19/03/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Tenente que espancou turista em Bonito não é exceção à regra

Publicado em 27/11/2020 12:00 -

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O 2º Tenente André Luiz Leonel Andréa, que agrediu uma turista de 43 anos dentro do quartel da PM de Bonito (MS), não é uma exceção à regra. A violência policial no Brasil tem crescido exponencialmente, colocando em cheque a formação destes profissionais, que deveriam, em tese, proteger a população. Além da violência propriamente dita, a impunidade e o acobertamento promovido pela própria corporação, colaboram para a perpetuação deste tipo de comportamento abusivo.

A agressão promovida pelo Tenente Leonel aconteceu no dia 26 de setembro, e foi flagrada pelo circuito interno do quartel da PM, mas o caso veio à tona somente dois meses depois, com a divulgação das imagens.

A punição? No último dia 24, o Comando da PM determinou a transferência do 2º tenente para Campo Grande, por “inconveniência da permanência”, do comando do 3º pelotão de Bodoquena, distante 266 quilômetros da capital. “Não posso dizer que é suficiente, mas é adequada” foi a avaliação dada pelo comandante da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul (PMMS). Leonel, conhecido como "Tenente Terror" na área de atuação, foi dispensado da função de confiança que exercia como comandante da unidade. Também deixa o trabalho de rua e assume responsabilidades administrativas.

“Todas as medidas foram tomadas, como a transferência imediata da área de atuação, da área ocupacional para administrativa e do comando”, disse Gimenez, acrescentando, ainda, a instauração de investigação interna. “Esse é fato isolado, não é atitude que representa a PM, mas essa ação infelizmente ocorreu e nós temos que apurar os fatos”, disse o coronel.

A mulher agredida, moradora de Corumbá, estava passando o fim de semana em Bonito com a família, quando se envolveu em uma confusão num restaurante da cidade, após a filha de 3 anos, que é autista, ser chamada de "verme da sociedade". Segundo ela, as agressões começaram no quarto da pousada em que a família estava hospedada, após a Polícia Militar ser comunicada sobre o caso. Ela foi levada ao quartel da PM da cidade e espancada pelo tenente no local.

“Fui tirada pelos cabelos do hotel. Por ser a única responsável com as crianças, meus filhos foram levados para um abrigo. Quando aconteceu, num sábado, eu fiquei presa até domingo. Meu marido foi até a polícia solicitar imagens, mas disseram que a câmera era fictícia. Como ia provar que fui espancada? Mesmo com os roxos, não me deixaram fazer boletim de ocorrência. Eu só queria levar meus filhos daquele terror, daquele momento", afirmou. Segundo a vítima, quando o esposo dela chegou já tinha acontecido toda a tortura, ela estava na cela. “Ele foi no abrigo, tirou as crianças de lá, insistiu em falar comigo, para me acalmar, mas não deixaram”, contou. “Todo mundo tem medo desse Tenente Terror”, desabafou a vítima, na Corregedoria da Polícia Militar em Campo Grande.

Apesar de ter sido agredida, a vítima é alvo de denúncia à Justiça por três crimes em razão do episódio. No processo, ela é tratada o tempo todo como criminosa, passível de ser condenada a pena somada de até cinco anos e meio de reclusão. No processo, não há uma palavra a respeito das agressões filmadas. São cinco testemunhas contra ela, inclusive guarda civil municipal, que não aparece no vídeo gravado, mas figura nos autos. Para ser liberada pela Justiça, ela precisou pagar um salário mínimo de fiança, ou seja, R$ 1.039,00, e responder às acusações em liberdade. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) apresentou acusação no dia 18 de novembro, com base no inquérito policial, por sua vez sustentado na versão apresentada pela equipe que prendeu a mulher no restaurante onde aconteceu a confusão.

Em nota repúdio divulgada após a divulgação do vídeo, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul considerou que as imagens revelam “descontrole e despreparo” na atuação do militar. “Não bastasse a agressão desproporcional realizada por agente público dentro de um batalhão contra pessoa sob a tutela do Estado e sem possibilidade de defesa, tratou-se de violência física de um homem contra uma mulher, evidenciando de forma ainda mais gritante a subjugação e as relações de desigualdade e de poder impostas contra a vítima de maneira extremamente violenta.” No texto, o órgão reconhece a importância do serviço desempenhado pela Polícia Militar, mas se diz preocupado com os atos do oficial, “cuja conduta deveria servir de exemplo”.

Outros casos

Após a divulgação do vídeo, outras denúncias contra o policial começaram a aparecer. O filho de um comerciante no município de Bodoquena relatou agressões verbais que sofreu do PM no dia 20 de janeiro deste ano. “Ele me fez revirar a lata de lixo e o tempo todo chamava a gente de verme da sociedade. Esse PM não deve ser normal, porque ele se exalta demais”, contou.

A vítima, que pediu para não ser identificada com medo de represália, se preparava para fechar o comércio do pai, por volta das 18h, quando o tenente com sua equipe chegou e encontrou quatro mulheres sentadas numa mesa tomando cerveja. Entre elas, havia uma adolescente de 17 anos, mas a garota estava acompanhada pela mãe e, segundo o rapaz, não havia consumido bebida alcoólica.

A situação foi um prato cheio para o tenente passar a agredir as mulheres verbalmente, segundo o denunciante. “Ele passou a ofendê-las com palavras de baixo calão, de forma bem agressiva”, lamentou. Segundo o comerciante, para evitar mais confusão começou a recolher as mesas que estavam na calçada e jogou as garrafas de cerveja no lixo, foi quando o PM se irritou.

“Ele perguntou onde estavam as garrafas, disse que estavam no lixo, que a lixeira estava ao lado e que ele podia ficar à vontade”. Nervoso, o policial fez o comerciante revirar o lixo, pegar as garrafas vazias e colocar de volta sobre a mesa. “Ele se exalta muito rápido. Andava com fuzil pendurado no pescoço para intimidar as pessoas”, disse. Na época, o tenente era comandante do Batalhão de Bodoquena e subordinado a Bonito.

Mais violência

Outro caso recente de agressão policial em MS ocorreu no último dia 14, durante comício de candidata à prefeitura de Bodoquena, quando um homem de 24 anos foi agredido por policiais no meio da rua, depois de, segundo boletim de ocorrência, ter desacatado ordens oficiais. Um dos PMs envolvidos nessa ocorrência, é o 2º tenente André Luiz Leonel…

O vídeo mostra o rapaz imobilizado por três policiais, enquanto o quarto fica em pé ao lado. Tentando se livrar deles, o homem se debate. Em dado momento, um dos policiais pisa com foça na cabeça do homem. Conforme consta em Boletim de Ocorrência, a ação policial foi filmada por uma testemunha, que teve o celular apreendido.

Blindados pela impunidade

Junho de 2020 marcou a explosão de protestos antirracistas pelo mundo após a morte do afro-americano George Floyd, assassinado por um policial em Mineápolis. Ao mesmo tempo em que as manifestações do movimento Black Lives Matter se reproduziam no país, a violência da polícia brasileira contra pessoas negras também se acirrava nas periferias. Somente em São Paulo, houve pelo menos quatro casos de tortura ou abuso de autoridade por parte de policiais militares neste mês. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que a letalidade policial em São Paulo cresceu 31% no período entre janeiro e abril, mês que bateu recorde de mortes pela polícia (119, contra 78 em 2019) durante a vigência da quarentena.

No mais emblemático, o adolescente negro Guilherme Silva Guedes, de 15 anos, desapareceu na zona sul da capital paulista e foi encontrado morto em Diadema com dois tiros e marcas de agressões pelo corpo. A Corregedoria da PM investiga um sargento e um soldado como suspeitos do assassinato. Em outro, na periferia de Carapicuíba, o jovem negro Gabriel Nunes de Sousa, de 19 anos, sofreu imobilização por estrangulamento após não conseguir frear a moto que conduzia e colidir com uma viatura. Ele foi detido por um dos policiais com um mata-leão e, em seguida, já deitado no asfalto, desmaiou ao ser asfixiado por outro agente que pressionou o joelho sobre seu pescoço por quase um minuto, em cena que remete à ação que matou George Floyd, nos Estados Unidos.

“Eu pensei que eles iam me matar. Era muita pancada na cabeça”, conta W.F.G., de 27 anos, que foi espancado e torturado por policiais na madrugada do último dia 14 de junho, no Jaçanã, zona norte de São Paulo. Embora dissesse aos policiais que não era bandido —“eu sou trabalhador, eu sou trabalhador”, gritava durante a sessão de tortura filmada por moradores da comunidade— o pizzaiolo não conseguiu se livrar da surra com socos, pontapés e pauladas. Depois da repercussão das imagens, oito agentes que integravam a operação foram presos. Na delegacia, ameaçado por policiais, a vítima não denunciou as agressões, que só vieram à tona após a divulgação das filmagens. “Eles [policiais] fizeram várias ameaças. Trabalho com dignidade, nunca precisei roubar ninguém, mas agora tenho medo de sair de casa”, diz o pizzaiolo.

Casos como os abusos recentes em São Paulo viraram rotina no Brasil. O jornal El País mapeou 58 ocorrências de violência ou tortura praticada por policiais desde o início do ano, com pelo menos um registro por Estado, a partir de denúncias formalizadas que vieram a público. Os pontos em amarelo contêm imagens das agressões. Há violações de diversas naturezas: de agentes de segurança que cometem delitos sem farda, fora do horário de serviço, a sessões de espancamento em rondas e operações especiais. A maioria das vítimas (68%) é negra e reside em bairros periféricos, onde sofreram as abordagens.

No Rio de Janeiro, o mês de maio foi marcado por mortes de jovens negros pela polícia em comunidades. Moradores da favela de Acari denunciaram policiais por suposta tortura e assassinato de Iago César dos Reis Gonzaga, de 21 anos. João Vítor da Rocha, 18, morreu após ser baleado na Cidade de Deus —segundo a polícia, houve confronto a tiros. Dois dias depois, durante outra operação, no complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, o garoto João Pedro, de 14 anos, foi atingido pelas costas, dentro de casa, por um tiro de fuzil. Sua morte desencadeou protestos, na esteira do Black Lives Matter, que chamavam a atenção para o racismo e o genocídio negro.

A discriminação racial é flagrante em abordagens da polícia. Em fevereiro, um soldado da PM da Bahia agrediu um adolescente negro de 16 anos com chutes na barriga e socos nas costelas enquanto o revistava no bairro de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador. Na ação, filmada por uma testemunha, o PM ainda profere insultos homofóbicos e racistas contra a vítima, que usava penteado black power. “Você para mim é ladrão, vagabundo. Vá tirar essa desgraça desse cabelo”, gritou o agressor durante a abordagem violenta. A testemunha que filmou a cena precisou ser incluída no programa de proteção da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos após policiais voltarem ao bairro em busca do responsável pelos registros.

Processado pela Corregedoria, o soldado foi afastado do policiamento de rua e deslocado para funções administrativas. “Não admito comportamento de violência policial”, manifestou, na época, o governador da Bahia, Rui Costa. “É inaceitável, inadmissível e não reflete os ideais da instituição.” Entretanto, no mês seguinte, policiais de Salvador foram flagrados torturando jovens abordados em uma batida no bairro da Liberdade com um pedaço de madeira. Os quatro PMs filmados na sessão de tortura acabaram detidos e autuados pela Corregedoria.

Em Planaltina, no Distrito Federal o vendedor ambulante Weliton Luiz, de 30 anos, foi abordado por dois policiais na saída de um supermercado e agredido com golpes de cassetete nas costas e na cabeça. A Polícia Militar do DF abriu procedimento de investigação, reconhecendo as agressões desproporcionais, porém, negando ato discriminatório de racismo pelo fato de Weliton ser negro. “Não há que se falar em atitude racista, mas de excesso na ação policial”, afirmou em nota a PMDF. Um jovem, também negro, filmou as agressões e denunciou o caso pelas redes sociais.

No início de junho, o Instituto Locomotiva realizou uma pesquisa para a Central Única das Favelas (CUFA) em que 94% dos 1.652 entrevistados reconhecem que, no Brasil, uma pessoa negra tem mais chances de ser abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia do que uma pessoa branca. De acordo com o Anuário da Violência elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas de letalidade policial são negras, no país onde 56% da população se declara negra.

A prática de tortura ainda se estabelece como problema crônico e racial no sistema prisional. Levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro mostra que o órgão recebeu mais de 1.000 denúncias de tratamentos desumanos praticados contra pessoas presas —72% delas negras— no Estado. Em média, três presos são torturados a cada dia. “Os números refletem a lógica de perpetuação das violações de direitos humanos, principalmente no momento da detenção”, explica o defensor público Fábio Amado. “Existe, infelizmente, uma naturalização dessa prática tão grave que é a tortura.”

Violência policial fora de controle na pandemia

No levantamento, também há casos de abusos policiais relacionados às medidas restritivas decretadas por causa da pandemia de covid-19. Em Luzilândia, interior do Piauí, Raimundo Nonato da Costa, de 43 anos, morreu após ter sido preso por furar uma barreira sanitária de prevenção ao coronavírus. Policiais envolvidos na ocorrência foram afastados sob suspeita de tortura pela PM, que ainda investiga a causa da morte. Em Plácido de Castro, no Acre, um adolescente negro, de 17 anos, portador de transtornos psiquiátricos e neurológicos, denunciou agressões de policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron), que o abordaram cobrando o uso da máscara de proteção. A promotoria de Infância e Juventude do Ministério Público instaurou procedimento para apurar o caso.

Por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), foram proibidas operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, exceto em casos de “hipóteses absolutamente excepcionais”, sendo necessário o envio de justificativa por escrito ao Ministério Público. A medida vigente desde 5 de junho não impediu, entretanto, uma ação do Comando de Operações Especiais no Complexo do Salgueiro com o intuito de impedir uma festa de aniversário de um traficante, com uso de veículos blindados. No mesmo dia da operação, enquadrada pela PM na excepcionalidade prevista pela liminar, a câmera de um bar filmou um policial dando soco em uma moradora.

Em sua decisão, Fachin salientou que, nos casos extraordinários de operação, a polícia precisa adotar cuidados especiais e não colocar a população em risco nem inviabilizar a prestação de serviços públicos sanitários ou atividades de ajuda humanitária nas comunidades. O ministro ainda citou o caso de João Pedro, cuja residência no Salgueiro foi atingida por 72 tiros, para sustentar a medida. “Nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes. O fato é indicativo, por si só, que, mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a Constituição.”

Para o ativista Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon, vinculada à Secretaria de Cultura da Bahia, a pandemia aumentou a vulnerabilidade da população negra, exposta aos riscos do coronavírus e, ao mesmo tempo, de abordagens truculentas pelo cumprimento das medidas de isolamento social. “Vivemos no Brasil um quadro endêmico de violência policial, que atinge sobremaneira pobres e negros”, diz Zulu. “Em uma situação excepcional, por causa da pandemia, fica ainda mais claro como o Estado brasileiro instituiu a legalização do genocídio de jovens negros, e como seus corpos são desumanizados a ponto das forças de segurança se virem no direito de agredi-los e exterminá-los. São mortes que não sensibilizam nem geram sentimento coletivo de culpa. Se um garoto branco tivesse levado um tiro de fuzil em um apartamento no Leblon, toda a sociedade carioca estaria nas ruas em protesto.”

Filmes que se repetem no rastro da impunidade

Boa parte dos processos de abuso de autoridade envolvendo policiais ainda se desenrola em varas especiais, embora um parecer de 2018 do Ministério Público Federal (MPF) defenda que julgar agentes por crimes dolosos contra a vida é atribuição da Justiça comum, onde os trâmites processuais costumam ser mais rápidos que os da Justiça Militar. No ano passado, cinco policiais militares foram absolvidos na 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro da acusação de homicídio de um adolescente de 17 anos, no Morro da Providência. Imagens de celular mostravam um dos PMs colocando uma arma na mão do jovem e efetuando dois disparos para, supostamente, forjar um auto de resistência (quando a vítima é atingida em tiroteio). A Justiça entendeu que, apesar dos indícios de “conduta possivelmente reprovável e ilegal”, a ação dos policiais na favela teria sido legítima.

Gravar abordagens se tornou uma forma de denunciar a truculência por parte da polícia. Em fevereiro, Isabela de Souza, de 23 anos, grávida de seis meses, foi agredida por um policial militar em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, depois de questionar abordagem a um adolescente por porte de maconha. Ela filmou a ação e, ao tentar impedi-la, o PM a imobilizou e agrediu com tapas no rosto e joelhadas na barriga. As agressões não cessaram nem mesmo diante do apelo de vizinhos que alertavam sobre a gravidez da mulher. O policial foi afastado e processado pela Corregedoria.

Desde 2019, tramita no Congresso um projeto de lei que criminaliza, com pena de três meses a um ano de prisão, a ação de impedir alguém de fotografar, filmar ou registrar operações policiais. A proposta está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. “A legislação brasileira não proíbe o cidadão de fazer fotos e filmagens das ações da polícia, mas, ainda assim, é muito comum esse tipo de cerceamento por policiais”, diz o deputado Charles Fernandes (PSD-BA), autor do projeto, que prevê aplicação de pena em dobro para políticos, militares ou servidores públicos. “Os bons policiais não têm motivo para temer o registro de sua conduta.”

Pressionado pela sequência de abusos da polícia registrados este ano em São Paulo, o governador João Doria anunciou, no último dia 17, um programa batizado de “Retreinar”, que estipula novo treinamento para o comando militar do Estado a fim de coibir a violência desproporcional em abordagens. Doria defende que condutas violentas são exceções no efetivo policial, prometendo rigor na apuração e punição de desvios. “Vamos retreinar todo o comando de nossas tropas para evitar que este 1% de maus policiais, que insistem em utilizar a violência desnecessária junto à população, compreenda que isso não é aceitável na Polícia Militar de São Paulo”, disse o governador no lançamento do programa. Em 2020, Doria emitiu cinco comunicados condenando atos violentos da polícia que se tornaram públicos —e seguem se repetindo.

Por outro lado, o Governo Bolsonaro tem tentando dar carta branca para as ações policiais. No fim do ano passado, o presidente, capitão reformado do Exército, sancionou lei aprovada pelo Senado que extingue prisão disciplinar para policiais e bombeiros militares. O Governo ainda excluiu dados de violência policial do balanço anual do Disque 100, serviço de denúncias mantido pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Uma ação do MPF obrigou a divulgação dos dados em junho, que apontaram 1.486 denúncias de violência policial em 2019.

Ao criticar manifestações antirracistas, o deputado Eduardo Bolsonaro relativizou a morte de pessoas negras pela polícia ao comparar as realidades norte-americana e brasileira. “Estão tentando importar a baderna dos protestos que acontecem nos Estados Unidos para o Brasil, mesmo não havendo caso como o de [George] Floyd por aqui”, disse o filho do presidente em uma conferência promovida por ultraconservadores. No mesmo dia da fala do parlamentar, familiares e vizinhos de Guilherme Silva Guedes foram agredidos por policiais ao protestar contra o assassinato do adolescente na zona sul de São Paulo. A repressão ao ato e as seguidas abordagens violentas na periferia contrastam com a tolerância ao desacato em áreas nobres.

No fim de maio, o empresário Ivan Storel, 49, residente do condomínio de luxo Alphaville, em São Paulo, foi flagrado ofendendo policiais que atendiam um chamado de sua mulher por violência doméstica. “Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville”, gritava o empresário. Após se acalmar, ele foi conduzido à delegacia e liberado no mesmo dia. Pediu desculpa aos policiais, que prestaram queixa por desacato. A PM informou que seus agentes são treinados para lidar com esse tipo de situação. Mas, nas favelas e nos bairros pobres, a conduta, definitivamente, reza cartilha bem distinta.


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