28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Russomanno e Crivella não endossaram compromisso contra escravidão em 2020

Publicado em 12/11/2020 12:00 -

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Desde 2006, a iniciativa da Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo recolhe assinaturas de candidatas e candidatos a cargos no Poder Executivo que se comprometem a colocar o combate à escravidão contemporânea como prioridade em suas gestões. Como resultado, políticas públicas adotadas tiveram origem no documento, como a criação de planos municipais e estaduais para a erradicação dessa forma de exploração, além da aprovação de leis para o atendimento de vítimas.

Na edição de 2020, as 12 entidades que atuam no combate à escravidão e organizam a iniciativa convidaram todos os que disputam as prefeituras de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém para endossarem o documento. Mas, a Carta-Compromisso está aberta para o endosso de candidatos de municípios de todo o país.

Até este momento, esta era a lista de quem haviam assinado a carta nessas cinco capitais:

São Paulo – Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Jilmar Tatto (PT), Joice Hasselman (PSL), Márcio França (PSB), Marina Helou (Rede) e Vera Lúcia (PSTU)

Rio de Janeiro – Benedita da Silva (PT), Clarissa Garotinho (Pros), Eduardo Paes (DEM), Luiz Lima (PSL), Martha Rocha (PDT) e Renata Souza (PSOL)

Recife – Delegada Patrícia (Podemos) e Marília Arraes (PT)

São Luís – Bira do Pindaré (PSB), Neto Evangelista (DEM), Professor Franklin (PSOL), Silvio Antonio (PRTB) e Yglésio Moyses (Pros)

Belém – Cássio Andrade (PSB), Cleber Rabelo (PSTU) e Edmílson Rodrigues (PSOL)

Entre os primeiros colocados em São Paulo, a campanha de Celso Russomanno (Republicanos) foi contatada, mas ainda não assinou. No Rio, a campanha de Marcelo Crivella também não endossou em 2020 – o prefeito da capital fluminense havia assinado a versão da Carta-Compromisso na campanha de 2016.

Entre os primeiros colocados em Recife, João Campos (PSB) ainda não assinou. Em São Luís, Eduardo Braide (Podemos) e Duarte Júnior (Republicanos) também não. E, em Belém, Priante (MDB) e Thiago Araújo (Cidadania) também não.

Iniciativa ajudou a aprovar leis e engajar governos

Entre os compromissos, está o de não promover empresas que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil. E, por outro lado, apoiar aquelas que combatem a incidência desse crime em seus setores produtivos. Também está o de implantar atendimento jurídico e social aos trabalhadores migrantes brasileiros e estrangeiros. E apoiar uma política de atendimento aos trabalhadores resgatados com ações específicas voltadas à assistência psicossocial, à educação básica e profissionalizante e à reintegração socioeconômica.

Os candidatos prometem exonerar qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob responsabilidade dos eleitos que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra. E a renunciar ao mandato caso fique comprovado que foram responsabilizados por esse tipo de exploração em seus negócios pessoais.

Neste ano, a carta é uma iniciativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), do Instituto Trabalho Decente, do Instituto Trabalho Digno, do Ministério Público do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Repórter Brasil e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

Mais de 55 mil foram libertados desde 1995 no Brasil

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Desde 1995, quando o Brasil criou seu sistema de combate à escravidão contemporânea, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batata, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis, entre outras atividades.

As cartas com as assinaturas dos candidatos podem ser encontradas nas páginas criadas para a Carta-Compromisso de 2020 on Facebook e no Instagram

Compromissos assumidos pelos candidatos:

1) Combater o trabalho escravo e o tráfico de pessoas como uma das prioridades de meu mandato;

2) Atuar pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo;

3) Não permitir influências de qualquer tipo em minhas decisões, que impeçam a aprovação de leis ou a implementação das ações necessárias à erradicação do trabalho escravo;

4) Efetivar as ações constantes do 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, bem assim, se for o caso, as previstas em Planos Estaduais e Municipais, além de apoiar a implantação e/ou a manutenção de comissões municipais voltadas à erradicação do trabalho escravo;

5) Reconhecer e defender a definição de trabalho análogo ao de escravo presente no artigo 149 do Código Penal, caracterizado pelo trabalho forçado, pela servidão por dívida, por condições degradantes ou jornadas exaustivas;

6) Não promover empreendimentos ou empresas que tenham se utilizado de mão de obra escrava ou infantil, dentro ou fora do Município a que me encontro vinculado, bem como apoiar empresas para o desenvolvimento e a implementação de ações e medidas de combate ao trabalho análogo ao de escravo em suas cadeias de valor;

7) Apoiar articulações políticas destinadas à aprovação de leis que possam contribuir para a erradicação do trabalho análogo ao de escravo;

8) Buscar e assegurar medidas de proteção dos defensores dos direitos humanos e de líderes sociais que atuam no combate à escravidão e na defesa dos direitos dos trabalhadores;

9) Apoiar a criação e implantação de estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores migrantes brasileiros e estrangeiros em todo o território nacional;

10) Informar aos trabalhadores de seus direitos por intermédio de campanhas de informação, que incluam as entidades públicas competentes, e buscar a inclusão da temática do trabalho escravo contemporâneo nos parâmetros curriculares da rede pública de ensino municipal;

11) Apoiar a implementação de uma política de atendimento aos trabalhadores resgatados com ações específicas voltadas à assistência psicossocial, à educação básica e profissionalizante e à reintegração socioeconômica;

12) Buscar a aprovação ou a regulamentação de projetos de lei municipais que condicionem a formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública à declaração, pelas empresas contratadas, de que não utilizam trabalho análogo ao de escravo na produção de seus bens e serviços;

13) Apoiar o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, conhecido como a "lista suja", mantido pelo Governo Federal desde 2003, cuja constitucionalidade foi reafirmada, em setembro de 2020, por decisão plenária do Supremo Tribunal Federal.

Enquanto isso na Amazônia…

Segundo levantamento realizado pelo site De Olho nos Ruralistas, nove candidatos a prefeito estiveram na “lista suja” do trabalho escravo entre 2004 e 2020. Ao todo, incluindo aqueles que concorrem a vice e às Câmaras Municipais, 23 políticos foram indiciados por submeter 276 trabalhadores a condições análogas à escravidão.

O observatório cruzou os números de CPF de 552.840 candidaturas registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com as listagens do Cadastro de Empregadores autuados pelo Ministério do Trabalho — incorporado ao Ministério da Economia em 2019 como secretaria.

Dos 23 casos encontrados, 14 ocorreram em municípios da Amazônia Legal. Oito deles entre candidatos a prefeito. Pará (5), Maranhão (4) e Mato Grosso (3) são os estados com maior incidência de políticos da “lista suja” concorrendo na eleições de 2020.

Leia abaixo:

Maranhão concentra casos entre prefeitos

Candidato a prefeito de Paragominas (PA) pela terceira vez, o ex-deputado estadual Sidney Rosa (MDB) se destaca na lista como o político que submeteu o maior número de trabalhadores a condições análogas à escravidão. Sidney — ou Shydney, pelo nome de batismo — é dono da Rosa Madeireira e sócio de outras três empresas dedicadas à exportação de toras e compensados de madeira.

Em 2003, uma operação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal encontrou 41 trabalhadores em condições precárias de alojamento em uma propriedade do político em Carutapera (MA), a 130 quilômetros de Paragominas. Segundo o relato dos fiscais, os empregados da Fazenda Vitória não tinham acesso a banheiros nem energia elétrica e estavam havia meses sem receber salários em função de dívidas contraídas com os aliciadores.

O caso não impediu a ascensão política de Rosa, que sempre negou as acusações. Após dois mandatos como prefeito do município paraense (1997-2004), ele foi nomeado secretário de Desenvolvimento Econômico e Incentivo à Produção no governo do tucano Simão Jatene. Atualmente, é vice-presidente licenciado da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) e coordenador da Frente Pró-Floresta da Amazônia Legal, grupo composto por representantes do setor madeireiro e parlamentares que defende a destinação de parte do Fundo Amazônia para o manejo florestal.

Em segundo lugar, aparece outro ex-prefeito que busca reassumir o cargo. Prefeito de Codó (MA) entre 2009 e 2016, Zito Rolim (PDT) foi flagrado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão (SRTE/MA) após submeter 24 pessoas, incluindo um adolescente de 17 anos, a condições degradantes na roça de uma área de pasto na Fazenda São Raimundo/São José, em Peritoró (MA). Segundo a denúncia, os trabalhadores não tinham acesso a água tratada e recebiam um valor variável de R$ 10 a R$ 12 por dia. O caso foi encerrado em 2013 com um acordo judicial que acertou o pagamento de indenização por danos morais.

Outro prefeito maranhense que aparece na lista é Francisco Dantas Ribeiro Filho (PP), mais conhecido como Fufuca, que disputa a reeleição em Alto Alegre do Pindaré (MA). Pai do deputado André Fufuca (PP-MA), que ficou conhecido nacionalmente após presidir a Câmara por alguns dias durante viagem do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), o político entrou na “lista suja” do trabalho escravo em 2006, quando doze trabalhadores foram libertados da Fazenda Piçarreira. Paralisada desde 2013, a ação penal contra ele foi retomada em 2017 pelo Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF-1).

Pecuaristas são destaque entre os políticos "escravagistas"

A pecuária é o principal setor entre os casos de trabalho escravo envolvendo candidatos a prefeito. Dos nove casos levantados pelo De Olho nos Ruralistas, seis envolvem a “limpeza” de áreas para pasto ou a criação de gado para corte.

Candidato à reeleição em Abel Figueiredo (PA), Hildefonso de Abreu Araújo (PP) foi condenado em 2019 pela Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pagar R$ 200 mil em danos morais coletivos a onze trabalhadores, encontrados em condições análogas a de escravo na Fazenda Vale Verde, de propriedade de seu irmão Juscelino de Abreu Araújo.

Dono de um patrimônio de R$ 18 milhões, que inclui três fazendas e 2.800 cabeças de gado, ele é reincidente na acusação. Em 2006, outros 22 trabalhadores foram resgatados em uma fazenda de Hildefonso em Rondon do Pará. O prefeito aparece em 16º lugar na lista de candidatos com o maior número de bois declarados ao TSE, segundo levantamento do De Olho nos Ruralistas que abre a série O Voto que Devasta: “Mil candidatos a prefeito declaram 308 mil cabeças de gado“.

Outro pecuarista que aparece na lista, na 5ª posição, é o atual prefeito de Nova Canaã do Norte (MT), Rubens Roberto Rosa (PDT), conhecido como Rubão. Dono de 7.334 cabeças de gado e de um patrimônio de R$ 25 milhões, ele foi incluído na “lista suja” em 2013, quando foi indiciado por submeter oito trabalhadores a condições degradantes.

Segundo a denúncia do MPF, reproduzida pela Agência Pública, os empregados “eram sujeitos a dormirem em barracos sob a proteção de lonas plásticas, alimentação precária, sem disponibilidade de água potável, dividindo o ambiente com animais peçonhentos, vivendo sem quaisquer condições de higiene”. O processo foi encaminhado ao TRF-1 em 2017, após Rubão assumir a prefeitura, mas foi devolvido para a 2ª Vara Federal de Sinop (MT), onde foi negado o provimento à denúncia do MPF.

Mais reservado, o prefeito de Caroebe (RR), Argilson Martins (Solidariedade), não incluiu gado ou propriedades rurais em sua declaração de bens ao TSE. Em 2014, ele foi denunciado em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em Roraima (MPT) após uma operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho libertar dois empregados da Fazenda Modelo (3 Corações), alojados em barracos de lona e sem registro na carteira de trabalho.

Parentes de políticos também acumulam denúncias

Em alguns casos, o envolvimento com trabalho escravo e irregularidades trabalhistas não se resume aos próprios candidatos. Para alguns políticos, a ligação com a “lista suja” se dá através de familiares, como no caso do ex-governador da Bahia, Nilo Coelho (DEM), conhecido também como Nilo Boi, candidato a prefeito em Guanambi (BA).

Em 2011, a Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho resgatou 22 trabalhadores em regime de trabalho na Fazenda Rural Verde, pertencente ao irmão de Nilo, Silvio Roberto de Moraes Coelho. Os trabalhadores, que cortavam árvores e faziam cercas, se abrigavam em barracos de lona, usavam instalações sanitárias insalubres e consumiam água de um tanque de alvenaria abastecido por um caminhão pipa.

De acordo com reportagem da Repórter Brasil, a propriedade tinha 39 mil hectares, 400 quilômetros de cerca construída e abrigava cerca de 10 mil cabeças de gado. As verbas rescisórias devidas ao grupo resgatado foram calculadas em R$ 80 mil. Contatado na época pelo jornalista Leonardo Sakamoto, ele negou as irregularidades e disse que às vezes contratava “um cerqueiro que faz serviço por empreitada”. Mandou o repórter “para o inferno” antes de desligar o telefone.

Principal executivo da TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia, Nilo é tema de outra reportagem da série: “Cinquenta e um candidatos a prefeito em 21 estados declaram possuir rádios e TVs“.

Em Matipó (MG), a disputa pela prefeitura envolve um caso de trabalho escravo ocorrido a quase 4 mil quilômetros de distância, no município de Boca do Acre (AM). Em 2011, uma operação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Amazonas (SRTE/AM), do MPT e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) resgatou 42 trabalhadores em duas fazendas de pecuária, de posse dos irmãos Antônio Fábio e Sebastião Gardingo.

Eles são, respectivamente, pai e tio de Fábio Henrique Gardingo (Cidadania), que tenta ocupar pela segunda vez a prefeitura do município mineiro. A família é dona da rede de supermercados São João e de uma das principais exportadoras de café de Minas Gerais, a Gardingo Trade.

Candidato em 2016, o tio de Fabinho, conhecido pelo apelido de Tãozinho, é investigado pelo MPF na Operação Ojuara por constituir uma milícia particular formada por policiais militares para expulsar posseiros e extrativistas de terras públicas em Boca do Acre, que eram posteriormente griladas por Gardingo e seu irmão.

Treze vereadores estão na "lista suja"

O envolvimento com casos de trabalho escravo não se resume aos prefeitos. Juntos, os treze candidatos a vereador listados no cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho, hoje Ministério da Economia, submeteram 123 trabalhadores a condições análogas à escravidão. Veja abaixo:


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