25/04/2024 - Edição 540

Poder

Rompidos desde 2018, Lula e Ciro Gomes acertam trégua com vistas a 2022

Publicado em 30/10/2020 12:00 -

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Rompidos desde a eleição de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) selaram as pazes em uma conversa. O gesto pode significar o início de uma reaproximação entre os partidos de esquerda de olho na disputa presidencial de 2022, apesar de o assunto não ter sido abordado no encontro.

O armistício foi intermediado pelo governador do Ceará, Camilo Santana, filiado ao PT, mas aliado dos irmãos Ferreira Gomes em seu estado. As tratativas para viabilizar a conversa duraram mais de um mês.

A reunião, no começo de setembro, ocorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo, e durou uma tarde inteira. Ciro falou de suas mágoas com o PT, enquanto Lula lembrou os ataques do ex-ministro ao partido.

O tema central da conversa, porém, foi o governo do presidente Jair Bolsonaro e a situação do país diante da pandemia de coronavírus. Diagnósticos sobre as razões do resultado eleitoral também foram apresentados.

Desde o encontro, Ciro e Lula mudaram o tom ao se referirem um ao outro e cessaram os ataques e alfinetadas. Os dois tiveram uma relação próxima, principalmente no primeiro governo do ex-presidente, quando o hoje pedetista foi ministro da Integração Nacional. O ex-presidente costumava exaltar a postura leal do ex-subordinado durante a crise do mensalão, em 2005, o primeiro grande desgaste da era petista.

Com o correr dos anos, mantiveram o contato, apesar de alguns ataques pontuais. O clima entre eles, porém, se deteriorou ao longo da eleição de 2018. Lula era o candidato do PT, chegou a ser inscrito na Justiça Eleitoral, mas foi impedido de concorrer por causa da condenação na Lava-Jato no caso do tríplex do Guarujá.

Os petistas chegaram a oferecer a Ciro a possibilidade ser vice de Lula para depois que ocorresse o indeferimento — desta forma, o pedetista assumiria a cabeça da chapa. Ciro classificou a oferta, entre outros termos, de “aberração” e “papelão” e disse que não aceitaria ser um “vice de araque”.

Na mesma campanha, o ex-presidenciável do PDT também se irritou com a manobra realizada pelo PT para tirar a candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco, em favor de apoio à reeleição de Paulo Câmara. Por esse acordo, o PSB desistiu de fechar uma aliança com Ciro na eleição presidencial. O então candidato chamou a manobra de “providência golpista”.

Como troco, quando Fernando Haddad passou ao segundo turno contra Bolsonaro, Ciro, em vez de se engajar na campanha do petista, como era esperado, viajou para Europa. Desde então, passou a subir o tom em suas referências ao PT. Em fevereiro de 2019, durante o Congresso da UNE, em Salvador, o pedetista disse a um apoiador do ex-presidente que o provocava: “O Lula tá preso, babaca.”

Alianças municipais

Repetiu três vezes a frase dita por seu irmão Cid Gomes durante a o segundo turno da eleição. “Picaretas do lulopetismo bandido” também foi uma expressão que passou a acompanhar Ciro em entrevistas. Declarou ainda ter perdido o respeito pelo ex-presidente e o chamou de “enganador profissional”.

Lula baixava o tom na hora de responder, mas, em maio, disse que o ex-ministro escolheu procurar o voto de “quem odeia o PT, que vá com Deus”.

Em setembro, já depois da conversa, Lula colocou o pedetista na lista de nomes qualificados para disputar a Presidência. Também chamou as diferenças entre eles de “pontuais” e disse ter respeito por Ciro. Desde o encontro, o ex-presidenciável do PDT, por sua vez, não fez mais acusações pesadas contra o ex-presidente e o PT.

Em entrevista à TV Cultura, o ex-marqueteiro do PT João Santana chegou a dizer que uma chapa com Ciro candidato e Lula na vice seria imbatível. Por causa da suspensão dos direitos políticos do petista, a hipótese é inviável. Os aliados de Lula também descartam que ele aceite ser vice.

Porém, não está descartado que PT e PDT se reaproximem no plano nacional. Na atual eleição municipal, o PT apoia 173 candidatos a prefeito do PDT, que por suas vez está em chapas encabeçadas por 134 petistas. Essas alianças, porém, não se dão em nenhuma capital.

Os obstáculos que separam Lula e Ciro

A trégua animou a militância de oposição de esquerda ao governo Bolsonaro, mas ainda está distante o cenário em que as duas candidaturas derrotadas em 2018 estarão juntas na próxima eleição presidencial. Os próximos dois anos vão dizer se prevalecerão as históricas posições e idiossincrasias de petistas e pedetistas ou se terão força algumas novas circunstâncias que podem criar ambiente para uma até ontem impensável união ainda no primeiro turno.

É cristalizada há anos no PT a convicção de que, como maior partido de esquerda do país e quatro vezes vitorioso nacionalmente, deve protagonizar esse campo ideológico na política do país. Além disso, aconteça o que acontecer nos próximos dois anos, o partido chegará à eleição na posição de defender a maior bancada da Câmara dos Deputados conquistada em 2018 — e isso é muito mais difícil de se fazer sem um candidato a presidente.

Ciro Gomes, por sua vez, nunca deu sinais de estar mais disposto a ceder em seu projeto de presidir o Brasil, pelo qual vem se dedicando nos últimos anos a articular uma aliança de centro ou de esquerda, desde que não petista.

A superação da mágoa pessoal entre os dois líderes, porém, pode ser o primeiro passo a se juntar a outros dados do cenário que reforçam vantagens para uma aliança. As pesquisas de intenção de voto nas capitais apontam para um resultado muito ruim do PT nas eleições municipais. Seria um novo “choque de realidade” para o partido após a derrota de 2018 para Bolsonaro — que atingiu também às demais siglas de esquerda, como o PDT.

A muito provável impossibilidade de Lula se candidatar — seja como presidenciável ou como vice, como aventou o marqueteiro João Santana — também é um entrave a menos para que o PT eventualmente tope abdicar da cabeça de chapa.

A evolução das crises sanitária e econômica do país na segunda metade do governo Bolsonaro ainda terão, também, muito peso para ditar as condições eleitorais de 2022, não apenas no campo da direita, onde o espaço parece hoje pequeno para adversários do presidente, mas também no da oposição.

Alianças neste ano

Apesar do armistício, as duas siglas são rivais nas grandes cidades do país. Levantamento com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral, indica que em 27 dos 95 municípios onde pode haver segundo turno, PT e PDT são adversários, inclusive em Fortaleza, reduto do presidenciável pedetista.

A principal delas é o Rio de Janeiro, onde a petista Benedita da Silva, com 10% das intenções de voto, e a pedetista Martha Rocha, com 13%, disputam uma vaga num eventual segundo turno contra o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), segundo a última pesquisa Datafolha.

O cenário se repete em outras capitais. Em Fortaleza, no Ceará, berço político da família Ferreira Gomes, o crescimento do deputado estadual José Sarto (PDT), apoiado por Ciro, pode tirar Luizianne Lins (PT) do segundo turno contra Capitão Wagner (PROS), que lidera a disputa, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira. Luizianne foi prefeita da cidade entre 2005 e 2012 e, agora, tenta voltar ao cargo.

Na capital cearense, o pedetista e a petista já trocaram uma série de ataques durante a campanha, com embates inclusive na Justiça Eleitoral, o que gerou uma saia-justa para o governador Camilo Santana (PT). Cortejado pelos dois candidatos, ele tentou convencer Luizianne a fazer um acordo com os Ferreira Gomes, sem sucesso. E só a imagem só pode ser usada pela campanha da petista.

Já em João Pessoa (PB), o atual prefeito Edvaldo (PDT) lidera com folga o levantamento, com 34 % das intenções de voto, segundo o Ibope. Já o petista e ex-deputado federal Márcio Macêdo figura apenas com 6%, ainda distante de um segundo turno.

Hoje, em apenas sete municípios, o PDT apoia o candidato petista em busca de uma vaga no segundo turno: Feira de Santana (BA), Vitória da Conquista (BA), São Gonçalo (RJ), Franca (SP), São Bernardo do Campo (SP), São José dos Campos (SP) e Maringá (PR). Na cidade de Lula, por exemplo, ex-prefeito e petista Luiz Marinho tenta retornar a prefeitura de São Bernardo com apoio dos pedetistas.

O movimento contrário ocorre em só uma cidade: Niterói. Lá, o ex-velejador e engenheiro florestal Axel Grael, candidato do atual prefeito Rodrigo Neves, ambos do PDT, é apoiado pelos petistas.

Muitas vezes, as duas legendas caminharam para lados opostos. Na capital paulista, o PDT optou pelo apoio ao ex-governador Márcio França (PSB) ao invés do ex-secretário de Transportes, Jilmar Tatto. Já em Porto Alegre, os petistas decidiram apoiar a ex-deputada federal Manoela D’Ávila (PCdoB) ao invés de Juliana Brizola, neta do ex-governador Leonel Brizola.

Os números indicam que há potencial para as duas legendas estarem mais próximas. Hoje, o partido comandado por Carlos Lupi tem no PT seu principal aliado, enquanto os petistas possuem maior aproximação com o PCdoB. O PDT figura em segundo na quantidade de alianças.

Em 174 cidades, a legenda de Ciro integra a coligação de um candidato petista na cabeça de chapa para a disputa para o Executivo. Já o PT apoia um pedetista em 132 cidades. O número é pequeno se comparado a parcerias tradicionais do jogo partidário brasileiro. PSDB e DEM, historicamente juntos, fazem parceria em 539 cidades nesta eleição.


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