19/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Bolsonarismo não tem enraizamento na sociedade, diz cientista político

Publicado em 23/11/2020 12:00 -

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As eleições municipais de 2020 podem representar um novo ciclo político no País. A avaliação é de Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília e diretor-executivo do Interlegis no Senado Federal.

Para ele, os resultados desfavoráveis ao presidente Jair Bolsonaro são o “início do desgaste da política de enfrentamento que serviu apenas para romper com o equilíbrio do sistema “.

O cientista político tem uma tese de que, a cada três décadas, o País “elege um outsider ou alguém que se veste de outsider”.

“A cada 30 anos a gente elege um outsider ou alguém que se veste de outsider. Foi o [Fernando] Collor, antes o Jânio [Quadros] e antes o Getúlio [Vargas]. Todos eles inauguram um novo período de equilíbrio institucional. O Getúlio dá fim à República Velha. O Jânio, com a renúncia, precipita o regime militar. O Collor, com o impeachment, precipita o equilíbrio entre PSDB e PT. O Bolsonaro rompeu esse equilíbrio e deu início a um novo ciclo político”, diz Coimbra.

“Não estou dizendo que o Bolsonaro vai desenhar esse novo ciclo político. Eu acho que não, pois o único que conseguiu foi o Getúlio. Jânio e Collor foram apenas o capítulo de rompimento com o sistema anterior. O Bolsonaro está muito mais para Jânio e Collor do que para Getúlio, ele é como se fosse um governo de divisor de águas. O bolsonarismo já começa entrar em desgaste nestas eleições e a gente vê que o apoio dele não tem força nenhuma. É o início do desgaste da política bolsonarista de enfrentamento”, afirma.

De acordo com o professor, o bolsonarismo como fenômeno político é frágil, já que “não tem enraizamento na sociedade como a gente imagina”.

“Tudo indica que o bolsonarismo, com a derrota na eleição, se espalhará por outros partidos, que se realinharão com uma nova estrutura de poder. Se o bolsonarismo fosse um movimento sólido, o presidente não teria dificuldade em formar o seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil”, avalia.

Coimbra concorda com outros analistas que dizem que das eleições surge um País mais pragmático e menos ideológico  e que o presidente é o grande derrotado do pleito.

 

O senhor acha que há uma tendência de enfraquecimento do bolsonarismo como fenômeno político?

Sem dúvida alguma, porque o Bolsonaro é símbolo de uma quebra de um ciclo político que a gente tem. Nós temos um ciclo político que se quebra a cada 30 anos, pois a cada 30 anos a gente elege um outsider ou alguém que se veste de outsider. 30 anos atrás foi o Collor, antes o Jânio e antes o Getúlio. Todos inauguram um novo período de equilíbrio institucional. O Getúlio dá fim à República Velha. O Jânio, com a renúncia, precipita o regime militar. O Collor, com o impeachment, precipita o equilíbrio entre PSDB e PT. O Bolsonaro rompeu esse equilibrio e deu início a um novo ciclo político.

Eu não estou dizendo que o Bolsonaro vai desenhar esse novo ciclo político, pois o único que conseguiu foi o Getúlio. Jânio e Collor foram apenas o capítulo de rompimento com o sistema anterior. O Bolsonaro está muito mais para Jânio e Collor do que para Getúlio. Ele é como se fosse um governo de divisor de águas.

O bolsonarismo já começa entrar em desgaste nestas eleições e a gente vê que o apoio dele não tem força nenhuma. É o início do desgaste da política bolsonarista de enfrentamento.

O senhor o compara ao Collor e ao Jânio, que não criaram nenhum movimento enraizado na sociedade. O Bolsonaro não criou?

O bolsonarismo pode se espalhar para outros setores. Nós tivemos uma força muito maior antes, que foi o lulismo, que não perdurou. O lulismo não está aí com tanta força hoje. Se o lulismo – que era um fenômeno com muito mais força, enraizado nas estruturas da sociedade brasileira como sindicatos, conselhos tutelares, igrejas e setores organizados – não foi tão efemero, eu não vejo que o bolsonarismo perdure até no curto prazo.

Tudo indica que o bolsonarismo, com a derrota na eleição, se espalhará por outros partidos, que vão se realinhar com uma nova estrutura de poder. Na verdade, o bolsonarismo se espalhará até porque se fosse um movimento tão sólido, o presidente não teria dificuldade me formar o seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil. O bolsonarismo não tem esse enraizamento na sociedade como a gente imagina.

O grande derrotado então foi o Bolsonaro?

Sem dúvida alguma. A popularidade dele deve cair quando acabar o auxílio emergencial. O ano de 2021 é um ano difícil politicamente ao Bolsonaro. Houve uma mudança do núcleo do eleitorado do Bolsonaro. Ele não tem mais o apoio da classe média urbana.

O eleitor buscou um perfil mais equilibrado?

Eu acho que estamos seguindo o mesmo caminho dos Estados Unidos. Aqueles políticos que foram eleitos na esteira de 2013 a 2018, pessoas de fora da política, não mostraram resultado, com honrosas exceções, como o prefeito de Belo Horizonte.

Essa revoada da nova política, de romper com o sistema, não mostrou resultado. As pessoas que estão fora da política não entendem os mecanismos e acabam não se tornando bons gestores. Gerir o Estado é diferente de gerir uma empresa. Essas pessoas são jogadas diante de uma realidade que elas não conhecem, que é a política, e elas não conseguem entender essa realidade.

O Donald Trump nunca tinha ocupado um cargo público e quando ele perde uma eleição diz que foi roubado. Ele não entende que na política se ganha, se perde, se recolhe para depois voltar. Veja uma pessoa, por exemplo, como Romero Jucá. Ele perdeu em 2018 em Roraima, fez um recuo estratégico e tem tudo para voltar nas próximas eleições.

Há uma decepção do eleitor com esses políticos que substituíram os políticos tradicionais. E isso vem na esfera municipal antes da federal. O desgaste dos parlamentares que foram eleitos nessa revoada de 2018 deve vir pelo voto em 2022. E os que foram eleitos em 2016 e não se provaram bons gestores estão sendo postos para correr, porque não souberam gerir a pandemia.

Em Belo Horizonte, o Alexandre Kalil [PSD] soube fazer uma gestão da pandemia e conseguiu ser reconhecido pela população. O Crivella chegou ao governo do Rio e foi uma lambança, com uma alta rejeição.

Todos os prefeitos que atuaram como negacionistas da pandemia sofreram a cobrança do eleitor, assim como Trump sofreu nos Estados Unidos. Ou como a premiê da Nova Zelândia, que fez uma boa gestão da pandemia e foi reeleita.

A pandemia é o ponto central da reeleição dos prefeitos.

O peso pandemia foi maior do que um natural pragmatismo que o eleitor tem nas eleições municipais?

Eu acho que tem o casamento das duas coisas. Políticos mais ideológicos foram negacionistas da pandemia e os mais pragmáticos resolveram atuar na defesa da população.

Em janeiro, sem o auxílio emergencial e talvez com uma segunda onda da pandemia, que cenário os prefeitos vão encontrar?

Olha, depende muito da região. Se falarmos das regiões Norte e Nordeste, nós temos uma outra realidade em que lá o auxílio emergencial é mais importante. No Maranhão, mais de 60% das pessoas dependem do auxílio. Nessas regiões, o auxílio fez a economia funcionar e o comércio crescer. Portanto, são regiões que vão sofrer muito sem o benefício. Eram pessoas que ganham pouco e passaram a ganhar 600 reais.

Nas regiões Sul e Sudeste, teremos a possibilidade de demissões. O Brasil terá o crescimento econômico dificultado em 2021. Será um ano muito difícil na economia. A popularidade do Bolsonaro deve despencar porque teremos o fim dos benefícios.

Os prefeitos do Norte e Nordeste terão mais dificuldades porque o impacto que vai ter de pobreza vai ser muito maior do que no resto do País.

Também no exterior haverá uma diminuição da demanda externa, em relação aos produtos brasileiros, e uma retração da aproximação com os Estados Unidos, por conta da eleição do [Joe] Biden. É uma situação economicamente difícil.

Isso tudo reflete nas cidades, em perda de renda, de emprego, ou seja, é uma situação complicada nos reflexos que isso tem na vida do cidadão. Se houver uma segunda onda da Covid-19, além do problema da economia, há a pressão na saúde pública. Ou seja, é uma situação catastrófica.


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