24/04/2024 - Edição 540

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Anotação de corretor de imóveis é nova prova contra Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas

Publicado em 13/11/2020 12:00 -

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Uma nova prova apresentada na denúncia contra Flávio Bolsonaro pelo Ministério Público do Rio reforça a acusação de que o filho 01 de Bolsonaro fez uso de dinheiro das “rachadinhas” para quitar a compra de apartamentos no Rio. Por meio da quebra de sigilo da nuvem do email do americano Glenn Dillard, os promotores identificaram que ele registrou na agenda de seu celular um encontro para o fechamento do negócio com o casal Bolsonaro. 

Entre as anotações de Dillard, que foi o responsável pela venda dos imóveis, os promotores destacam na denúncia a frase “Closing at HSBC”, o que indica, para os investigadores, que eles fecharam o negócio em um agência bancária no centro do Rio. 

As investigações já tinham identificado que, no mesmo dia em que a compra dos apartamentos foi registrada em cartório, por R$ 310 mil, Dillard efetuou ainda um depósito de R$ 638 mil em dinheiro vivo em uma agência do HSBC que fica a uma rua do cartório onde foi lavrada a escritura. Para o Ministério Público, o pagamento em espécie feito no momento da escritura foi realizado com dinheiro oriundo do esquema das rachadinhas na Alerj. 

Dillard é um dos 17 denunciados no caso, com Flávio e Fernanda Bolsonaro. Em seu depoimento, há três meses, o senador foi questionado se teve algum encontro na agência bancária para fazer o pagamento relativo aos imóveis, mas disse que não se lembrava. Ele também afirmou que não se recordava se a aquisição envolveu dinheiro em espécie.

Ao citar as anotações coletadas no celular do corretor, a denúncia do MP destaca que “todas essas circunstâncias deixam claro que os valores ilícitos foram entregues ao procurador (Dillard) pelo casal Bolsonaro, ou a seu mando, no interior da agência bancária no dia da assinatura das escrituras de compra e venda dos imóveis, e que o dinheiro em espécie foi depositado juntamente com os cheques”.

Em nota, a defesa do senador Flávio Bolsonaro afirmou que o Ministério Público “abusa da imaginação e da criatividade na denúncia contra o senador”. Disse ainda que “o fato de um corretor imobiliário ter recebido depósitos em sua conta bancária não significa que esses valores tenham sido depositados pelo senador ou pela sua esposa. A defesa reafirma que a investigação do Ministério Público está embasada em vícios processuais, enganos e erros de cálculo. Flávio Bolsonaro é inocente das acusações patrocinadas por seus inimigos e por grupos que têm claros interesses políticos”.

Na PGR

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski encaminhou à PGR (Procuradoria-Geral da República) notícia-crime sobre eventual envolvimento do presidente Jair Bolsonaro e de estruturas governamentais nas investigações de suposto esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O despacho à PGR é uma formalidade, já que o processo não foi originado pelo Ministério Público, que agora precisa se manifestar, considerando-se o foro dos envolvidos.

A representação de autoria da deputada Natália Bonavides (PT-RN) foi protocolada no STF em desfavor de Bolsonaro, de Flávio, que é filho do presidente, e ainda do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. A peça aponta para possível uso de instituições do Estado “para produção de provas em favor do filho do presidente da República”.

“Tamanha subversão das instituições não pode ficar sem a devida apuração e sem a responsabilização cabível”, diz o documento enviado pela deputada, que pede abertura de inquérito para apurar a prática de crimes de advocacia administrativa ou de tráfico de influência, e o oferecimento de denúncia, caso os fatos sejam confirmados.

Em outubro, a revista Época noticiou uma reunião ocorrida entre Bolsonaro, Heleno, Ramagem e advogados de Flávio na qual a equipe de defesa teria levado às autoridades documentos que supostamente dariam sustentação à tese da existência de uma organização criminosa na Receita Federal a serviço do levantamento de informações para relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Econômicas (Coaf).

Ainda segundo a Época, Heleno e Ramagem teriam recebido a missão de, “em nome da segurança da família presidencial”, checar e buscar elementos para apoiar a defesa do senador.

Em nota, a defesa de Flávio argumentou à época que “o fato foi levado diretamente ao GSI por ter sido praticado contra membro da família do senhor presidente da República”. Também em nota na ocasião, o GSI confirmou ter recebido de maneira informal dados “acerca de supostas irregularidades, que teriam sido cometidas em relatórios da Receita Federal”, mas conclui que não havia providência a ser tomada no âmbito do órgão.

Os rolos dos Zeros Um e Dois

Duas fraudes. Uma apenas risível. Carlos Bolsonaro, o Zero Dois do presidente da República, postou um vídeo nas redes sociais onde aparece à frente de uma estante repleta de livros. Descobriu-se que a estante é fake. Não passa de uma foto disponível em banco de imagens da internet. Carlos virou motivo de deboche.

A outra fraude é grave. O Ministério Público reuniu provas que apontam Flávio Bolsonaro, o Zero Um, como chefe de uma organização criminosa que agiu dentro da Assembleia Legislativa do Rio. Ele foi denunciado por desvio de dinheiro público e emprego de funcionários fantasmas no seu gabinete de deputado.

As investigações do Ministério Público se arrastaram por mais de dois anos. E contaram com a colaboração de Luiza Souza Paes, ex-funcionária do gabinete de Flávio, depois transferida para outras áreas da Assembleia. Em 2011, quando tinha apenas 20 anos, ela foi nomeada por Flávio assessora parlamentar.

Era vizinha no bairro de Oswaldo Cruz, subúrbio carioca, de Fabrício Queiroz, o operador financeiro da organização, segundo o Ministério Público. Após oito meses foi para a “TV Alerj”, que transmite as sessões da Assembleia. E, em seguida, para o setor de planos e orçamento ligado à presidência da Casa.

Na verdade, Luiza nunca deu um dia de trabalho. Ela e outros 11 assessores de Flávio repassaram boa parte dos seus salários para Queiroz. Só Luiza, R$ 155 mil. No seu caso, isso aconteceu durante cinco anos. Em 11 anos, o esquema operado por Queiroz, mas comandado por Flávio, movimentou R$ 6 milhões.

Diz o Ministério Público que Flávio e a mulher, Fernanda, usaram dinheiro vivo para pagar empregados, passagens de avião, quitar contas das família como a escola dos filhos, e até mesmo comprar apartamentos. Apesar da vida confortável que levava, Flávio gastava menos de 200 reais por mês com cartão de crédito.

No celular de Luiza foram encontradas trocas de mensagens com o pai dela,  amigo de Queiroz, quando as primeiras investigações começaram a sair nos jornais.

7 dezembro 2018 – Pai: Caraca! Tu viu alguma parte do Jornal Hoje, hoje de tarde? Bateu direto naquele negócio do Queiroz (…) Direto isso, a foto dele estampada na tela do jornal hoje. Agora deu ruim!

26 dezembro 2018 – Pai: Contanto que te tire disso e esqueça isso de uma vez e a gente possa viver nossa vida normalmente, ele que invente as histórias dele lá.

Dias mais tarde, Luiza foi chamada por um funcionário da presidência da Assembleia para preencher a folha de ponto, que ela confessou nunca ter assinado:

21 janeiro 2019 – Luiza: Oi, pai. (…) Parece que falta algum ponto que não tá assinado. Só que eu não lembro de ter assinado algum ponto, entendeu?

O pai de Luiza orientou a filha a não ir:

Pai: Eles querem pegar um “bucha” que é pra ver se desentoca alguma coisa.

Em abril do ano passado, Luiza e mais 94 pessoas ligadas a Flávio tiveram o sigilo bancário quebrado com autorização da Justiça.

14 maio 2019 – Luiza: Já viu as notícias? Quebraram o sigilo bancário de um monte de gente. Provavelmente o meu também.

Pai: Já vi e já estragou meu dia isso.

Outras 14 pessoas são alvos da denúncia. Entre elas, a mulher e a mãe do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, acusado de comandar um grupo de extermínio e ter ligação com a milícia do Rio, morto numa operação policial na Bahia em fevereiro de 2020. Adriano teria repassado a Queiroz algo como 400 mil reais.

A defesa de Flávio jura que ele é inocente. A de Queiroz, também. Essa, não explicou até hoje por que Queiroz e Márcia, sua mulher, depositaram 89 mil reais na conta bancária de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama.


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