e indignados com tantas promessas descumpridas pelos políticos, em especial depois da passagem pelo poder dos mercadores de ilusão liderados pelo demiurgo de Garanhuns. Historicamente, esses cidadãos formam a clientela preferencial dos populistas, com suas soluções fáceis e radicais – muitas vezes em detrimento dos pilares institucionais que sustentam a democracia.

Assim, a tarefa dos partidos genuinamente interessados na manutenção da democracia e na criação de condições para o crescimento sustentado do País é muito mais complexa: a política tradicional deve ser capaz de convencer os eleitores de que é preciso fazer sacrifícios para que haja desenvolvimento e, sobretudo, de que não se alcançam soluções reais para os problemas, dos mais comezinhos aos mais graves, fora da concertação política proporcionada pelo debate público legitimado pelas instituições democráticas. Ou seja, a negação do bolsonarismo.

Não será nada fácil – especialmente tendo em vista a qualidade sofrível de muitas das atuais lideranças políticas –, mas a crise brasileira não admite acomodação ou discursos vazios. Não basta ir às redes sociais para atacar Bolsonaro e cobrar o impeachment; é preciso construir um discurso político forte o bastante para reduzir a clientela do presidente e oferecer uma alternativa concreta aos desencantados que ele cooptou.

Como disse em entrevista ao Estadão o cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O que é populismo?, “não é suficiente dizer ‘não somos Trump’ ou algum outro autoritário”, em referência ao ex-presidente norte-americano Donald Trump e seus discípulos, como Jair Bolsonaro. “É preciso oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas.”

Além disso, enfatizou Müller, as elites “precisam ter a coragem de romper com os populistas”. As elites a que se refere o estudioso alemão são aquelas que, voltadas exclusivamente para seus interesses privados, emprestam seu peso socioeconômico a um governo que, a título de salvar o Brasil do comunismo e do lulopetismo, se notabiliza pela indecência e pela irresponsabilidade.

Ao mesmo tempo, é preciso reformar o que Müller chama de “infraestrutura crítica da democracia”, especialmente o sistema político, para torná-lo mais representativo do conjunto dos cidadãos, e valorizar a informação de qualidade contra a usina de patranhas disseminadas por redes sociais. Sem isso, eleitores continuarão a se encantar com a mendacidade patológica de Bolsonaro, dando sobrevida política a quem já deveria ter sido banido da vida pública há muito tempo.

Grupos de direita e esquerda convocam carreatas pela saída de Bolsonaro

Com o agravamento da crise do coronavírus e a dificuldade do governo federal de agilizar uma ampla campanha de vacinação, pela primeira vez movimentos de esquerda e direita convocaram carreatas neste fim de semana (23 e 24) em diversas cidades do país com uma pauta em comum: pressionar o Congresso Nacional a iniciar um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.

O formato de carreatas, que acaba excluindo grande parte da população que não é motorizada, foi escolhido para reduzir o risco de contágio da covid-19 durante os atos.

Por enquanto, as manifestações serão separadas. Grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua — organizações que protagonizaram a mobilização pela derrubada da então presidente Dilma Rousseff em 2016 — chamaram atos pelo país na manhã de domingo (24/1).

Já organizações de esquerda, como sindicatos e movimentos populares reunidos na Frente Povo Sem Medo, decidiram nesta semana convocar carreatas para sábado (23/1).

Em cidades como Belo horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, essa mobilização da esquerda está convergindo com a convocação iniciada na semana passada por integrantes do movimento Acredito — grupo de renovação política que não se coloca como de direita ou esquerda, mas como uma organização progressista, e do qual fazem parte os deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Lucas Paulino, integrante do movimento Acredito em Belo Horizonte que iniciou essa mobilização pelo Twitter, contou que foi feito contato com o MBL tentando unificar as manifestações no sábado, mas os grupos de direita preferiram manter sua programação original.

Adelaide Oliveira, porta-voz do MBL, disse à reportagem que a recusa não foi por divergência ideológica, mas pelo fato de o movimento reunir em São Paulo muitas pessoas do setor de comércio que trabalham sábado e, por isso, preferem atos aos domingos. Já o Acredito e a Frente Povo Sem Medo não quiserem marcar no domingo por causa da segunda etapa do Enem, que ocorre em todo o Brasil a partir de 13h30.

Para Oliveira, é possível que no futuro grupos com diferentes visões ideológicas compartilhem a rua contra Bolsonaro. "Eu consigo imaginar plenamente a avenida Paulista com várias pautas (visões ideológicas) e a esquerda no seu lugar, no seu papel ali, em torno da mesma pauta (de impeachment do Bolsonaro)", disse, ao ser questionada sobre essa possibilidade pela reportagem.

Pontos de aproximação e divergências

Conversando com lideranças dos diversos movimentos, a reportagem encontrou como motivação em comum na defesa da queda do presidente a indignação com a falta de uma ampla campanha de vacinação para imunizar a população contra o coronavírus, além do agravamento da crise com a escassez de oxigênio em Manaus e outras cidades do Norte do país para tratar pacientes com covid-19, o que já levou dezenas de pessoas a morrerem sufocadas.

No entanto, a reportagem identificou também resistências à convergência de grupos que têm estado em campos opostos desde 2016.

Por um lado, lideranças de esquerda querem atos com agendas mais amplas, que, além de pedir impeachment e vacinação, cobrem mudanças na política econômica liberal e a volta do auxílio emergencial, pautas rejeitadas pelos movimentos de direita, que defendem redução do rombo fiscal e do tamanho do Estado.

Do outro lado, a convocação do Vem Pra Rua e do MBL se coloca como apartidária e pede que os manifestantes levem apenas a bandeira do Brasil, excluindo bandeiras de partidos ou movimentos sociais. Para a esquerda, esse tipo de postura "criminaliza a política" e alimentou a vitória de Bolsonaro em 2018.

Embora a tentativa de unificar os atos neste fim de semana não tenha obtido êxito, integrantes do Acredito esperam que a proposta "amadureça" após os atos de sábado, caso as carreatas "sejam um sucesso".

Eles citam como inspiração o movimento Diretas Já, que no início dos anos 1980 uniu diferentes partidos e grupos políticos a favor do fim da ditadura militar e da volta da eleição direta para presidente. Em abril de 1984, um comício em São Paulo com a participação de Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizolla e Ulysses Guimarães atraiu centenas de milhares de pessoas.

"Propomos uma manifestação suprapartidária, que inclua todo mundo que é oposição a Bolsonaro, de forma plural, sem preconceitos, sem distinção ideológica. Eu acho que o ideal é que todo mundo esteja na mesma rua. A gente precisa construir maioria (em favor do impeachment), e a maioria não vai vir nem só da direita, nem só da esquerda", diz Lucas Paulino.

"Gostaríamos de conseguir colocar na mesma mesa a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MBL para conversar e sair dali com um consenso pra impeachment", disse também Marco Martins, que está em contato com lideranças dos movimentos de esquerda e direita em São Paulo.

A mobilização para sábado teve início com um tuíte de Paulino propondo a carreata em Belo Horizonte — a partir daí foram criados grupos no WhatsApp e o Telegram para organizar atos em diferentes cidades.

A partir da unificação com a mobilização da Frente Povo Sem Medo, há atos previstos em ao menos 25 municípios das cinco regiões do Brasil, incluindo Brasília, Belém, Rio Branco, Porto Alegre, Curitiba e João Pessoa.

"Acho que é positivo que todos os setores se manifestem pelo impeachment nesse momento. Isso mostra a ampliação do desgaste do governo Bolsonaro. Diversos setores têm dito que, nesse momento, a luta pelo impeachment é uma luta para retomar a democracia no país e para retomar também condições sanitárias mínimas no combate à pandemia", afirma Josué Rocha, que integra a Frente Povo Sem Medo e é da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

"Esse debate (sobre atos unificados com grupos de direita) ainda vai se desenrolar, naturalmente, mas existem pautas bastante diferentes, principalmente sobre direitos dos trabalhadores, que vão provavelmente dificultar essa ação mais unitária", ressaltou.

A secretária-geral da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Carmen Foro, tem posicionamento semelhante — ela não descartou uma convergência mais à frente, mas enfatizou a diferença de agendas políticas.

"Há uma janela importante aberta de pedido de saída do Bolsonaro, por vários setores, por interesses diferenciados, mas tem uma janela aberta. Vamos fazer no sábado e eles no domingo. Dessa vez não serão carreatas antagônicas, serão carreatas que acumulam para um projeto futuro", acrescentou.

Torcidas organizadas, que realizaram atos "em defesa da democracia" em junho, não estão convocando para as carreatas do fim de semana porque a maioria dos seus integrantes não têm carro, disse Danilo Pássaro, integrante da Somos Democracia, grupo que reúne 14 torcidas organizadas.

Segundo ele, o grupo continuará realizado ações pontuais buscando dar "visibilidade" à campanha pelo impeachment, como o ato realizado no último domingo em São Paulo, em que uma faixa gigante "Fora Bolsonaro" foi levada para o Minhocão, no centro da cidade, gerando um panelaço na região. Na terça, a mesma faixa foi levada pelo movimento para Brasilândia, na zona norte paulistana.

Vem pra Rua é o mais recente a embarcar no impeachment

Dentro da esquerda, há pedidos pelo impeachment desde 2019, enquanto o MBL entrou nesse coro em abril do ano passado. Já o Vem Pra Rua está pela primeira vez mobilizando seus seguidores pela retirada de Bolsonaro, motivado pela falta de uma ampla campanha de vacinação.

No último dia 17, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial de duas vacinas — a da Astrazeneca/Oxford e a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, órgão do Estado de São Paulo.

No entanto, somente a vacinação com a Coronavac começou, ainda assim com apenas 6 milhões de vacinas, devido à dificuldade do Butantã e da Fiocruz (que produzirá a da Astrazeneca/Oxford) de conseguir importar insumos ou vacinas prontas da China e da Índia, problema que os críticos do governo atribuem à incompetência diplomática da administração Bolsonaro.

Além disso, o governo demorou a buscar outros fornecedores, como Pfizer, cuja vacina já está sendo usada em dezenas de países.

"Com todas as evidências que vieram à tona no manuseio da vacina, fica mais do que caracterizado o crime de responsabilidade de Bolsonaro de não zelar pela segurança e por direitos individuais do brasileiro. Isso começa a trazer de forma mais explícita quais são as consequências dos atos atuais de Bolsonaro: mais desemprego e mais mortes", disse Rogério Chequer, líder do Vem Pra Rua, que declarou voto em Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018.

"O que estamos observando em termos de cenário é que uma enorme parte da população que antes simplesmente não gostava de Bolsonaro hoje está revoltada com Bolsonaro. O que a gente vê hoje é um aumento no nível da revolta da população, do inconformismo. E esses componentes, quando começaram a aparecer no impeachment de Dilma, começou a aumentar a velocidade do processo", compara.

Ele também descartou, no momento, a realização de atos conjuntos entre esquerda e direita por serem " movimentos com premissas de governo completamente diferentes".

"Estamos num momento onde a gente precisa de mais união e menos polarização. Eu acho que dois movimentos que não têm a mesma convergência política podem estar defendendo a mesma coisa. Se vão estar fisicamente um ao lado do outro, isso eu acho que é menos importante", acredita.

Aliança com Centrão pode proteger Bolsonaro

Apesar das dezenas de pedidos de impeachment, um processo só pode ser iniciado pelo presidente da Câmara, e o atual, Rodrigo Maia, disse não ter levado a ideia adiante argumentando que o foco do Congresso deveria estar no enfrentamento da pandemia.

No início de fevereiro, a Câmara elege seu sucessor e os candidatos que aparecem com mais condições de vencer são os deputados Arthur Lira (PP-AL), que concorre com apoio de Bolsonaro, e Baleia Rossi (MDB-SP), que é apoiado por Maia e tem se colocado como independente do governo.

Grupos defensores do impeachment têm pressionado parlamentares também pelas redes sociais. A conta no Twitter @sosimpeachment está contabilizando a posição dos deputados e, até a manhã de quinta-feira (21), indicava haver 111 favoráveis ao afastamento de Bolsonaro, 58 contra e 344 sem posicionamento público.

A Câmara só autoriza o afastamento de um presidente para ser julgado pelo Senado quando há 342 votos pelo impeachment. Hoje, Bolsonaro parece ter uma base capaz de impedir esse cenário — após um início de governo com embates com o Parlamento, a partir de maio de 2020 o presidente passou a fortalecer sua aliança com partidos do Centrão, trocando apoio político por indicações para cargos na administração federal.

Na avaliação de Rogério Chequer porém, "o nível de fidelidade dele (Bolsonaro) e do Centrão é muito baixo", podendo essa aliança se romper a depender das circunstâncias políticas e da pressão popular contra o presidente.

Além da aliança política, o apoio que Bolsonaro mantém com parte da sociedade pode ser um empecilho para o andamento do impeachment. Sua popularidade atingiu seu auge em meados de 2020, puxada pelo programa de auxílio emergencial. Pesquisas de opinião mostram que a avaliação positiva vem caindo a partir do final do ano passado, mas ainda não estão em patamares tão baixos quanto a de Dilma Rousseff atingiu quando a petista foi derrubada.

Segundo pesquisa Ibope de dezembro, o governo Bolsonaro era avaliado como bom ou ótimo por 35% da população contra 40% três meses antes. Já pesquisa XP/Ipespe divulgada no último dia 19 mostrou que a avaliação de Bolsonaro como ótimo e bom caiu de 38% para 32%, enquanto o ruim e péssimo subiu de 35% para 40%.

Nos últimos dias, apoiadores de Bolsonaro reagiram à mobilização pelo impeachment com a hashtag #QueroBolsonaroAte2026, enquanto os apoiadores das carreatas usaram #dia23ImpeachmentJa e #CongressoPauteOImpeachment.

Para o cientista político Carlos Eduardo Bellini Borenstein, o colapso do sistema de saúde pública de Manaus (AM) e a vitória da narrativa do governador de São Paulo (SP), João Doria (PSDB), podem influenciar a opinião pública.

“O ambiente de comoção verificado na sociedade com os tristes acontecimentos de Manaus explicitou os equívocos do governo federal na gestão da pandemia. Antes, esse sentimento era muito concentrado nas ‘bolhas’ do campo progressista. Agora, a narrativa anti-bolsonarista ‘furou a folha’. Além da esquerda, lideranças do Partido Novo, do Movimento Brasil Livre, do Vem Pra Rua, entre outros, passaram a defender publicamente o impeachment do presidente e abraçaram a bandeira do “Fora Bolsonaro”, opina.

Para Borenstein, é preciso aguardar para sabermos se esta onda transbordará das redes sociais para as ruas, levando a uma mobilização maior em favor do impeachment de Bolsonaro. “No entanto, há sinais que o colapso do sistema de saúde de Manaus consolidou em um segmento da sociedade um sentimento anti-bolsonarista militante”, diz.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, de 78 anos, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que, do ponto de vista jurídico, o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade que justificariam um processo de impeachment contra ele.

Além de criticar a conduta de Bolsonaro frente a pandemia, Britto destaca que as atitudes do presidente diante da crise sanitária que o mundo enfrenta sinalizam um caminhar na contramão da Constituição.

“O povo diz ‘saúde é o que interessa, o resto não tem pressa’, a Constituição, que saúde é dever do Estado e direito de todos. Salta aos olhos: ele promove aglomerações, não tem usado máscara, não faz distanciamento social. Respostas como ‘e daí?’ ou ‘não sou coveiro’ não sinalizam um caminhar na contramão da Constituição?”, questionou o ex-ministro do STF.

“Se o presidente não adota políticas de promoção da saúde, segmentos expressivos da sociedade —a imprensa à frente— passam a adverti-lo de que saúde é direito constitucional. Prioridades na Constituição não estão sendo observadas: demarcação de terra indígena, meio ambiente”, destacou na entrevista à Folha.

Ainda de acordo com o ex-ministro do STF, o impeachment é a “mais severa sanção” e “tem explicação”. “Somente se aplica àquele presidente que adota como estilo um ódio governamental de ser, uma incompatibilidade com a Constituição. É um mandato de costas para a Constituição, se torna uma ameaça a ela. E aí o país se vê numa encruzilhada. A nação diz, “olha, ou a Constituição ou o presidente. E a opção só pode ser pela Constituição’, disse.

No entanto, Britto ressalta que o processo de impeachment é uma decisão que só cabe ao Congresso. “Diria que o conjunto da obra sinaliza o cometimento de crime de responsabilidade. Porém, o processo é de ordem parlamentar”.

O que os movimentos esperam do vice Mourão?

Um eventual impeachment de Bolsonaro levaria o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva do Exército, ao comando do país. Apesar do aumento da mobilização contra o atual presidente, não há uma empolgação com um governo do vice entre os movimentos ouvidos pela reportagem.

Para Carmen Foro, da CUT, o ideal após um eventual afastamento de Bolsonaro seria que o Congresso elegesse um novo presidente da República para concluir o mandato. No entanto, isso só aconteceria se a chapa Bolsonaro-Mourão fosse cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — existem ações que questionam a legitimidade da eleição dos dois em andamento na Corte, mas sem previsão de conclusão.

"Não acho que Mourão, que os militares, é a saída política para alguma coisa", diz Foro.

Na visão de Lucas Paulino, do Acredito, a aprovação do impeachment seria uma sinalização clara para Mourão "do padrão de conduta que não é tolerada para um presidente".

"Então, se as bases jurídicas e políticas forem o extremismo antidemocrático do Bolsonaro e seu negacionismo científico, o Mourão já assumiria com essa bagagem e teria que agir de modo diferente para que não corra o risco de sofrer o mesmo processo", afirma. "Mas temos que ver se ele vai romper com o presidente e apresentar uma agenda própria. O vice tem que se colocar para sucessão até para o êxito do impeachment no Congresso."

Já para Rogerio Chequer, do Vem Pra Rua, não é a "qualidade" do vice que deve influenciar o andamento ou não de um processo de impeachment.

"A gente acredita que temos que ajudar no amadurecimento da democracia tirando aqueles governantes que não estão trabalhando para o povo, independentemente de quem seja o vice", argumenta. "Não éramos a favor de Michel Temer (vice de Dilma), não estamos fazendo nenhum movimento pró-Mourão. O que estamos fazendo é tentar tirar do poder uma pessoa que é hoje uma ameaça para o povo brasileiro."


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