23/04/2024 - Edição 540

Ecologia

Governo ataca ONGs por não saber combater desmatamento

Publicado em 10/11/2020 12:00 -

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O Conselho Nacional da Amazônia Legal está mesmo decidido a enquadrar as organizações não governamentais. É isso que se pode ver no documento que resume a última reunião do Conselho, realizada no último dia 3. Ele prevê a criação de um marco regulatório das ONGs (organizações não governamentais), mas curiosamente mostra estratégias e propostas que não combinam com as atitudes do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente. A coluna teve acesso ao documento que cita iniciativas estratégicas prioritárias, planejamento e ações estratégicas.

Para disfarçar o objetivo, o documento ameaça desapropriar terras que não obedecerem legislação ambiental. Especialistas acham que isso está lá para inglês ver. O objetivo real é constranger as ONGs. O texto comprova boatos que já indicavam que o governo pretende ter controle sobre essas organizações.

A criação de um marco regulatório está inserida na categoria “ações estratégicas prioritárias” e demonstra o interesse dessa gestão de fiscalizar o trabalho das ONGs na Amazônia. Em setembro, durante transmissão ao vivo em rede social, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não consegue “matar esse câncer chamado ONG”.

Após a repercussão negativa da proposta inserida no documento, o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal, afirmou nesta segunda, 9, que vai esclarecer a situação, pois “não é dessa forma que a coisa está colocada”.

Em outro ponto do documento, a proposta de “expropriar propriedades rurais e urbanas acometidas de crimes ambientais ou decorrentes de grilagem ou de exploração de terra pública sem autorização” causa estranhamento em especialistas da área.

A ideia é vista de forma positiva por ambientalistas, mas vai na contramão das ações de um governo que trabalha para legalizar terras griladas, nega o aumento do desmatamento, reduz a cobrança de multas e falha na fiscalização ambiental. Por isso, a impressão de especialistas é de que o documento do Conselho da Amazônia é “para inglês ver”, tentando desbloquear o Fundo Amazônia e reduzir as críticas ao governo.

Ao tratar da importância da Amazônia para o mundo, o documento sugere que há uma “apropriação do que os grupos de ecologistas e ambientalistas chamam hoje de capital natural ou capital intangível” e destaca que a estratégia que o Brasil deve adotar é assegurar sua soberania pela Coordenação e Integração de Políticas Públicas, por intermédio do Conselho Nacional da Amazônia Legal.

Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o Brasil registrou 836,2 km² de desmatamento na Floresta Amazônica no mês de outubro, o pior índice desde 2015 e que representa aumento de 50,6% em relação a outubro de 2019, quando o Inpe identificou 555,2 km² de áreas devastadas.

Teoria da conspiração

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, classificou como “teoria da conspiração” a avaliação do governo Bolsonaro de que a China tem interesses nos recursos naturais estratégicos, especialmente a água do Brasil.

A percepção do governo consta em documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, que diz que as potencialidades nacionais estão na mira de outros países.

“Quem vive de teorias da conspiração acaba falando coisas totalmente fora da realidade. Este é um governo que pratica este tipo de situação: imagina um mundo irreal, dá declarações sobre o mundo imaginário que causam problemas diplomáticos. É o caso do documento, que acusa ONGs, acusa interesses internacionais, faz uma serie de acusações, mas que, no fim das contas, tem o propósito de esconder a incompetência do próprio governo em resolver os problemas domésticos”, afirma Astrini.

“Até parece que os interesses da China e das [Organizações Não-Governamentais] ONGs impedem o governo de combater o desmatamento na Amazônia, por exemplo”, acrescenta.

O documento, de acordo com o Estadão, destaca também um possível apoio de “entidades ambientalistas” aos governos europeus, além de “interesses menos republicanos entre nacionais”.

Para Astrini, o CNAL, que é comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, quer calar os críticos, já que o órgão prevê a criação de um “marco regulatório” para controlar as ONGs que atuam na região.


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