28/03/2024 - Edição 540

Poder

Militares estabelecem limites a tentativa de Bolsonaro de cooptar politicamente os quartéis

Publicado em 13/11/2020 12:00 -

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O comandante do Exército, general Edson Pujol, disse nesta sexta-feira (13) que a instituição não pertence ao governo e não tem partido político. O general discursou durante um seminário de Defesa Nacional, promovido pelas Forças Armadas.

A declaração vai na linha do que Pujol disse na quinta-feira (12), durante uma live. Na ocasião, ele afirmou que os militares não querem fazer parte da política nem querem que a política entre nos quartéis.

As falas do comandante do Exército ocorreram na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro defendeu o uso de "pólvora" para defesa da Amazônia. Bolsonaro fez o comentário ao aludir ao fato de que Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, defendeu durante a campanha eleitoral sanções econômicas ao Brasil caso o país não detivesse a destruição da floresta.

“Não somos instituição de governo, não temos partido, nosso partido é o Brasil. Independente de mudanças ou permanências em determinado governo por um período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada 4 anos a nossa maneira de pensar e como cumprir nossas missões”, afirmou Pujol no seminário desta sexta.

O vice-presidente Hamilton Mourão reforçou a fala do comandante do Exército. Para Mourão, a política nos quartéis acaba com a disciplina e com a hierarquia. "[Pujol] Verbalizou o nosso modo de pensar. Não admitimos política nos quartéis, pois isso acaba com os pilares básicos da instituição, a disciplina e a hierarquia", disse Mourão.

Generais da ativa e da reserva viram a manifestação pública do comandante do Exército como um alerta de insatisfação das Forças Armadas em relação aos movimentos para politizar e enfraquecer a imagem da instituição por parte do presidente Jair Bolsonaro. A fala foi vista também como um limite para os próprios movimentos do Palácio do Planalto.

Questionado se o comandante Pujol colocou um limite para a tentativa de politização dos quartéis, o general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, foi direto: “O Pujol foi preciso. Esse é o Exército Brasileiro. Política não pode contaminar a instituição. Ele falou o que é seguido no Exército por muito tempo. Seguiu a linha mestra do Exército.”

Santos Cruz criticou o presidente em suas redes sociais. Em resposta a uma declaração dada pelo presidente na terça-feira (10), o general disse que o Brasil não é um país de Maricas. Santos Cruz disse ainda que o Brasil "precisa de  seriedade,  não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito".

De forma reservada, outro general resumiu da seguinte forma a manifestação de Pujol: “Era mesmo preciso limitar um Rubicão” (referência ao rio do Império Romano que delimitava até onde um general poderia avançar com suas tropas, para não ameaçar a capital).

Nos quadros da ativa, a fala do comandante foi vista da mesma forma. “Algo diferente disso é que seria de espantar”, disse um general, lembrando que no ano passando o Exército publicou uma portaria que proíbe manifestação política nas redes sociais.

“Isso não foi notado com a devida importância, mas tem sido fundamental para sinalizar que a Lei e a Ética valem em qualquer ambiente, particularmente no das mídias sociais. Foi mais uma 'reafirmação', porque tinha gente pensando que a internet era terra de ninguém”, completou esse general.

Integrantes do alto escalão das Forças avaliam como perigosas as manifestações do presidente que possam estimular quebra de hierarquia, um dos pilares fundamentais da organização dos militares.

Saliva e Pólvora

Manifestações constantes de Bolsonaro têm causado grande mal-estar entre militares. A mais recente foi a bravata em tom de ameaça aos Estados Unidos. Bolsonaro disse que, quando acaba a "saliva" da diplomacia, tem a "pólvora". O Brasil se transformou em motivo de piada internacional pelo episódio.

Em abril, Bolsonaro chegou a participar de ato em frente ao Quartel General do Exército em que manifestantes pediam a intervenção militar, colocando a Forças Armadas num ambiente de constrangimento.

Em recente artigo publicado no jornal "Correio Braziliense", o ex-porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, fez críticas que foram interpretadas nas Forças como um recado indireto ao próprio presidente Bolsonaro. Ele escreveu que o poder “inebria, corrompe e destrói”. No texto, Barros também criticou auxiliares presidenciais que se comportam como “seguidores subservientes”.

A preocupação nas Forças Armadas, principalmente no Exército, voltou a crescer recentemente com dois episódios que causaram grande desgaste para a imagem dos militares. Um general da reserva alertou que na gestão Bolsonaro os militares estão sofrendo uma espécie de humilhação pública.

O primeiro envolveu pessoalmente o presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou publicamente e depois enquadrou o seu ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, um general três estrelas da ativa.

Pazuello teve que se retratar pelo acordo para comprar vacinas contra o novo coronavírus produzidas pelo Instituto Butantan com tecnologia chinesa.

Na sequência, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, um general quatro estrelas que entrou para a reserva recentemente, foi rotulado como “#mariafofoca” pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, num embate público pelas redes sociais.

O próprio tratamento público de Bolsonaro ao vice-presidente Hamilton Mourão, um general quatro estrelas, tem causado contrariedade entre os militares. Por ser “indemissível”, como bem ressaltou Bolsonaro, Mourão tem feito muitas vezes um contraponto ao próprio presidente.

Capitão e Mourão não discutem! Nem se falam…

Muita gente ficou preocupada com a declaração de Jair Bolsonaro segundo a qual pode ser necessário recorrer às armas para proteger a Amazônia contra as investidas de Joe Biden. "Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora", disse o presidente. Há coisa pior.

Como a hipótese de um "país de maricas" declarar guerra aos Estados Unidos só existe como piada, a pólvora que mais preocupa é a que Bolsonaro dispara contra o seu próprio governo. O presidente agora decidiu praticar tiro ao alvo tendo na alça de mira o seu vice, o general Hamilton Mourão.

Ganhou o noticiário um lote de estudos elaborados pelo Conselho de Desenvolvimento da Amazônia, comandado por Mourão. Esses estudos incluem a proposta de expropriar terras de quem comete crime ambiental. Bolsonaro, como de hábito, transformou o cercadinho do Alvorada em plataforma de tiro.

"Ou é mais uma mentira ou alguém deslumbrado do governo resolveu plantar esta notícia", declarou o presidente. "A propriedade privada é sagrada, não existe nenhuma hipótese neste sentido. Se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo. A não ser que esta pessoa seja indemissível." Mourão, eleito na chapa de Bolsonaro, não está ao alcance da caneta do capitão.

Mourão dobrou os joelhos: "É algo que está totalmente fora do contexto. E eu, se fosse o presidente, também estaria extremamente irritado, porque isso é um estudo, é um trabalho que ainda precisa ser finalizado, e que só depois poderia ser submetido à decisão dele."

A Constituição prevê expropriação de imóveis rurais e urbanos em apenas dois casos: de cultivo ilegal de drogas e exploração de trabalho escravo. A proposta em estudo no Conselho da Amazônia inclui os crimes ambientais, uma forma de punir quem desmata a floresta ilegalmente. Bolsonaro está nem aí para quem faça isso. Por isso entrou na mira do futuro presidente americano.

Nos anos 80, Bolsonaro foi afastado do Exército por conduta antiética. Para complementar seu salário, e às escondidas dos seus superiores, foi garimpeiro. Planejou atentados terroristas em quartéis. Negociou a patente de capitão em troca de deixar a farda sem fazer maior escarcéu. Por muito tempo, nem ele nem seus filhos puderam frequentar colégios ou clubes militares.

Há dois dias, Bolsonaro já havia alvejado Mourão. Desautorizou a declaração do vice de que ele esperaria a resolução do "imbróglio" da eleição americana para depois "transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito." O presidente encrespou-se: “O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, disse Bolsonaro, que ainda não se manifestou sobre a vitória de Joe Biden e teima em aguardar o fim das ações judiciais movidas pelo presidente Donald Trump, seu aliado.

Como se vê, Bolsonaro e Mourão terão um relacionamento duradouro. Embora se desentendam em tudo, eles jamais discutem. Na verdade, os dois já nem se falam. E pensar que ainda terão de se aturar por mais de dois anos.


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