24/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro chegará a 2022 como velha novidade

Publicado em 20/11/2020 12:00 -

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Jair Bolsonaro está à procura de um partido. Sua movimentação tem uma aparência de volta às origens. Eleito como defensor do presidencialismo sem coalizão, Bolsonaro tinha no PSL o seu esteio. A legenda possuía uma bancada nanica de três deputados federais. Saiu da eleição de 2018 com mais de 50 poltronas na Câmara. Imaginou-se que Bolsonaro equiparia o partido para obter nas eleições de 2020 uma máquina municipal que pavimentaria sua campanha à reeleição. Ele fez tudo ao contrário.

Bolsonaro brigou com o PSL para criar o seu próprio partido. Jogou pela janela uma legenda com 53 deputados e uma caixa registradora de R$ 359 milhões, somando os fundos partidário e eleitoral. O presidente não conseguiu tirar a sua legenda do papel. Ficou sem partido e sem dinheiro. Foi à disputa municipal como um franco-atirador. Errou a maioria dos alvos. Saiu do processo eleitoral menor. Ficou entendido que aquele eleitorado que queria chutar o balde em 2018 agora está à procura de alguma estabilidade.

Intimado pela conjuntura a se reposicionar em cena, Bolsonaro se aproxima da segunda metade do seu governo à procura de um partido. A lógica restringe a margem de manobra do presidente. Ele está diante de uma bifurcação. Ou volta para o PSL ou senta praça numa das legendas do centrão. Bolsonaro já passou por nove partidos. Ficou mais tempo no PP, epicentro do centrão. A despeito disso, demonizou o grupo na campanha presidencial. Impossível enxergar racionalidade no vaivém de Bolsonaro.

Em 2018, havia no projeto presidencial de Bolsonaro uma teatralização do novo. A bordo do seu sétimo mandato parlamentar, o candidato apresentou-se como uma fulgurante novidade, única alternativa radical contra os maus costumes. Fez pose de candidato antissistema. Mantido o ritmo atual, chegará a 2022 sem maquiagem, no colo do centrão, com a imagem da família bem rachadinha. O eleitorado verá que, no Brasil, o novo na política é uma coisa muito antiga.

Bolsonaro ensaia piti à moda Trump para 2022

Bolsonaro descobriu uma forma inusitada de prever o que está por vir. Ele cria o seu próprio futuro. Esboça para 2022 um rebuliço nos moldes do que Donald Trump promove nos Estados Unidos. Questiona desde logo a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. Insinua que há fraudes sem exibir um mísero vestígio de prova.

"Temos que ter um sistema de apuração que não deixe dúvidas", disse Bolsonaro a um grupo de devotos. "Tem que ser confiável e rápido", ele acrescenta. "Não [pode] deixar margem para suposições." O presidente realçou o fato de que as urnas eletrônicas são uma peculiaridade brasileira. Como se o Brasil não fosse capaz de produzir algo que preste.

Para Bolsonaro, o voto só será seguro se for impresso. No último dia 9 de março, em visita aos estados Unidos, o presidente disse que só não venceu a eleição presidencial no primeiro turno porque houve fraude eleitoral. Assegurou que dispunha de provas. Prometeu mostrá-las. "Fui eleito no primeiro turno", disse Bolsonaro, em timbre categórico. "Teve fraude. E nós temos não apenas palavras, nós temos comprovado. Brevemente eu quero mostrar."

Decorridos oito meses, as provas que Bolsonaro exibiria em breve ainda não surgiram. Não vieram à luz porque não existem. Não há evidência de fraude nas urnas brasileiras. Ao contrário. Na campanha em que Aécio Neves foi derrotado por Dilma Rousseff, o tucanato duvidou do resultado. Pediu e obteve autorização para virar as urnas do avesso. Promoveu uma vasta auditoria. E deu o braço a torcer.

Se papel fosse sinônimo de tranquilidade, Trump já teria dado um telefonema para Joe Biden. A única segurança que interessa a Bolsonaro é a certeza do piti que ele dará na abertura das urnas de 2022, seja qual for o resultado.

Bolsonaro flerta com a versão fiscal do 'e daí?'

Um pedaço da equipe de Paulo Guedes receia que Jair Bolsonaro reaja às adversidades da conjuntura política subvertendo a prioridade do Ministério da Economia. Avalia-se que as repercussões da eleição municipal elevaram o risco de Bolsonaro sacrificar a opção retórica pelo equilíbrio das contas públicas por um populismo eleitoreiro de consequências nefastas.

As urnas municipais submeteram Bolsonaro a um choque de realidade. O eleitor premiou o que o presidente negligenciou. Junto com os prefeitos mais bem avaliados foram reeleitos o apreço à vida, o gosto pela moderação e o desejo de obter resultados práticos.

Na bica de completar dois anos no poder, Bolsonaro acabou de tachar de "conversinha" o risco de uma segunda onda de Covid. Reabriu a indústria da raiva. E ainda não suou a camisa para levar à vitrine privatizações e reformas econômicas tidas por Guedes e sua equipe como vitais.

O alarme da impopularidade voltou a tocar nos grandes centros urbanos. De acordo com o Datafolha, a rejeição a Bolsonaro entre os paulistanos subiu dois pontos, batendo em notáveis 50%. A aprovação junto aos cariocas ruiu seis pontos, estacionando em 28%.

O grande pavor é o de que Bolsonaro decida criar uma versão fiscal do célebre bordão "e daí?". Nessa hipótese, o presidente mandaria às favas o teto de gastos para engordar o Bolsa Família ou colocar em pé um programa de renda mínima para substituir o auxílio emergencial que acaba na virada do Ano Novo.

As mesmas urnas que encolheram Bolsonaro aumentaram o poder de fogo dos partidos do centrão e adjacências. Há algumas providências que o presidente poderia adotar em vez de se entregar ao negacionismo fiscal. Entre elas condicionar as verbas e os cargos cedidos ao centrão à aprovação de duas ou três reformas.

De resto, se Bolsonaro se dedicar a atividades menos estéreis do que fazer oposição a si mesmo, talvez lhe sobre tempo para tarefas menores como, digamos, trabalhar. Do contrário, o presidente logo descobrirá que a popularidade de um governante é como o amor do Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes: não é imortal, posto que é chama. É infinita enquanto dura.


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