25/04/2024 - Edição 540

Poder

Política externa de Bolsonaro desmorona

Publicado em 04/12/2020 12:00 -

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Os primeiros contatos do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, com governos da região foram telefonemas aos chefes de Estado da Argentina, o peronista Alberto Fernández; do Chile, o direitista Sebastián Piñera; e da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada, um líder de centro-esquerda de apenas 38 anos. Se em outras épocas os primeiros da lista foram México, Brasil e Colômbia, com Biden as prioridades claramente mudaram, em sintonia com a atitude dos três governos ignorados, por enquanto, pelo sucessor de Donald Trump.

Os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e do México, Andrés Manuel López Obrador, ainda não reconheceram a vitória de Biden. O colombiano Iván Duque parabenizou o americano e se dispôs a trabalhar juntos, mas o embaixador da Colômbia em Washington, Francisco Santos, fez campanha por Trump, assim como importantes congressistas do Centro Democrático, partido de Duque. Se no caso de México e Colômbia existe uma necessidade inegável e mútua de reconstruir a confiança perdida, para o Brasil o processo será mais difícil, opinaram especialistas. A posição de Bolsonaro foi a mais radical de todas — incluindo acusações de fraude na eleição americana — e o vínculo bilateral não tem, para os americanos, o mesmo peso da relação com México e Colômbia.

Para fontes do governo brasileiro, o fato de Bolsonaro ainda não ter reconhecido a eleição de Biden não deve ser dramatizado. Está sendo esperado o momento adequado, disseram, apontando o dia 14 de dezembro como uma possibilidade. Nesse dia, o Colégio Eleitoral dos EUA vai se reunir e formalizar a escolha do novo presidente, ocasião que só ganhou relevância neste ano porque Trump se recusa a reconhecer explicitamente a derrota. Uma das fontes frisou que o reconhecimento “vai chegar no momento adequado”.

Há incertezas sobre como o novo governo americano olhará para o Brasil e a que aspectos dará prioridade. Diferentemente de México e Colômbia, não existe uma agenda essencial para brasileiros e americanos. Se o foco de Biden for Amazônia, o governo brasileiro admite que o relacionamento será complicado. A mesma fonte disse que Brasília vai “esperar e ver a realidade da nova situação”.

Para embaixadores de longa trajetória como Roberto Abdenur, que chefiou a sede diplomática de Washington, as primeiras escolhas de Biden no continente refletem “ecletismo e a decisão de conversar com todos os países, independentemente de suas tendências políticas”.

“Bolsonaro partiu para um embate verbal que só vai nos prejudicar, e hoje o diálogo está inviabilizado. O presidente do Brasil deveria ser o primeiro a abrir as portas de uma comunicação bilateral”, lamentou Abdenur.

Para o embaixador, o futuro imediato dependerá, acima de tudo, “da habilidade dos diplomatas americanos” e do grau de interesse em tentar uma aproximação no curto e médio prazo.

Bolsonaro ficará 'isolado em autoritarismo' sem 'companheiro Trump', diz ex-chanceler do México

O ex-ministro das Relações Exteriores do México (2000-2003), Jorge Castañeda, acredita que o Brasil ficará muito isolado, em termos de mudança climática, na era do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden.

Segundo ele, o isolamento brasileiro envolve ainda a "falta de responsabilidade" durante a pandemia do novo coronavírus e atitudes em relação aos direitos individuais. "Muito isolado em seu autoritarismo, em sua postura contraria a tudo sobre os direitos de gênero, de outras minorias, de LGBT e etc. O Brasil está indo, claramente, contra a corrente. Bolsonaro achava que com sua aliança com Trump tinha um companheiro. Tinha. Já não tem mais", disse.

Professor da Universidade de Nova York, autor de uma biografia sobre o ex-guerrilheiro argentino-cubano Ernesto 'Che' Guevara, Castañeda disse ainda que as esquerdas na América Latina têm o desafio de se modernizar e que para Biden "não será fácil" tentar retomar iniciativas do governo do ex-presidente Barak Obama.

Para ele, há semelhanças entre Bolsonaro e o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que, apesar de opostos ideologicamente, são, na sua visão, muito parecidos. "Os dois odeiam os meios de comunicação, os dois são populistas, são autoritários e nepotistas", disse. “E ligados a Trump, acrescentou.

O circo maluco de Ernesto Araújo

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, usou um evento extraordinário da ONU (Organização das Nações Unidas) para tratar da crise da covid-19 para criticar a OMS (Organização Mundial da Saúde), questionar o multilateralismo e para defender alguns de seus mantras da diplomacia do atual governo, principalmente a soberania nacional. Mas ele ainda omitiu de seu discurso o parceiro com o qual o Instituto Butantan fechou um acordo para a produção de vacinas, citando apenas "laboratórios estrangeiros".

O evento virtual contou com mais de 90 presidentes e primeiros-ministros. A meta era a de garantir um compromisso amplo sobre como dar uma resposta global à crise. Mas o presidente Jair Bolsonaro optou por não participar. Araújo, pelo protocolo, ficou para o final da fila, sendo um dos últimos a discursar e quando já era o início da noite em Nova Iorque. Na agenda do ministro divulgada no site do Itamaraty, a participação tampouco era mencionada.

Em seu discurso, o chanceler fez questão de romper um tom de apoio ao multilateralismo adotado pelos demais governos e deixar claro que foram governos nacionais quem deram uma resposta à crise. Sua linha segue sua insistência da defesa da soberania nacional.

Falando no epicentro do multilateralismo, o chanceler fez questão de criticar o princípio que guia a ONU. Para ele, a crise deve ser enfrentada "por nações individuais, agindo de forma coordenada".

Segundo o ministro, a crise não pode ainda ser usada como "pretexto" para ampliar a agenda ou o mandato da ONU e, em sua visão, o organismo é apenas uma "plataforma para compartilhar experiências",

Sua defesa é de que a resposta contra a covid-19 é de responsabilidade de governos nacionais, e não de organismos estrangeiros. Para ele, não deve haver uma transferência de competências do nível nacional para o internacional e criticou "clichês bonitos como "o mundo precisa de mais multilateralismo" ou "problemas globais exigem respostas globais".

"Clichés não vão ajudar a solucionar a pandemia", insistiu. Para ele, apenas o "trabalho nacional" e a cooperação entre nações poderia dar uma resposta. Já o papel dos organismos seria apenas de servir como "local de coordenação".

Ainda que diga que reconhece o papel da OMS, Araújo criticou a agência e alertou que ela precisa ser mais transparente. Ele também admitiu que existe um papel a ser desempenhado pela coordenação internacional e indicou como o Brasil faz parte da Covax, a aliança por vacinas.

Uma vez mais, porém, ele insistiu que não foram os organismos internacionais quem saíram ao resgate dos trabalhadores e da economia nacional. "Isso recai sobre os contribuintes brasileiros. Não nos institutos internacionais", disse.

Araújo ainda destacou a suposta resiliência da economia brasileira e o fato de o desemprego estar supostamente "sob controle". Mas aproveitou para fazer mais um ataque aos organismos internacionais. "Isso não foi resultado das organizações", disse. "Isso não é para culpa-las. Mas são respostas nacionais que foram fundamentais", completou

Ao discursar sobre o que o governo brasileiro tem feito, o chanceler fez referências ao contrato que o Brasil firmou com a AstraZeneca e Oxford. Mas apenas se referiu ao fato de que o Instituto Butantan conta com acordos com "laboratórios estrangeiros". O Itamaraty, assim, evitou falar abertamente da vacina com tecnologia chinesa.

Araújo ainda explicou que, juntos, Fiocruz e Butantan teriam a capacidade de produção de 600 milhões a 800 milhões de doses de vacinas.

Adotando uma estratégia que já vem repetindo em diversas reuniões, o chanceler usou termos como "liberdades fundamentais" para atacar de forma indireta a China.

"Quem não gosta da liberdade sempre tenta se beneficiar de uma crise para pregar limites para a liberdade", disse. "Controle social totalitário não é o remédio para nenhuma crise. Não vamos fazer a democracia e a liberdade mais uma vítima da covid-19", defendeu.

Nos últimos dias, Araújo tem travado uma troca de ofensas e críticas veladas contra a China nas redes sociais. Isso ocorreu depois que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, atacou Pequim por conta da tecnologia 5G.

A resposta de Pequim alertou que o deputado estaria colocando em risco a relação entre os dois países. Araújo rapidamente saiu em defesa do filho de seu chefe.

Ataques à Venezuela

Durante a reunião extraordinária de ministros da Estados Ibero-Americanos, realizada virtualmente no último dia 30, Ernesto Araújo utilizou toda sua intervenção para acusar a Venezuela de ser uma ditadura e rechaçar a presença de representantes do governo de Nicolás Maduro no espaço.

A Conferência Ibero-Americana reúne os 22 países da América Latina e da Península Ibérica. O evento, que declarou a necessidade de criação de um fundo emergencial contra a covid-19, é uma atividade prévia à cúpula anual, que será realizada em abril de 2021, em Andorra.

Em seu discurso, Ernesto Araújo lamentou a ausência de representantes do autoproclamado presidente Juan Guaidó e ainda sugeriu que o governo brasileiro poderia romper com a organização. "A presença do regime madurista nesta sala corrói os pilares fundamentais dessa comunidade, o sentimento de pertencimento e a vontade de estar juntos", declarou Araújo.

Em resposta, o ministro venezuelano Jorge Arreza sugeriu que o ministro brasileiro tomasse um chá para acalmar-se. "Queria recomendar ao chanceler do Brasil uma receita. O comandante Fidel Castro estudou muito a moringa, uma planta extraordinária, com propriedades curativas e também tranquilizante", disse. "Eu quero recomendar um chá de moringa, com um pouco de valeriana. Já vai ver como se abre o espaço para a tolerância ideológica, para que possamos inclusive debater", disse. 

"Podemos inclusive debater eu e o senhor, sozinhos. Eu desafio. Moringa, nos sentamos, falamos de democracia, direitos humanos, da Amazônia, de mudanças climáticas, de geopolítica", afirmou o ministro venezuelano.

Discursando depois de Araújo, ainda em tom jocoso, no final da sua declaração, o chanceler Arreaza enviou uma mensagem ao corpo diplomático brasileiro. "Sei que vocês estão em resistência, que tem vergonha das posições de seu chanceler. Mas fiquem tranquilos. Isso é temporário e, no final, nenhum governo, nenhum chanceler pode derrotar a excelência do que representa o Itamaraty. No final, esses anos serão apenas uma má lembrança e nada mais", declarou.

A ministra pirou

A Comissão para Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a retirada da maconha para uso medicinal da lista de drogas mais perigosas do mundo.

Composta por 53 Estados-membros, a comissão considerou uma série de recomendações feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reclassificar a planta e seus derivados.

O voto ocorre ao mesmo tempo em que diversos países levam adiante a pauta para a legalização da cannabis e seus derivados, muitos deles para uso terapêutico.

O México foi um dos últimos países a legalizar o uso recreativo. Nos Estados Unidos, recentemente, eleitores aprovaram a descriminalização da cannabis em diversos estados.

Por aqui, a pastora evangélica Damares Alves, ministra da Mulher e dos Direitos Humanos, lançou uma cartilha sobre “Os riscos do uso da maconha na família, na infância e na juventude”.

Com ela, o governo quer se opor à aprovação de um projeto que autoriza o plantio da cannabis para uso medicinal. Um governo que desacredita a eficácia de vacinas pode muito bem fazer isso.

A cartilha foi apresentada ontem por três auxiliares de Damares, nenhum da área de saúde. Angela Gandra, secretária Nacional da Família, deu o tom da fala dos demais ao dizer: “É paradoxal lutarmos pela vida e se desejar ao mesmo tempo legalizar o plantio de algo que pode levar ao suicídio, anular a liberdade humana. É o caminho para a escravidão.”

Emily Coelho, secretária Nacional da Juventude, foi na mesma toada: “Não há uso medicinal da maconha. É uma falácia da mídia. Não é inofensiva, é lesiva”.

Elas fumaram paia.


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