25/04/2024 - Edição 540

Poder

Trapalhadas de Eduardo Bolsonaro faz o Brasil tropeçar na política externa

Publicado em 27/11/2020 12:00 -

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A mais nova crise provocada por uma nova fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP) atacando a China pode trazer "graves danos" ao Brasil caso a potência asiática adote barreiras comerciais contra produtos brasileiros e busque outros fornecedores de commodities, disse o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006).

Embora muitos no Brasil considerem a China dependente das importações brasileiras de itens como soja, carne, minério de ferro, açúcar e celulose, Abdenur alerta que o governo de Xi Jinping tem buscado novos fornecedores e já adotou este ano retaliações econômicas contra outro importante parceiro comercial, a Austrália, reagindo a críticas de autoridades australianas que pediram uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus.

Em reação, Pequim elevou barreiras parciais sobre a carne australiana, taxou em 80% a importação de cevada do país e desencorajou chineses a estudarem ou fazerem turismo na Austrália, devido a "numerosos casos de discriminação contra asiáticos".

Segundo dados do Banco Mundial, a Austrália é o sexto maior exportador para China, à frente do Brasil, que aparece em sétimo.

"O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China", afirmou Abdenur.

No novo episódio de crise com o governo brasileiro, a embaixada da China em Brasília subiu o tom ao ameaçar o Brasil "com consequências negativas" em uma nota contra postagens feitas no Twitter por Eduardo Bolsonaro, que além de deputado é filho do presidente Jair Bolsonaro e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Ao comentar a adesão do Brasil a uma aliança patrocinada pelos EUA contra o uso de tecnologia 5G da empresa chinesa Huawei, o parlamentar acusou diretamente o país asiático de espionagem.

"O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China", escreveu Eduardo Bolsonaro na noite do último dia 23.

"O programa ao qual o Brasil aderiu pretende proteger seus participantes de invasões e violações às informações particulares de cidadãos e empresas. Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista Chinês", acrescentou também no Twitter o filho do presidente.

A embaixada chinesa, que costuma se manifestar apenas com autorização do governo em Pequim, soltou uma nota dura, mesmo o deputado tendo já apagado o post.

O comunicado classificou a fala de Eduardo Bolsonaro como "totalmente inaceitável" e ameaçou o Brasil com retaliações caso o parlamentar e "outras personalidades" não abandonem "declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil."

"Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema-direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil", diz ainda a nota.

O Itamaraty respondeu na última quarta-feira (25) a nota da embaixada da China no Brasil. O Ministério das Relações Exteriores chamou a resposta chinesa de ofensiva e desrespeitosa, dizendo não ser apropriado que “agentes diplomáticos tratem assuntos dos dois países pelas redes sociais e que tal atitude não é construtiva e gera “fricções”.

“O tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso da referida ‘declaração’ prejudica a imagem da China junto à opinião pública”, pontuou o ministério em carta divulgada pela CNN Brasil. Apesar de criticar a postura chinesa em publicar repúdio ao 03 do presidente nas redes sociais, a situação toda começou na internet.

O Itamaraty afirmou, em carta enviada à embaixada chinesa, que é inadequado que o parceiro comercial se pronuncie sobre as relações do Brasil com terceiros países, em resposta à referência chinesa de que o Brasil não deve seguir a retórica da extrema direita norte-americana. O governo brasileiro disse, ainda, que tem se abstido de falar sobre assuntos da China que atraem muita atenção da opinião pública mundial, e que espera o mesmo tratamento.

O ministério ressaltou que não cabe à embaixada chinesa opinar sobre interesses da sociedade brasileira, assim como não cabe à embaixada do Brasil opinar sobre as aspirações do povo chinês. “O governo brasileiro deseja manter e promover as excelentes relações entre o Brasil e a China. Desrespeitar a diversidade de pensamento e opinião existente no Brasil garantida por nossa Constituição democrática e por nossa legislação, não contribui para o avanço das relações”, pontuou.

O Itamaraty disse, ainda, na carta, que os países possuem relações “densas, maduras e mutuamente benéficas”, e que o Brasil é um país democrático, com separação de poderes e liberdade de expressão. “Espera-se que a embaixada da República Popular da China, em suas manifestações, respeite esses fundamentos do reordenamento constitucional brasileiro, assim como a embaixada do Brasil na República Popular da China respeita o ordenamento constitucional chinês”, escreveu.

O Ministério das Relações Exteriores ressaltou também que o respeito mútuo as respectivas soberanias é fundamental para as ótimas relações que temos desenvolvidos”.

O embaixador Abdenur lembrou que embaixada chinesa já reagiu a outras críticas feitas por Eduardo Bolsonaro e autoridades do governo federal, mas considerou que essa manifestação "foi a mais enfática, porque acena com a possibilidade de retaliações, de consequências graves para o Brasil".

Na sua avaliação, a Casa Branca atua com "hipocrisia" ao dizer que a China usa sua tecnologia 5G para espionagem, tendo em vista o histórico dos EUA nessa área. Em 2015, por exemplo, o vazamento de documentos sigilosos da diplomacia americana por meio do site WikiLeaks revelou que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) espionou a então presidente Dilma Rousseff e outros 29 telefones do governo petista, incluindo o de ministros, diplomatas e assessores.

"O país que mais faz espionagem de outros são os EUA. Eu acho que nós não devemos ceder às pressões americanas (sobre o 5G)", disse Abdenur.

'Brasil é pária internacional ao lado de Coreia do Norte'

Para o ex-embaixador em Washington e Pequim, o Brasil hoje está no "pior dos mundos" ao buscar briga com a China ao mesmo tempo em que tem pela frente uma relação difícil com os Estados Unidos no governo de Joe Biden, presidente eleito que toma posse em 20 de janeiro.

Ele diz o Brasil está em "discordância muito séria em relação a três das quatro prioridades do governo Biden": combate às mudanças climáticas, ao racismo e à pandemia de coronavírus (a quarta prioridade é a recuperação da economia americana).

"É uma política externa alucinada, desvairada, descontrolada e que tem feito um mal imenso ao Brasil. Nós estamos correndo sérios riscos de virarmos ainda mais párias do que já estamos no plano internacional. Há dois países no mundo que são párias hoje: o Brasil e a Coreia do Norte, eu não consigo ver outro", disse o ex-embaixador, colocando o Brasil ao lado de uma antiga ditadura, que governa o país mais fechado do mundo.

"A Venezuela de certa maneira também (é pária), mas a Venezuela tem seus amigos", respondeu, em referência a aliança venezuelana com nações como Rússia e China, ao ser questionado sobre o país governado por Nicolas Maduro.

Na guerra entre EUA e China, governo brasileiro deveria torcer pela guerra

Guimarães Rosa tem uma frase que serve com perfeição para definir o comportamento que deveria ser adotado na implantação da tecnologia 5G. O escritor ensinou que "a onça, quando dá o bote, é porque já olhou tudo que tinha de olhar." A onça, no caso do 5G é o Brasil. O país realizará no ano que vem um megaleilão. Será um dos maiores negócios do planeta em 2021. Somos assediados por Estados Unidos e China.

O que faria a onça? Observaria a cena. Colocaria americanos e chineses para brigar entre si. Ouviria o que cada um tem a oferecer. E só então, depois de observar adequadamente a cena, daria o bote, servindo aos brasileiros a opção mais suculenta —aquela que atenda mais adequadamente ao interesse nacional. O que faz o governo Bolsonaro? Associa-se de antemão à estratégia do presidente americano Donald Trump.

É contra esse pano de fundo que Eduardo Bolsonaro brinca de tuiteiro, escrevendo e apagando nas redes sociais manifestações anti-China. Com suas diatribes, o filho do presidente leva o governo do seu pai a exercitar no seu grau máximo a principal característica da atual gestão: a falta de nexo. Enquanto o sub-chanceler Ernesto Araújo troca caneladas com a embaixada chinesa para defender o filho do chefe, o vice-presidente Hamilton Mourão enaltece a China, maior parceira comercial do Brasil há 11 anos.

O Brasil tornou-se palco de uma guerra tecnológica entre China e Estados Unidos. O melhor que o governo brasileiro tem a fazer é apostar na guerra. Os americanos acusam a Huawei, gigante chinesa do 5G, de espionar para a ditadura chinesa. A suspeita é compartilhada por algumas das principais democracias do mundo. A Huawei opera no Brasil há 20 anos.

Cabe aos negociadores brasileiros indagar dos chineses o que têm a oferecer em termos econômicos e de segurança. Os americanos não dispõem de tecnologia. Defendem a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia. Ofereceram no final de outubro linhas de crédito de US$ 1 bilhão. As telefônicas brasileiras dizem que é pouco. É preciso exigir mais.

Se a decisão for contra a Huawei, os chineses não terão do que reclamar, porque Estados Unidos e os fornecedores europeus terão feito as propostas mais vantajosas. Assim deveria ser se o Brasil encarasse o negócio do 5G como a onça da frase de Guimarães Rosa. Mas o governo Bolsonaro prefere se comportar como um gatinho mimoso aninhado no colo de Donald Trump, que deixa a Casa Branca em 20 de janeiro. Isso não faz nexo.


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