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Caso Michael Brown aponta abismo racial nos EUA

Publicado em 28/11/2014 12:00 -

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O não indiciamento do policial branco Darren Wilson, 28, pela morte do jovem negro Michael Brown, em agosto passado, inflamou o confronto racial nos Estados Unidos. Brown era suspeito de haver roubado um pacote de cigarros em uma conveniência e agredido o proprietário pouco antes da abordagem policial que culminou em sua morte (veja o vídeo abaixo). No entanto, a ação da polícia tem sido questionada. Brown estava desarmado.  

“Nos EUA, quando um homem negro desarmado é morto por um branco armado, especialmente um policial, o resultado tende a ser injustiça”, diz Michael Kepp, jornalista americano radicado no Brasil. Alguns casos chegam a ir a julgamento. Tome-se o caso do adolescente desarmado Trayvon Martin, que em 2012 foi baleado e morto por George Zimmerman, um segurança voluntário mestiço (pai branco e mãe hispânica) em uma comunidade de classe média na Flórida. Um júri de cinco mulheres brancas e uma hispânica o absolveu.

No caso de Wilson, os integrantes do "grand jury" (júri para decidir sobre o indiciamento) foram escolhidos entre moradores não de Ferguson, onde ocorreu a morte e 70% dos habitantes são negros, mas do muito mais rico condado de Saint Louis, cuja população é 70% branca. Por isso, foi composto por nove jurados brancos e três negros. Como precisava de nove votos para absolver Wilson, a composição pode ter beneficiado o policial.

Depoimentos conflitantes também explicam o veredito. Algumas testemunhas corroboraram o relato de Wilson, segundo o qual ele disparou em Brown depois que parou de fugir e começou a investir contra o policial. Outras disseram que Brown parou a uma distância grande, não investiu contra Wilson e, em vez disso, pôs as mãos ao alto.

“Mesmo que aceitemos o depoimento de Wilson, algumas perguntas se impõem. Por que ele não feriu Brown na perna, em vez de na cabeça?. Por que o júri não acusou Wilson de homicídio não intencional, provocado por descaso, semelhante ao de um motorista embriagado?”, questiona Kepp.

Desigualdade

Os negros que vêm protestando contra o veredito acreditam que a resposta a essas perguntas está ligada à discriminação racial e à injustiça que ela gera.

Isso ajuda a explicar por que, enquanto 13% da população americana é negra, 40% dos detentos no país são afroamericanos. Essa injustiça é a razão pela qual a falta de confiança dos negros na polícia e nos tribunais é tão onipresente, criando um abismo racial.

Este abismo também explica uma pesquisa do "Huffington Post", segundo a qual 62% dos negros entrevistados consideram Wilson culpado pela morte de Brown, e só 22% dos brancos têm essa opinião.

Clichês raciais

Lideranças do movimento negro, a família de Michael Brown e de outros jovens mortos por brancos recentemente tem protestado duramente contra os "clichês raciais" e a "desumanização" do jovem morto em Ferguson.

Em entrevista exibida no programa matutino de maior audiência do país, "Good Morning America", da ABC, o policial Darren Wilson disse que o jovem "parecia o demônio", era muito "ameaçador" e que lembrava Hulk Hogan, um astro da luta livre que costumava atirar seus adversários pelos ares.

Os pais de Brown, Lesley McSpadden e Michael Brown Sr., disseram que o policial "estava desumanizando" o filho deles, uma "tática" já usada diante dos jurados. Brown havia roubado cigarros de uma loja de conveniência antes de se altercar com o policial.

A mãe reclamou especialmente da descrição física feita pelo policial, que afirmou se sentir "um menino de cinco anos segurando Hulk Hogan". Wilson tem a mesma altura que Brown tinha, 1,94m, com pesos diferentes: o policial pesa 98 quilos, enquanto a vítima tinha 132 kg.

Sem surpresa

A mãe de Trayvon Martin, 17, adolescente morto na Flórida em 2012 por um vizinho igualmente inocentado pela Justiça, concorda com os pais de Brown. "Não me surpreendi com o resultado, ainda que eu quisesse me surpreender", disse Sybrina Fulton na TV americana. "O papo é o mesmo. Eles sempre se dizem ameaçados pelos negros, que o jovem negro é assustador".

Do pastor Jesse Jackson, liderança desde os tempos da luta contra a segregação racial nos EUA, nos anos 60, ao pastor batista William Barber, liderança da Carolina do Sul, repetiram que a Justiça e a polícia americanas ainda são influenciadas por estereótipos raciais. "Não houve uma acareação profissional nesse caso", disse Jackson.

No livro "The lynching of Black America" [o linchamento da America negra], o autor Philip Dray explica que termos como "besta negra" ou "fera negra" eram usados no século 19 antes dos linchamentos da Ku Klux Klan. Em 1992, no julgamento dos policiais que espancaram Rodney King, eles se referiam à vítima como "uma fera" e "demônio da Tasmânia".

Muito também se debate sobre como a mídia americana explora o episódio. Para quem assiste as principais redes, os saques em Ferguson ganharam bastante mais espaço que as queixas da comunidade negra contra o resultado do grande júri.

Apresentadores dos principais telejornais se perguntam no ar porque ‘eles' não sabem fazer protestos pacíficos. O ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, tem sido convidado a falar em quase todos os principais canais – sua mensagem é de que os negros "deveriam falar mais sobre a violência entre negros do que reclamar da polícia".


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