25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Vênus do Hidrogel

Publicado em 05/12/2014 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A primeira obra de arte do mundo é quase tão antiga quanto a humanidade. Trata-se da  Vênus de Willendorf,  uma estátua de uma mulher de 11cm  de altura representando uma mulher, descoberta num sítio arqueológico próximo de Willendorf, na Áustria. Especialistas acreditam que a pequena estátua tem cerca de 24 mil anos. Há muita divergência sobre seu significado. Alguns dizem que é um amuleto de fertilidade. Outros afirmam que é uma homenagem à mãe Terra. Uma coisa é certa. É uma estátua popozuda. 

Mais do que popozuda, peituda. Aliás, seios, nádegas, vulva, ventre, todas as características essencialmente femininas deste artefato são representados de forma exagerada, caricata. Os especialistas reconhecem nessa representação excessiva o fascínio primitivo pela sexualidade feminina e a sua miraculosa capacidade de gerar vida. 

Essa obsessão pelas formas da mulher e sua associação com a fertilidade criaram raízes no DNA da humanidade. Muitos cientistas teorizam que o interesse masculino pelas mulheres de quadris largos advém do fato que esta seria uma vantagem evolutiva, uma fêmea mais adaptada para a gestação de sua prole. 

Andressa Urach buscou esculpir em si mesma o que o homem primitivo Willendorf representou no barro. Buscou fazer de seu corpo uma caricatura de feminilidade.

Sem provavelmente nem suspeitar disso, Andressa Urach buscou esculpir em si mesma o que o homem primitivo Willendorf representou no barro. Buscou fazer de seu corpo uma caricatura de feminilidade. Lógico, isso não foi deliberado. Ela não acordou um dia e disse: “Quero ser um desenho animado”. Foi com o tempo, com a pressão dos pares, homens e mulheres, a competição com outras modelos-manequins-madrinhas-de-bateria que suas/nossas percepções estéticas começaram a ser distorcidas. Acrescente aí até a evolução tecnológica dos softwares de edição de imagens. A cada capa da Sexy, o padrão de perfeição dá um passo adiante (atrás?). E Andressa e suas colegas não podem ficar de fora. Afinal, todos os dias novas competidoras completam 18 anos e demandam seu lugar na passarela, cheias de hormônios e elasticidade epidérmica. 

A pressão da corrida leva ao atalho duvidoso. As aplicações de hidrogel provavelmente não foram os primeiros procedimentos ousados experimentados pela modelo. Com sorte, não serão os últimos. 

Sem dúvida, por essa lente de antropologia de botequim, tudo soa meio sórdido. Mas minha sordidez empalidece diante dos comentários dos anônimos aplaudindo o infortúnio de Andressa. “Bem feito! Quem mandou?”, “Essas vadias bombadas tem mais que morrer, mesmo”, “Quem essazinha pensa que é? Uma escultura?”. 

E Andressa que, sem querer, sonhava em ser uma vênus pré-histórica, virou Prometeu pós-moderna, acorrentada à cama da UTI, com uma infecção lhe comendo os órgãos.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *