28/03/2024 - Edição 540

Poder

Sem auxílio emergencial, Brasil deve ter mais de 20 milhões em pobreza extrema

Publicado em 15/01/2021 12:00 -

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Durante 2020, o pagamento do auxílio emergencial a 67,9 milhões de brasileiros ajudou a espantar a responsabilidade do governo federal pela falta de ações para combater o coronavírus e pelas mortes decorrentes disso.

Agora, com o fim do benefício, a dúvida é se uma parcela dos beneficiados ficará agradecida a Bolsonaro o suficiente até a eleição de outubro de 2022 ou se a deterioração da qualidade de vida levará embora os ganhos de popularidade trazidos pelo auxílio.

Graças ao Congresso Nacional, que pressionou o governo federal a abandonar a ideia ridícula de pagar apenas R$ 200 para trabalhador informais e desempregados durante a crise, milhões puderam segurar as pontas na primeira onda da pandemia.

E não só isso. Parte da inflação no preço de alimentos, como a carne bovina, se deve ao fato de uma massa de pessoas estarem consumindo-os regularmente pela primeira vez. A escassez de materiais de construção também é um indicador do impacto, com famílias aproveitando para colocar um vaso sanitário no banheiro ou terminar o puxadinho.

A renda básica acabou se tornando parte essencial da complexa dinâmica da pobreza, mostrando que ela deveria ter vindo para ficar.

"Erguemos os barracos com os recursos do auxílio emergencial. Muitas famílias que estão aqui não têm dinheiro por causa da covid e já haviam sido despejadas de outros lugares", afirmou à coluna Valdirene Ferreira, uma das coordenadoras de uma ocupação no Jardim Julieta, zona norte da capital paulista, que reuniu famílias que já haviam sido despejadas de outros locais por conta da crise.

Bolsonaro manteve aprovação recorde de 37% por conta do auxílio

A quantidade dos que consideram o desempenho de Bolsonaro frente ao coronavírus como ruim e péssimo partiu de 33% em março, quando ocorreram as primeiras mortes pela doença no país, até chegar a um pico de 50% no final de maio. Após isso, com os efeitos do auxílio emergencial, foi caindo até chegar a 42% em pesquisa Datafolha de dezembro.

Em agosto e dezembro, a aprovação global do governo Bolsonaro permaneceu em 37%, o melhor nível desde o início de seu mandato – era de 32% em abril. Já a desaprovação, que subiu até 44% em junho, tombou para 32% em dezembro – muito por conta da transferência emergencial de renda.

Como os brasileiros pobres não se alimentam de fake news de "mamadeira de piroca", ao contrário dos 12% a 16% da parcela bolsonarista-raiz da população, ficam dúvidas: quanto a desaprovação ao governo e à forma do presidente enfrentar a pandemia devem subir com o fim do auxílio emergencial e qual a velocidade em que isso deve acontecer?

Seu negacionismo quanto à pandemia e seu desapreço pelo meio ambiente foi afastando uma parte da classe média que o apoiava originalmente. Essa fuga foi reposta pelo apoio que recebeu de parte daqueles que recebem o auxílio, grupo que recebe até três salários mínimos, numericamente mais numeroso.

Presidente depende da base que era do lulismo para se reeleger

Mirando a conquista da base lulista e a reeleição em 2022, Bolsonaro sabe que seu futuro político depende mais de um programa de transferência de renda parrudo do que do respeito às balizas fiscais e de preocupação com o endividamento.

Há uma massa de pessoas pobres que não gosta dele, mas que é pragmática a ponto de saber que não faz sentido mudar uma situação que lhe é benéfica – ainda mais em um país que quase sempre lhe dá as costas. Mas que, assim como veio, pode partir, por não ver razões para lhe dever lealdade.

Enquanto o IBGE divulgava, no último dia 29, que o desemprego atingia 14,3% no trimestre encerrado em outubro, com 14,1 milhões procurando serviço sem sucesso, a Caixa começava a realizar o último depósito do auxílio emergencial.

A partir de agora, a grande maioria está por sua própria sorte. Desse total, 14,2 milhões voltam a receber o Bolsa Família – em média de R$ 192 mensais. Enquanto isso, cresce o número de internações e de mortes por covid-19.

Não é à toa que Jair Bolsonaro incentivou que todos mantivessem a "normalidade", voltando ao serviço mesmo nos piores momentos da pandemia. Avalia que, como tem mais gente sem trabalho do que morta pela covid, pesa mais o impacto de 14,1 milhões de desempregados do que 202 mil óbitos.

Por enquanto, ele tem repetido a recomendação de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que não há dinheiro para continuar o benefício.

Mas caso a desidratação da popularidade seja forte e a segunda onda da pandemia se estenda, ele pode muito bem mandar o ministro para a Disney.

Parlamentares defendem voltar a pagar R$ 600/mês

Mesmo em recesso, congressistas discutem a necessidade de aprovar mais um decreto de calamidade pública para retomar o pagamento do auxílio emergencial sem estourar o teto dos gastos públicos. Alguns defendem a interrupção do recesso para que isso seja colocado em votação.

Parlamentares da oposição têm defendido a manutenção do benefício no valor original – de R$ 600 para os trabalhadores informais e R$ 1200 para famílias monoparentais chefiadas por mulheres.

Se a pressão surtir efeito, o Ministério da Economia, contudo, vê pagamento semelhante à média do Bolsa Família, R$ 193 – valor próximo dos R$ 200 defendidos originalmente por Guedes para o auxílio emergencial, no início da pandemia.

Partidos de oposição afirmam que é irresponsabilidade do poder público deixar trabalhadores sem proteção, considerando que Estados e municípios estão sendo obrigado a adotar medidas de isolamento para conter o aumento de mortes pela doença.

E ressaltam que o desemprego, de 14,3% ou 14,1 milhões, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, vai subir ainda mais, em um quadro agravado pela alta da inflação nos alimentos e no aluguel.

"Urge aprovar algo nessa direção. Vamos lutar, seja para estender o auxílio, seja para aprovar um projeto de renda básica", disse Alessandro Molon, líder do PSB na Câmara dos Deputados.

"Sem isso, veremos a miséria se espalhar e o tecido social se esgarçar ainda mais. A crise econômica se aprofundará e o país não se recuperará tão cedo", analisa.

"Vamos começar primeira sessão do ano exigindo a manutenção do auxílio. E ele tem que ser de R$ 600, não de R$ 300 – basta analisar os dados econômicos para ver o efeito que teve no conjunto da economia e na vida das pessoas", afirmou à coluna Ênio Verri, líder do PT na Câmara.

"A inexistência do auxílio ou de outra política mais explícita para garantia de sobrevivência da população é o caos. O número de miseráveis e desemprego, enquanto o governo trata a pandemia apenas como um detalhe, mostra a grande crise humanitária que vivemos hoje", completa.

Auxílio emergencial entra na disputa da Presidência da Câmara

O candidato da frente organizada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) à Presidência da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP), defendeu que a busca de um financiamento para um "reforço do Bolsa Família ou uma alternativa ao auxílio emergencial" deve ser prioridade, "enquanto não tivermos a vacina". Mas que isso deve ser feito respeitando o teto dos gastos. Ou seja, reorganizando despesas.

Rossi conta com o apoio de partidos da oposição, inclusive do PT.

Seu concorrente e candidato de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que não há uma solução de curto prazo. "Eu não sou mágico. A gente não tem como propor uma solução a curto prazo, de onde vem [os recursos]?", questionou. "Eu não sei como a Câmara vai se reunir para criar imposto, no período de recesso, e resolver esse problema. Não pode fazer esse tumulto, isso aí não é brincadeira", disse.

Tornar auxílio emergencial permanente taxando super-ricos

Isso, contudo, não reduziu o interesse da oposição em aprovar um programa permanente. São vários os projetos que tramitam nas duas casas.

A líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim afirmou à coluna que o partido apresentou um projeto vinculado à taxação de grandes fortunas como fonte de financiamento. "Vamos começar o ano pedindo urgência em sua análise", diz.

O objetivo é transformar o auxílio de emergencial em benefício permanente no valor de R$ 600 para 80 milhões maiores de 18 anos e mães adolescente menores de idade.

"Para financiar a Renda Justa, propomos a implementação de um Imposto sobre Grandes Fortunas que tenham valor acima de R$ 5 milhões, com alíquotas progressivas de 0,5% até 5%, a revogação das isenções de imposto de renda sobre lucros e dividendos e o aumento da contribuição social sobre o lucro líquido das instituições financeiras para 30%", explica.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também apresentou um projeto de lei para tornar permanente o auxílio emergencial, defendendo que o Estado taxe os super-ricos para destinar recursos para a renda básica.

Ele sugere que o projeto de renda básica tenha recursos oriundos da taxação de dividendos e de grandes fortunas, mas também utilize, neste momento, as reservas cambiais brasileiras, de cerca de 350 bilhões de dólares.

O projeto, construído em conjunto com a economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University, e o vereador Eduardo Suplicy(PT), antigo defensor da ideia, prevê 50% do salário mínimo por adulto e mães adolescentes, mais 25% do salário mínimo por criança e adolescente com menos de 18 anos.

Em ambos os casos, mesmo com nova origem de recursos, a barreira do teto de gastos continua, porque ele limita crescimento de despesas por 20 anos, independente de haver mais receitas. Portanto, para a sua aprovação, a emenda à Constituição, aprovada durante o governo Michel Temer, precisa ser revista.


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