25/04/2024 - Edição 540

Poder

MP denuncia Flávio Bolsonaro por organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro

Publicado em 06/11/2020 12:00 -

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O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), o filho zero um do presidente Jair Bolsonaro, foi denunciado pelo Ministério Público do Rio pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita no âmbito das investigações do caso Queiroz. A denúncia foi apresentada ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio em 19 de outubro, mas foi recebida pelo desembargador, que na ocasião estava de férias, somente nesta terça-feira. Flávio é apontado como líder de um esquema corrupto —apelidado de rachadinha— que desviava parte dos salários —pagos com dinheiro público— de 23 ex-assessores de seu gabinete entre 2007 e 2018, período em que foi deputado estadual no Rio. O ex-policial militar e ex-assessor Fabricio Queiroz, espécie de faz tudo da família Bolsonaro, é tido como operador financeiro do grupo e foi denunciado, junto com outros 15 ex-assessores, pelos mesmos crimes que seu antigo chefe. Ambos negam as acusações.

As investigações, que começaram em meados de 2018 após Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar movimentações atípicas nas contas de Queiroz, concluíram que no mínimo 2,7 milhões de reais foram movimentados por Flávio a partir de funcionários que, em sua maioria, não exerciam suas atividades no gabinete ou sequer davam expediente da Assembleia do Rio.

Desse montante, pouco mais de dois milhões vieram de centenas de transferências bancárias e depósitos em espécie feitos por ao menos 13 assessores com quem o ex-policial tinha relação de parentesco, vizinhança ou amizade. Segundo as investigações, o dinheiro era então repassado para Flávio Bolsonaro através de outros depósitos ou pagamento de despesas pessoais. Sempre em dinheiro vivo. O MP do Rio identificou mais de cem boletos de escola e plano de saúde pagos com dinheiro em espécie, além de um depósito de 25.000 reais na conta bancária da esposa de Flávio Bolsonaro.

A ocultação do dinheiro também se dava a partir de transações imobiliárias de pagamentos na loja de chocolates da qual Flávio Bolsonaro era sócio. Além disso, o inquérito também reforçou ainda mais o elo de Queiroz e da família Bolsonaro com Adriano Magalhães da Nóbrega, o ex-capitão do Bope que liderava o grupo miliciano Escritório do Crime, suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e que estava foragido até ser morto em uma operação policial em fevereiro deste ano. Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, ex-mulher e mãe de Adriano, também foram empregadas no gabinete e Flávio repassaram juntas para Queiroz 200.000 reais, sempre de acordo com o MP. As pizzarias de Raimunda teriam repassado ainda outros 200.000 reais.

O MP ainda identificou nove ex-assessores de Flávio que são parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-esposa e mãe do filho mais novo do presidente Jair Bolsonaro. Seis teriam sacado mais 90% de seus salários, e outros três mais de 70%, somando quatro milhões de reais.

Toda essa movimentação financeira gerou reportagens na imprensa que levaram Queiroz para o centro dos holofotes no final de 2018. Após ser submetido a uma cirurgia para a retirada de um câncer no hospital Albert Einstein, em janeiro de 2019, o faz-tudo do clã Bolsonaro sumiu dos radares das autoridades. No período em que ficou escondido, o ex-policial seguia dando ordens através de mensagens de celular e “atuava de forma sistemática para embaraçar as investigações”, segundo o MP. Foi com base nessa suspeita de tentar obstruir a Justiça que Queiroz foi preso preventivamente em 18 de junho. Ele foi encontrado na casa do advogado Frederick Wassef, que representava Flávio e é bastante próximo ao presidente.

89.000 para Michelle

No radar das autoridades estão ainda os 27 depósitos em cheque feitos por Queiroz a Michelle Bolsonaro, esposa de Jair Bolsonaro, que somam 89.000 reais. No total, o valor repassado por Queiroz a parentes do mandatário pode chegar a quase 450.000 reais. Além disso, escrituras públicas indicam que o vereador Carlos Bolsonaro, o filho zero dois do presidente, pagou 150.000 reais em dinheiro vivo por um apartamento quando tinha 20 anos de idade, segundo informou o Estado de S. Paulo. Já o jornal O Globo identificou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho zero três, usou 150.000 reais em dinheiro vivo para pagar parte de dois apartamentos na zona sul do Rio comprados em 2011 e 2016. Apesar não ser ilegal, a compra de bens de alto valor com dinheiro vivo gera suspeitas de lavagem de dinheiro.

Defesa indefesa

Flávio Bolsonaro falou por meio de uma nota dos advogados. Disse que a denúncia "era esperada" e "não se sustenta". Definiu o relato dos investigadores como "uma crônica macabra e mal engendrada".

Ao enumerar os supostos defeitos da denúncia, a nota da defesa diz coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Fala em "vícios processuais", "erros de narrativa e matemáticos". Alega que não há "qualquer indício de prova."

Flávio Bolsonaro declara-se inocente desde que as suspeitas de desvio de verbas da folha de seu gabinete vieram à luz, no final de 2018. Num segundo momento, aderiu a uma retórica petista ao dizer que não sabia de tudo o que o então assessor Fabrício Queiroz fazia em seu gabinete. E insinuou que o Ministério Público faz perseguição política, usando-o como degrau para chegar ao pai-presidente.

Agora, alega-se que a denúncia do Ministério Público não fica em pé. O curioso é que os advogados do filho do presidente, os atuais e o anterior, sempre se esforçaram para criar incidentes processuais.

Tentaram bloquear as investigações uma dezena de vezes. Conseguiram apenas deslocar o caso da primeira instância para o foro especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Exigiram segredo absoluto em torno do processo.

O sigilo faz de Flávio Bolsonaro um inocente sui generis, que se recusa a levar à vitrine a denúncia cuja suposta fragilidade comprovaria sua inocência. A estratégia da defesa reforça a impressão de que Flávio Bolsonaro tornou-se um denunciado indefeso.

Terceirização da culpa

"Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço." A declaração do senador Flávio Bolsonaro serve para o caso revelado pelo portal Metrópoles, de que ele viajou para descansar em Fernando de Noronha e mandou a conta para os cofres públicos. Ou seja, se tudo ficasse na penumbra, acabaríamos pagando o vinagrete de polvo do senador.

Descoberto, o primogênito do presidente da República prometeu que vai bancar as próprias despesas. Segundo nota divulgada por sua assessoria, ocorreu um erro de sua equipe, que pediu o reembolso pela passagem aérea, além do pagamento de diárias de viagem pelo tempo em que ele permanecerá no arquipélago.

Mas a frase que abre este texto foi empregada por ele, em 22 de janeiro de 2019, quando responsabilizou seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, pela contratação de familiares de Adriano da Nóbrega, então chefe do Escritório do Crime, para trabalharem em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

O Ministério Público investigou a ex-esposa e a filha de Nóbrega e defende que faziam parte de um esquema de desvio de recursos públicos que teria o, hoje, senador como chefe. O miliciano, condecorado duas vezes por Flávio Bolsonaro e seu ex-instrutor de tiro, foi morto em fevereiro.

"Continuo a ser vítima de uma campanha difamatória com objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro. A funcionária que aparece no relatório do Coaf foi contratada por indicação do ex-assessor Fabrício Queiroz, que era quem supervisionava seu trabalho", disse na época, jogando a batata quente para o colo do Queiroz.

Na pior das hipóteses, o senador terceirizou a culpa por seus erros aos seus subordinados para se safar. Na melhor, não tem gestão alguma sobre sua equipe, que faz o que quer.

Isso vai ao encontro do comportamento de seu pai, que terceiriza a responsabilidade pelos problemas que ele ajuda a causar. Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, tanto no deste ano quanto no de 2019, Bolsonaro culpou indígenas por incêndios na floresta amazônica. Nada falou sobre a responsabilidade por parte de seu governo, que entregou um salvo-conduto a madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas ilegais desde que assumiu.

Com a mesma desenvoltura, propagou aos quatro ventos que o Supremo Tribunal Federal cravou que prefeitos e governadores são os responsáveis pelas políticas de combate ao coronavírus, e que isso o impediu de agir. O que o STF disse é que Estados e municípios também deveriam participar da elaboração da política contra a pandemia. Ou seja, lembrou que somos uma federação que deve ser gerida com base no diálogo entre União, Estados e municípios.

O padrão se estende por todo o governo e até ofensas são terceirizadas. Por exemplo, em visita ao mesmo arquipélago de Fernando de Noronha, a conta no Twitter do ministro das Queimadas e do Desmatamento, Ricardo Salles, chamou o presidente da Câmara dos Deputados de "Nhonho" no dia 28 de outubro. Depois, afirmou que "alguém se utilizou indevidamente" de sua rede social.

Coragem para assumir erros, falhas e problemas sob sua responsabilidade é uma das características que separam adultos de crianças pequenas e também atributo fundamental de uma liderança pública. Pena que esse tipo está em falta nos altos estratos da República. Estamos acostumados a comparar o governo com os primeiros anos do ensino fundamental, dada a falta de maturidade. Discordo, nem a quinta série age assim diante de flagrantes tão gritantes.


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