29/03/2024 - Edição 540

Poder

A Abin paralela e a profecia de 2018 do general: ‘Vai dar em impeachment’

Publicado em 18/12/2020 12:00 -

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"Isso aí vai dar em impeachment". Foi o que disse um general do Planalto quando, na fase de transição do governo Temer para o governo Bolsonaro, o filho Zero Dois do presidente, Carlos Bolsonaro, tentou instalar uma estrutura paralela à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) dentro do Palácio do Planalto.

Carlos já havia chegado a montar a equipe. Seriam três policiais federais que, chefiados pelo delegado Alexandre Ramagem, teriam a função de proteger fisicamente o presidente Bolsonaro e identificar "esquerdistas" infiltrados no palácio. Partiu do general Valério Stumpf o primeiro alerta sobre a falta de cabimento da iniciativa.

Então secretário executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), nomeado ainda no governo Temer, o general Stumpf, hoje comandante militar do Sul, lembrou que o plano do Zero Dois atropelava tanto o Gabinete de Segurança Institucional (o GSI, que tem entre suas funções zelar pela segurança do presidente da República) quanto a Abin (responsável por levantar dados sobre os servidores do governo). Em janeiro de 2019, primeiro mês do governo Bolsonaro, a ideia da Abin paralela foi descartada pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI.

Na semana passada, a revista Época revelou que a Abin enviou relatórios para as advogadas de Flávio Bolsonaro com a finalidade de ajudá-las a livrar seu cliente das malhas da Justiça anulando a ação da "rachadinha". O argumento para a anulação seria de que a ação incluiria dados fiscais de Flávio ilegalmente acessados por um grupo de funcionários da Receita Federal.

Embora a defesa de Flávio tenha confirmado à revista o recebimento dos relatórios e sua procedência (a Abin), o GSI negou que a agência de inteligência tenha produzido os documentos.

Agora, a revista Crusóe endossa a reportagem da Época e acrescenta que o responsável pelo envio dos relatórios a Flávio Bolsonaro e suas advogadas foi ninguém menos que o próprio Alexandre Ramagem, hoje diretor da Abin — que agora abrigaria em seu seio uma "Abin do B", como sempre sonhou o clã Bolsonaro.

Está nas mãos do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, determinar a investigação das denúncias feitas pelas duas revistas. Se confirmadas, elas podem não dar em impeachment, como vaticinou há dois anos o general Stumpf, mas não será por falta de gravidade.

Advogada de Flávio não seguiu orientações da Abin sobre 'rachadinha'

Luciana Pires, advogada do senador Flávio Bolsonaro no caso da "rachadinha" na Alerj, não seguiu as recomendações feitas em relatórios da Abin para obter informações da Receita Federal no "caso Queiroz".

"Não fiz nada. Não vou fazer nada do que ele [Alexandre Ramagem] está sugerindo. Vou fazer o quê? Não está no meu escopo. Tem coisa que eu não tenho controle", disse Pires em entrevista dada à Época no dia 9 de dezembro e tornada pública pela revista nesta sexta (18).

Segundo a advogada, entre as orientações vindas do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, estava o pedido para que a defesa protocolasse uma petição na Receita Federal solicitando os documentos que embasassem a suspeita de que o senador foi alvo de um grupo criminoso que atuava no órgão. Ela não tem conhecimento se outros documentos foram produzidos.

"Nenhuma orientação do Ramagem o Flávio seguiu ou me pediu para seguir. Eu não tenho contato nenhum com o Ramagem. Ele ia ajudar em quê? Ele não tem a menor ideia do que está acontecendo lá dentro [da Receita], eu tenho mais informação do que ele. Ele sugeriu esse monte de ação que ninguém seguiu nada", afirmou.

Ainda segundo a advogada, a informação de que poderia existir um grupo criminoso atuando na Receita Federal não era novidade para ela. "Eu mandei pronto para ele. Ele não descobriu nada. Inclusive, isso foi pauta na reunião", afirmou ela.

No dia 14 de dezembro, a revista revelou que a Abin produziu pelo menos dois relatórios para ajudar a defender o senador no caso, que revelou a existência de um suposto esquema de "rachadinhas" na Alerj e gerou denúncia contra o político por lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. A defesa do filho do presidente Jair Bolsonaro confirmou a existência desses relatórios. Já a Abin e o GSI negam que o órgão tenha feito os documentos.

Em um dos documentos, a Abin deixou claro o objetivo: "Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB". Advogados de Flávio queriam provar que o caso das "rachadinhas" teria sido iniciado por causa de ações ilegais da Receita Federal. A Abin tem como diretor-geral Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, e emitiu os relatórios para ajudar os advogados a comprovarem isso, segundo a Época.

O que dizem os relatórios

No primeiro relatório, a Abin disse que a "linha de ação" devia começar mostrando "acessos imotivados anteriores (arapongagem)". O texto trata da dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e faz imputações a servidores do órgão. O relatório sugere inclusive a substituição de "postos", em provável referência a alguns servidores, de acordo com a revista. Um dos servidores citados, Christiano Paes, chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, pediu exoneração na semana passada.

A agência traça outra "alternativa de prosseguimento", que envolveria a CGU (Controladoria-Geral da União), o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e a AGU (Advocacia-Geral da União). O objetivo, em resumo, é fazer com que a AGU e a CGU ajuízem a ação. O relatório destaca que os dois órgãos estão sob comando do Poder Executivo.

Ainda segundo a revista Época, o outro relatório traça uma "manobra tripla" para tentar conseguir os documentos que a defesa espera. As ações são bem detalhadas e envolvem até a recomendação de "tomar um cafezinho" com José Tostes Neto, chefe da Receita Federal. Nesta primeira ação, o objetivo é informar que a defesa ajuizará uma ação importante no processo.

Em seguida, o relatório da Abin sugere que a defesa peticione ao chefe do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação. A defesa de Flávio Bolsonaro realmente fez isso.

Por fim, o segundo relatório sugeriu a demissão de servidores, "três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF", que "devem ser afastados in continenti". Um deles é Christiano Paes, que pediu exoneração na semana passada.

Alexandre Ramagem chegou a ser nomeado por Jair Bolsonaro para a diretoria-geral da Polícia Federal, em abril, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a nomeação.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes se baseou, principalmente, nas afirmações de Bolsonaro de que pretendia usar a PF, um órgão de investigação, como produtor de informações para suas tomadas de decisão.


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