19/04/2024 - Edição 540

Poder

Kássio expõe Senado ao risco de desmoralização

Publicado em 09/10/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Ao votar a indicação de Kássio Marques, os 81 senadores não decidirão apenas se o escolhido de Jair Bolsonaro tem condições de ocupar uma poltrona no Supremo Tribunal Federal. Se Bolsonaro mantiver a indicação, os senadores emitirão um juízo de valor sobre o próprio Senado Federal. O risco de autodesmoralização é grande, muito grande, enorme. Não bastasse a aparência de acordo antirrepublicano que envolve a seleção do substituto de Celso de Mello, surgiram as inconsistências curriculares do desembargador.

O doutor Kássio anotou no currículo que é "pós-doutor" em Direito Constitucional pela Universidade de Messina, na Itália. A escola italiana esclarece que o candidato à toga assistiu a um ciclo de palestras. Nada a ver com um pós-doutorado. Kássio escreveu que dispõe de "postgrado" obtido na Universidade de La Coruña, na Espanha. A escola espanhola informa que ele não fez senão um curso de extensão de quatro ou cinco dias.

Como se tudo isso fosse pouco, a revista Crusoé informa que a dissertação de mestrado que o desembargador apresentou à Universidade Autônoma de Lisboa tem cheiro de plágio. Traz trechos copiados de textos de um advogado chamado Saul Tourinho Leal. Reproduziu-se até um erro de português do texto original. Não há dúvida quanto à cópia. Falta verificar se o caso é de plágio ou de terceirização da elaboração da tese do suposto "mestre", o que se caracterizaria como falsidade ideológica.

A essa altura, criticar Jair Bolsonaro pela escolha tornou-se algo inútil. Os objetivos do presidente já estão claros. Ele esclareceu em transmissão ao vivo que, embora dispusesse de uns dez bons currículos, preferiu selecionar alguém que "já tomou muita tubaína" com ele.

O currículo-tubaína do indicado revela-se uma peça que coloca em dúvida a ilibada reputação do seu autor, requisito constitucional para a ascensão ao Supremo. A imagem do Senado já está no buraco. Ao votar a indicação de Kássio Marques, os senadores decidirão se querem sair da cova ou se preferem jogar terra em cima.

Lava Jato

A transferência do julgamento de inquéritos e ações penais da Primeira e, sobretudo, da Segunda Turma para o plenário do Supremo Tribunal Federal é uma reação de Luiz Fux à iminente chegada de Kássio Marques. Tenta-se evitar que a Segunda Turma, integrada por cinco dos 11 ministros do tribunal, responsável pela Lava Jato, se consolide como uma espécie de túmulo do esforço anticorrupção iniciado há seis anos.

Acomodado na poltrona de Celso de Mello, o quase-futuro ministro Kássio Marques vai compor com Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski o triunvirato dito "garantista" na Segunda Turma. Sem a perspectiva de encostar seus votos no balão de oxigênio que enxergavam em Celso de Mello, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia passariam a viver em estado crônico de minoria.

Entre os casos pendentes de julgamento na Segundona está o pedido de suspeição que a defesa de Lula formulou contra o ex-juiz Sergio Moro. Fux gostaria que o caso fosse para o plenário do tribunal. Mas recursos e habeas corpus, como o que pede a suspeição de Moro, continuam na Segunda Turma do STF.

Fachin e Cármen já votaram contra a anulação da sentença do caso do tríplex. Gilmar e Lewandowski devem votar a favor. Nesse cenário, Kássio representaria o derradeiro prego no caixão. Nessa hipótese, restaria uma segunda condenação em segunda instância contra Lula, no caso do sítio de Atibaia. Condenou-o a juíza Gabriela Hardt, não Moro. Para que a ficha de Lula fosse lavada, a defesa teria de pleitear a anulação também desta sentença. Difícil que consiga até 2022.

O movimento de Luiz Fux surpreendeu alguns dos seus colegas. Ele levou a proposta de reforma do regimento a uma reunião administrativa do Supremo. Fez isso antes da despedida de Celso de Mello. E obteve o apoio do decano. Gilmar Mendes queixou-se de não ter recebido a proposta de Fux com antecedência.

Sob constrangimento, a novidade foi aprovada por unanimidade. Não se trata de uma mudança banal. Vão para o plenário processos relacionados a políticos como o senador Fernando Collor, o deputado tucano Aécio Neves, o líder do governo no Senado Fernando Bezerra e o mandachuva do centrão Ciro Nogueira. Não é certo que o ambiente pró-réus seja revertido no plenário da Corte. Mas os resultados ali são pelo menos incertos. O funeral da Lava Jato deixou de ter a aparência de fato consumado.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *