27/04/2024 - Edição 540

Ecologia

Amazônia e Cerrado queimaram, em 11 dias, mais que todo outubro de 2019

Publicado em 13/10/2020 12:00 -

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A Amazônia brasileira registrou, nos 11 primeiros dias de outubro 2020, mais focos de incêndio que em todo o mês de outubro de 2019. Os dados, colhidos pelo Monitoramento dos Focos Ativos por Bioma do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontam que 8.662 focos de incêndio foram registrados na floresta amazônica em outubro, contra 7.855 registrados em 2019.

84.692 focos de incêndio florestais foram registrados na Amazônia neste ano – mais do que os computados em todos os anos de 2018 (68.345), 2014 (82.554), 2013 (58.688) e 2011 (58.186). Na comparação entre outros meses na floresta tropical, os meses de junho, julho e setembro também tiveram alta no número de focos de incêndio na floresta.

No cerrado, predominante na região central do país, o cenário é semelhante ao da Amazônia: até ontem, foram registrados 9.884 sinais de fogo, contra 8.356 nos 31 dias do mês de outubro de 2019. O instituto registrou que os meses de fevereiro, abril e julho também registraram um número acima de queimadas no sistema. Os 55.891 pontos registrados no cerrado desde o início do ano já são mais que os 39.449 registrados em todo o ano de 2018, e devem ultrapassar os 63.874 registrados no passado.

Outro bioma castigado por queimadas recentes, o Pantanal mato-grossense teve, nos primeiros 11 dias do mês, 2.040 focos de incêndio – número que deve, até o fim do mês, superar os 2.430 focos registrados em outubro de 2019. Desde março, o bioma queima a taxas mais altas que o registrado em 2019: em setembro, o INPE registrou 8.106 focos de incêndios, um número 180,7% maior que os 2.887 pontos registrados no mesmo mês do ano passado.

O INPE catalogou, por meio de seus satélites, que 185.760 focos de incêndio foram registrados no país desde o início do ano, um aumento de 23% que o acumulado de 2019 até esta data. O instituto, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, detectou um aumento dos números de focos desde 2019, após uma queda de 34% registrada em 2018, último ano do governo Temer.

Outros países da América do Sul queimam em taxas nunca antes vistas: Venezuela (29% mais focos que em 2019), Colômbia (35%), Guiana Francesa (59%), Uruguai (67%) e Paraguai (79%) registraram altas no número de focos registrados. Na Argentina, o aumento chega a 163%. Apesar disso, o Brasil registrou, sozinho, quase metade dos incêndios entre todos os países do continente.

Ação

Ativistas do Greenpeace Brasil estiveram em uma enorme área devastada pelas queimadas no Pantanal para protestar contra uma das piores crises ambientais da história do país, resultado de uma mistura explosiva de secas severas e absoluto descaso do poder público com a proteção do patrimônio ambiental dos brasileiros. A mensagem, uma clara referência ao slogan do governo federal, complementa a estátua de “Bolsonero”, que “surgiu” no Pantanal e começou a circular nas redes sociais um dia antes.

“Com essas ações não queremos chamar atenção apenas para a destruição sem precedentes do patrimônio ambiental dos brasileiros, mas apontar as causas e seus responsáveis. O Brasil está literalmente em chamas graças à política incendiária do atual governo que, em vez de apresentar ações coordenadas e efetivas de proteção ao meio ambiente e à vida das pessoas, segue tocando a melodia desvairada do seu projeto de destruição, ameaçando e queimando a biodiversidade brasileira e fragilizando a já combalida economia do país”, afirma Tica Minami, diretora de programas do Greenpeace Brasil.

“Ao desdenhar o meio ambiente, é como se o governo Bolsonaro queimasse uma marca extremamente valiosa chamada Brasil – investidores, empresários, banqueiros, chefes de Estado e entidades nacionais e estrangeiras já advertiram que devem retirar investimentos do país por não quererem estar associados a prática de crimes ambientais”.

No Pantanal, maior planície interior inundável do mundo, o fogo já atingiu 26% do bioma, uma área maior que o estado de Alagoas, sendo que 2020 foi ano em que o bioma mais queimou desde que os focos de calor começaram a ser monitorados, em 1998. No Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo, até o momento já foram registrados mais de 54 mil focos de calor este ano e, na Amazônia, bioma que forma os rios voadores, o mês de setembro registrou um aumento de 60,6% nos focos de calor em comparação com o mesmo período do ano passado. Apesar do negacionismo do governo, imagens de satélite comprovam que mais da metade dos focos de incêndio na Amazônia ocorrem em terrenos de desmate recente ou áreas de floresta, não em áreas que já eram usadas pela agropecuária.

A gravidade da situação é resultado, sobretudo, do projeto de terra arrasada conduzido pelo governo Bolsonaro em 21 meses de mandato. Trata-se do desmonte sistemático das estruturas e políticas públicas que promovem a proteção ambiental, somada a ausência premeditada de plano, meta ou orçamento capazes de proteger, de forma concreta, as riquezas naturais do Brasil – conforme diversos levantamentos realizados por servidores, Ministério Público Federal e sociedade civil.

A proteção das Unidades de Conservação, assim como investimentos em fiscalização e treinamento de brigadistas locais, deveriam ser prioridade neste momento de crise. No entanto, o governo federal cortou 58% da verba direcionada para a contratação de pessoal para prevenção e combate a incêndios florestais em 2020. Esse orçamento caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para apenas R$ 9,99 milhões neste ano. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) só gastou 0,4% dos recursos para ações diretas e já prevê cortes no orçamento para 2021.

O bom funcionamento da economia depende da conservação da natureza. Os ecossistemas naturais e sua biodiversidade prestam serviços ambientais à sociedade que tornam diversas atividades econômicas viáveis, como por exemplo a produção de alimentos, acesso à água e qualidade do ar.

Por outro lado, o fogo e as mudanças climáticas alteram os ecossistemas de maneira que a biodiversidade, muitas vezes, não consegue se adaptar. Em equilíbrio, a biodiversidade mantém a natureza saudável e funciona como um escudo para evitar a ocorrência de doenças e pandemias. Em vez disso, as fumaças das queimadas na Amazônia e no Pantanal já chegaram a diversas cidades como Cuiabá, Manaus e Rio Branco, e podem aumentar ainda mais o risco de doenças respiratórias em um momento em que o país ainda enfrenta a pandemia da Covid-19.

Amazônia

O número de queimadas no Amazonas em 2020 superou o recorde anterior, de 2005, e passou a ser o maior da história. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, até o último dia 11, o estado já registrou 15.700 focos ativos, enquanto em 2005 o acumulado de todo o ano foi de 15.644 casos. O levantamento de focos ativos de incêndio do Inpe é feito por satélite desde 1998.

Agosto também registrou o maior número de queimadas para um único mês nos últimos 22 anos. Segundo a tabela de Monitoramento dos Focos Ativos por Estado do Inpe, foram 8.030 casos de queimadas em todo o Estado.

Os meses de agosto e setembro costumam ser os mais secos do ano na Região Amazônica e também formam o período em que, segundo especialistas, ocorrem os maiores índices de casos de queimadas e desmatamento.

No comparativo dos anos, atrás de 2020 e 2005, 2015 registrou o terceiro maior índice da história. Foram 13.419 casos. Em quarto lugar, 2019, com 12.676 focos.

Os municípios de Apuí e Lábrea, no extremo sul do Estado e fronteira com o Mato Grosso, são os mais afetados pelas queimadas nesse ano. Em Apuí, até o final da segunda semana de outubro foram registrados 2.740 focos, enquanto em Lábrea, 2.237. Os dois municípios estão na lista do Inpe como as dez cidades de todo o país mais afetadas pelas chamas.

Amazônia é o bioma mais afetado

Segundo dados do Inpe, a Amazônia é o bioma mais afetado pelas queimadas em 2020. 45,6% dos casos registrados no país durante o ano ocorreram na região. Dados mostram que, de janeiro a setembro deste ano, o número de focos de queimadas registrados é o maior desde 2010. Naquele ano, foram 102.409 pontos, enquanto em 2020, no mesmo período, 76.030.

Além das queimadas, a Amazônia Legal também registra um aumento no número de desmatamento. A região teve uma área de 964 km² sob alerta em setembro, a segunda maior em cinco anos, segundo um levantamento do G1. No Amazonas, o município de Lábrea, que também registra o segundo maior em número de queimadas em todo o estado durante o ano, já desmatou, em 2020, cerca de 42,06 km².

O desmatamento e as queimadas estão relacionados. O fogo é parte da estratégia de "limpeza" do solo que foi desmatado para posteriormente ser usado na pecuária ou no plantio. É o chamado "ciclo de desmatamento da Amazônia".

Para o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan, diretor do Programa WCS-Brasil, organização que preserva a fauna silvestre e lugares naturais em todo o mundo através da ciência, as queimadas são a consolidação das áreas desmatadas em campos agrícolas ou para atividade pecuária.

"O Amazonas é o maior estado do Brasil e nos últimos anos vemos esse aumento expressivo que vem pelo Sul do Estado. Nada mais é que a substituição do modo de vida, do modo de produzir amazônico pelo modo de produzir que vem de outras regiões, como o Sul e o Centro-Oeste. E que tá ligado ao agronegócio, a agricultura e a pecuária extensiva", explicou.

O especialista também vê com preocupação a expansão dos eixos rodoviários na Região, como a BR-319, no Sul do Estado. Segundo ele, os números de desmatamento e queimada podem aumentar ainda mais se não houver controle por parte dos órgãos competentes.

"Se não houver uma salva-guarda sócio-ambiental por parte das autoridades vamos ver esse cenário de destruição estabelecido no Sul do Amazonas subindo para a Amazônia central, afetando a vida das pessoas que vivem na região do Purus e do Madeira, até Manaus. Estamos perdendo um patrimônio de valor incalculável, como biodiversidade, floresta, serviços ecossistêmicos e qualidade de vida", ressaltou.

Política nacional

No dia 30 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em um discurso gravado e apresentado na cúpula sobre biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU), que organizações, em parceria com “algumas ONGs", comandam "crimes ambientais" no Brasil e também no exterior. O presidente não apresentou provas para as afirmações.

Quatro dias antes, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) publicou informações incorretas sobre as queimadas registradas no país em 2020. A mensagem da secretaria dizia que a área queimada em todo o território nacional era a menor dos últimos 18 anos.

A afirmação, entretanto, desconsiderava um dado que aparecia na imagem postada pela própria Secom junto com a mensagem: os números de 2020 se referiam aos oito primeiros meses do ano – janeiro a agosto. Já os dados dos outros anos consideravam os doze meses.

Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente chegou a anunciar que as ações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia seriam suspensas. Em nota, na época, o órgão afirmou que suspensão seria motivada por um bloqueio financeiro determinado pela Secretaria de Orçamento Federal em verbas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O vice-presidente Hamilton Mourão contestou a decisão do ministro e afirmou que Salles havia se precipitado ao anunciar a suspensão das operações. Segundo ele, o bloqueio orçamentário de R$ 60,6 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — apontado pelo Ministério do Meio Ambiente como motivo para a suspensão das operações — não será efetuado.

O que você pode fazer:

– Cobre ação imediata do governo federal;

– Compartilhe a situação do Pantanal e da Amazônia, para que mais pessoas saibam da gravidade dos incêndios;

– Faça parte do movimento Todos Pela Amazônia; e

– Apoie organizações voluntárias locais que trabalham incansavelmente para salvar vidas no Pantanal. Veja as várias formas de ajudar o bioma aqui.


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