25/04/2024 - Edição 540

Poder

AGU atua na defesa pessoal de Bolsonaro com a benção da PGR, diz pesquisa

Publicado em 06/11/2020 12:00 -

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A Advocacia-Geral da União tem assumido o papel de defesa pessoal do presidente da República e de seus interesses, sendo corroborada pela Procuradoria-Geral da República – que não se opõe à AGU em, pelo menos, 78% das ações constitucionais que contestam as políticas de Jair Bolsonaro (sem partido). Ou seja, a PGR assume a mesma defesa ou se manifesta apenas tardiamente, evitando o debate de méritos sobre os atos do presidente.

A avaliação é resultado de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu o poder, no início do ano passado, pelo Supremo em Pauta, centro de pesquisa da FGV Direito SP que se dedica a analisar o comportamento do Supremo Tribunal Federal.

Os dados preliminares do levantamento apontam uma forte atuação da AGU enquanto advocacia de defesa personalíssima do presidente da República para além da advocacia de governo e de Estado, valendo-se de argumentos questionáveis para defender os atos e omissões do chefe do Executivo e de seus ministros. E, enquanto isso, a PGR esquiva-se, garantindo que apenas os argumentos da AGU sejam levados em conta nos processos.

De 1º de janeiro de 2019 a 27 de julho de 2020, 155 ações foram propostas no Supremo Tribunal Federal relativas às políticas de Jair Bolsonaro. A AGU se manifestou em 113 das 155 ações até o momento e, na maior parte dos pareceres analisados pelo grupo de pesquisa, há uma defesa veemente da necessidade de autocontenção do Poder Judiciário, em especial do STF.

Argumentando pela ampliação da discricionariedade dos agentes públicos em matérias administrativas, a Advocacia-Geral da União pede o afastamento da possibilidade de atuação da corte. E, valendo-se de precedentes genéricos, afirma que a atuação judiciária em determinados casos seria contrária à separação dos poderes.

Já a participação da Procuradoria-Geral da República nessas ações, de acordo com a pesquisa, chama a atenção pela opção de não atuação.

Tendo oferecido apenas 59 dos 155 pareceres esperados, a PGR o fez na maioria das vezes (cerca de 62% dos casos) depois que a ação teria perdido o objeto – após a Medida Provisória ter sido convertida em lei ou ter caducado ou depois de um decreto ser revogado, por exemplo.

"Foi possível identificar um alinhamento com a argumentação da AGU, não havendo um esforço para se opor à defesa apresentada, especialmente considerando o período a partir do qual Augusto Aras assumiu a função de procurador-Geral da República", afirma Para Luiza Pavan, pesquisadora da FGV Direito SP. De acordo com ela, considerando-se as 30 manifestações de Aras analisadas até agora, em apenas cinco ele divergia do posicionamento da AGU.

Para Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Supremo em Pauta, "os dados preliminares são preocupantes, pois apontam uma advocacia pública descompromissada com a legalidade e com a constitucionalidade dos atos presidenciais e uma PGR omissa em seu papel de controle". Segundo ela, a Constituição e o interesse público estão órfãos nos processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal.

Os resultados da pesquisa foram apresentados no último dia 3, por Eloísa Machado e Luíza Pavan e pelos pesquisadores Ana Beatriz Pires, Bárbara Arnaut, Helena Camargo, Helena Lopes, Ilson Maciel, Larissa Cintra, Maria Cecília Moreira, Vítor Saddi.

Gavetas da PGR precisam de luz solar e ar fresco

Todo brasileiro preocupado com a ética e os bons costumes precisa prestar atenção às gavetas da Procuradoria-Geral da República. Em teoria, não há segredo no funcionamento de gavetas. São compartimentos que correm para dentro ou para fora das escrivaninhas e dos arquivos, exibindo ou escondendo o seu conteúdo. O diabo é que, nos últimos tempos, o que era simples tornou-se confuso. As gavetas da Procuradoria abrem e fecham sem método.

O procurador-geral Augusto Aras reabriu duas investigações contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Envolvem suspeitas de recebimento de propina e caixa dois eleitoral da construtora OAS. Aras herdou os dois inquéritos da antecessora Raquel Dodde. Um havia sido arquivado por Dodge. Outro, estava pronto para ser convertido em denúncia há mais de um ano. De repente, Aras unificou os dois inquéritos, desarquivando o que não deveria ter sido arquivado e devolvendo ao estágio de investigação o que já poderia ter sido denunciado no ano passado.

As gavetas que estocavam a munição contra Rodrigo Maia foram abertas num instante em que o deputado mede forças com o colega Arthur Lira, o líder do centrão que disputa o comando da Câmara com o apoio de Jair Bolsonaro. Curiosamente, a Procuradoria fechou há um mês a gaveta referente a Arthur Lira. Braço direito de Aras na Lava Jato, a subprocuradora-geral Lindôra Araújo, que havia denunciado o mandachuva do centrão por receber propinas da construtora Queiroz Galvão, inventou uma "desdenúncia". Ela pediu ao Supremo que arquivasse um caso que dizia estar provado "para muito além de meras palavras de colaboradores",

O Brasil já conviveu com uma Procuradoria chefiada por um engavetador-geral. Já assistiu também à atuação de um procurador que transformava o conteúdo das gavetas em flechas. Agora, surge o procurador que transforma gavetas em caixinhas de surpresa. Numa videoconferência organizada pela Universidade de Coimbra, de Portugal, o ministro Dias Toffoli, do Supremo, elogiou Aras porque ele trabalha em silêncio, sem "pirotecnia".

O silêncio, tão necessário em época de grandes barulhos, também é muito útil para escutar estranhos ruídos. O som esquisito que se ouve embaixo das escrivaninhas da Procuradoria indica que as gavetas do órgão precisam ser escancaradas, expondo-se à luz do sol e a lufadas de ar fresco.


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