25/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

O ocaso do marreco

Publicado em 07/10/2020 12:00 - Victor Barone

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Aconselhado pela esposa, Rosângela Wolff Moro – que acredita que o marido já deu sua “contribuição” ao país -, o ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, estaria estudando a possibilidade de ir embora do Brasil e abandonar de vez a pré-candidatura às eleições presidenciais em 2022. A informação é de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Moro já teria dito a políticos que desistiu de entrar na disputa contra Jair Bolsonaro em 2022 e, em conversas reservadas, teria confessado que se arrepende de ter deixado o governo atirando. Para Rosângela Moro, a política partidária, com seus embates selvagens, não seria para ele. A família pressiona o ex-juiz a passar ao menos uma temporada no exterior, dando aulas de Direito em outro país.

MAIS POROSO À PRESSÃO

O Ministério da Saúde admitiu que a portaria que dificultou as regras para a interrupção legal de gestações foi editada para agradar o movimento antiaborto. A pasta respondeu ao jornal O Globo que foi “provocada” por “entidades da sociedade civil” e pela… Defensoria Pública da União. Isso porque a DPU representou a Associação Virgem de Guadalupe e, ao longo do ano, fez três pedidos para que o ministério revisasse a portaria que até então estava em vigor, editada em 2005.

O nome soa familiar? Pois é. A Associação Virgem de Guadalupe é uma das ONGs que recebeu do programa Pátria Voluntária parte do dinheiro doado pelo frigorífico Marfrig ao governo federal para a compra de testes para detecção do novo coronavírus. Foram R$ 14,6 mil.

A entidade ganhou o noticiário também por outro motivo: participou da reunião na sede da prefeitura de São Mateus (ES) que, segundo a Folha, teria sido articulada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos como parte da pressão para que a criança capixaba de dez anos não tivesse acesso ao direito de interromper a gestação, fruto de estupro. Ao Globo, a presidente da ONG, Mariângela Consoli, admitiu ter participado do encontro, mas disse que “ninguém tocou no assunto” de manutenção da gravidez de risco. Ao jornal, ela também disse que não sabe de onde surgiu a indicação para que a ONG que comanda recebesse recursos do Pátria Voluntária. Segundo outra apuração da Folha, os R$ 7,5 milhões da Marfrig teriam sido distribuídos a ONGs ligadas à ministra Damares Alves.  

No caso da derrubada da portaria que estabelecia procedimentos para o aborto legal, é visível a guinada do Ministério da Saúde. Em abril, nos últimos dias da gestão Mandetta, o departamento responsável pelo tema chegou a responder que a demanda de mudança na norma deveria ser encaminhada ao Conselho Nacional de Saúde. Em agosto, já sob Pazuello e depois do caso da criança capixaba, o Ministério decidiu ceder, dificultando o acesso ao aborto legal

A essa altura, a atuação da Associação Virgem de Guadalupe via Defensoria foi reforçada pelo esforço de outra entidade, o Instituto de Defesa da Vida e da Família,  que encaminhou ofícios pela mudança nas regras não só para o Ministério da Saúde, mas também para a Presidência da República. 

Foi, então, uma questão de tempo: entre o pedido do Instituto e a mudança na norma se passaram apenas oito dias. Coube ao obstetra Antônio Rodrigues Braga Neto, nomeado pelo general Pazuello, dar o sinal verde da área técnica. No dia seguinte, 28 de agosto, a nova portaria foi publicada no Diário Oficial – e ela foi além dos pedidos do movimento antiaborto, importando dos EUA a obrigação de que profissionais de saúde perguntem às mulheres se elas querem ver o feto por ultrassom antes do procedimento.

Esse trecho perverso caiu no dia 24 de setembro, quando o ministério publicou uma outra portaria sobre o assunto. O Supremo estava prestes a julgar a inconstitucionalidade da norma editada em agosto. Lembramos, porém, que o texto não foi tão modificado assim, e ainda prevê que profissionais notifiquem a polícia sempre que uma vítima de estupro chegar ao serviço de saúde buscando o aborto legal sem o seu consentimento. 

Por Outra Saúde

CHEQUE GORDO

Num país em que a Justiça tarda, mas não chega, a existência de juízes que embolsam contracheques de mais de R$ 500 mil é um ultraje. Pela lei, nenhum juiz poderia receber salário superior ao de um ministro do Supremo: R$ 39,2 mil mensais. Mas os doutores especializam-se em contornar a lei.

Num passeio pelos arquivos do Conselho Nacional de Justiça, os repórteres Fábio Fabrini, Leonardo Diegues e Diana Yukari percorreram 871,2 mil contracheques de magistrados. Os valores foram informados pelos tribunais. Referem-se ao período de setembro de 2017 a agosto de 2020.

Somados, custaram ao erário R$ 35,2 bilhões. Desse total, R$ 12,6 bilhões escoaram para as contas dos doutores na forma de penduricalhos —desde indenizações autoatribuídas até mimos como vale creche e uma espécie de bolsa natalidade, para custear as despesas inaugurais dos filhos.

Detectaram-se 203 mil remunerações mensais entre R$ 50 mil e 100 mil. Espanto!

Descobriram-se 14 mil contracheques com valores entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. Pasmo!!

Desencavaram-se 659 holerites com cifras entre R$ 200 mil e R$ 500 mil. Assombro!!!

Farejaram-se 27 felizardos que embolsaram em algum mês mais de R$ 500 mil. Estupefação!!!!

A Justiça, como se vê, é cega. Mas que olfato desenvolveram os juízes! Quando o privilégio se institucionaliza, vira religião. Os supersalários tornaram-se um dogma para o qual o CNJ se ajoelha. Na reforma administrativa que enviou ao Congresso, Jair Bolsonaro tampouco ousou bulir com castas como a dos juízes.

Obviamente, os doutores consideram justo, muito justo, justíssimo o recebimento de cada centavo acima do teto. Não há, porém, argumento capaz de soar bem numa fila de desempregados ou numa mesa de bar.

É como se a Justiça, sentindo-se invulnerável, não percebesse que está se ilegalizando. Vista pelo ângulo do contracheque, a Justiça ganhou uma cara de ré.

Por Josias de Souza

CAPITÃO DO MATO

A Fundação Cultural Palmares, responsável pelo fomento da cultura afro-brasileira no País, não dará suporte ao Dia da Consciência Negra em 2020. A informação foi dada pelo presidente da entidade, Sergio Camargo. “O suporte da Fundação Cultural Palmares ao Dia da Consciência Negra será ZERO”, postou Camargo em seu Twitter. Entidades do movimento Negro acusam o governo Bolsonaro de promover o desmonte da Fundação Palmares. Sergio Camargo, que já chamou o movimento negro de “escória maldita”, esteve em um churrasco no Palácio da Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro. O presidente da Fundação Palmares publicou foto com Bolsonaro e o deputado federal Helio Lopes (PSL-RJ).

DEMOCRACIA

O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito lançou uma campanha em defesa da democracia e da autonomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e demais instituições de ensino superior no país. Para tanto, produziu 13 vídeos com depoimentos de reitores e ex-reitores de universidades e institutos federais de diferentes estados e do ex-deputado nacional constituinte Hermes Zaneti. Os vídeos foram publicados na página do Comitê no Facebook, e também em suas páginas no Youtube e Twitter, além de serem compartilhados também em outras mídias eletrônicas e redes sociais. Confira abaixo alguns desses depoimentos:

AH, COITADA…

Não está fácil ser bolsonarista no Brasil. Que dirá a extremista Sara Winter, ferrenha defensora do governo Jair Bolsonaro (sem partido). No último dia 5 ela viu seu nome amanhecer nos trending topics do Twitter, como um dos assuntos mais comentados do dia, após gravar um vídeo em que se diz decepcionadíssima com a postura de Bolsonaro e da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. “Muita gente me perguntou o que foi feito, quem nos apoiou, da parte do ministério da Damares: nada foi feito. Nenhuma visita da Damares, nada (…) Tem horas que eu só queria gritar e gritar e gritar para alguém me ajudar, mas não existe esse alguém. Eu vou ter que levantar e resolver os meus problemas. E não tem Bolsonaro para ajudar e não tem Damares para ajudar”, diz em um dos vídeos.

O guru bolsonarista Olavo de Carvalho Csaiu em defesa da extremista e atacou o presidente Jair Bolsonaro. Na noite do dia 6, o astrólogo avisou que “sofrer perseguição política é uma coisa. Ser abandonado e traído por aqueles pelos quais você deu a vida é bem outra. NENHUM comunista teve de passar por isso”. Carvalho lembrou que “mesmo nos piores momentos, eles tinham apoio ATÉ MUNDIAL. Não venham com historinhas de que a puta da sua mãe sofreu mais que a Sara”. Parte dos apoiadores do presidente compartilham da mesma opinião, enquanto outros pensam que desabafo é uma forma de “traição”.

GRANDE PARCERIA

Isolado na comunidade internacional – seja pela política negacionista da Covid-19 ou pelo descaso com o meio ambiente -, o Brasil celebra acordo mundo afora com quem pode e o que é possível fazer a essa altura. O parceiro da vez é o… Nepal. Um ato do governo formaliza o Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e Nepal. Essa interação se dará por meio de programas, projetos e atividades bilaterais.

ESTOQUES LIBERADOS

Não durou nem um mês a proibição total do uso do agrotóxico paraquate no Brasil. Há apenas três semanas a Anvisa decidiu que ele seria banido do país a partir do dia 22 de setembro. Mas, como comentamos por aqui, naquele momento fabricantes e grandes produtores já faziam lobby para garantir que pudessem continuar usando o produto que restou em seus estoques. Um detalhe precisa sempre ser lembrado: ninguém foi pego de surpresa pelo banimento, que já estava previsto para este ano desde 2017. As compras foram feitas apesar da proximidade da data – e com a tranquilidade de quem sabia que não perderia dinheiro. 

A flexibilização veio ontem na reunião da diretoria colegiada da agência. E foi fácil: cinco votos a favor, nenhum contra. O pedido partiu do Ministério da Agricultura, por meio de um ofício ao diretor-presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres. E a justificativa foi que a retirada do veneno poderia aumentar os custos de produção e o preço final dos alimentos para a população brasileira… Agora, os agricultores vão poder despejar paraquate nas lavouras durante a safra vigente. O último uso vai ser nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em agosto de 2021.

O paraquate, como se sabe, é proibido na União Europeia desde 2003 e está associado a mutações genéticas e ao desenvolvimento de doença de Parkinson nos agricultores. Por aqui, é um dos agrotóxicos mais vendidos, usado para manejar as chamadas ervas daninhas e para dessecar culturas antes da colheita. Está presente em alimentos como arroz, feijão, soja, trigo, banana, batata, café e frutas cítricas.

Por Outra Saúde

GENTE DE BEM 1

O Partido Liberal de Santa Catarina expulsou na quinta-feira (8), o candidato a vereador Wandercy Antônio Pugliesi, “por não compactuar ideologicamente com o filiado”. Pugliese é professor de história e admirador confesso do nazismo. Ele decidiu se apresentar como candidato à Câmara de Vereadores de Pomerode (SC) nessas eleições. “Famoso” desde sua piscina com símbolo nazista ganhou repercussão mundial, em 2014, ele iria concorrer pelo Partido Liberal. Esta foi a primeira vez em que ele se candidatou. Além disso, ele coleciona artefatos ligados ao regime e seu filho é batizado com o nome Adolf. O diretório estadual do PL afirmou em nota que “desconhecia a filiação do candidato a vereador da cidade de Pomerode, Professor Wander”, alegando que o processo foi realizado diretamente pela instância municipal do partido. “Por não compactuar ideologicamente com o filiado, o PL encaminhou o desligamento do mesmo. O partido reforça sua firme posição contra todo tipo de apologia à discriminação racial, religiosa e social”, encerra a nota.

Formado pela Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEX) e pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Wander é segundo tenente do Exército e atua em um Regimento no oeste de Santa Catarina. Além disso, ele leciona em um cursinho preparatório para vestibular. Em sua página pessoal do Facebook, o professor recebe como apoio de seus seguidores o cumprimento integralista ‘anauê’. Em postagens com o intuito de apoiar o presidente Bolsonaro, alguns seguidores “alertam” que “Bolsonaro é pró Israel”, local que compreende principalmente os judeus, principais alvos do regime nazista.

De acordo com a lei 7.716/89, sobre discriminação racial, é crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

GENTE DE BEM 2

Em entrevista ao programa de TV Conflict Zone, da DW, publicada na quarta-feira (7), o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura, “foi um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.

“O que posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra, ele foi meu comandante no final dos anos 70 do século passado, e era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele, eu posso te contar, porque eu tinha uma amizade muito próxima com esse homem, isso não é verdade”, afirmou o vice.

Mourão disse ainda que não está “alinhado com a tortura, e, claro, muitas pessoas ainda estão vivas daquela época, e todas querem colocar as coisas da maneira que viram. É por isso que eu disse antes que temos que esperar que todos esses atores desapareçam para que a história faça sua parte. E, claro, o que realmente aconteceu durante esse período … esse período passou”.

FRASES DA SEMANA

“Vejo aqui na minha página de Facebook: ‘Bolsonaro nunca mais, você é corrupto’. Posso falar palavrão aqui? Puta que o pariu, não fode, porra! Desculpa a linguagem aí. Fala merda o tempo todo, não sabe o que acontece”. (Jair Bolsonaro, presidente da República, em live no Facebook)

“As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido.” (Sergio Moro, sobre o anúncio de Bolsonaro de que acabou com a Lava Jato)

“[Bolsonaro] já encadeou várias medidas, desde o Coaf, a questão da Receita, a nomeação do Aras, a ‘demissão’ do Moro, agora a nomeação do Kássio. É o grande legado que ele pode deixar para o Brasil: o desmonte desse sistema.” (Renan Calheiros, senador, um dos alvos da Lava Jato)

“A segunda vaga, com certeza, mais do que um terrivelmente evangélico, se Deus quiser teremos lá dentro um pastor. Imaginemos as sessões do Supremo começarem com uma oração”. (Bolsonaro, durante culto na Assembleia de Deus, em São Paulo. ‘Glória a Deus’, responderam os fiéis.)

“Que inveja eu tenho do Toffoli. Ele pelo menos ganhou um abraço do Bolsonaro. […] Não reconheço Bolsonaro. Não sei mais quem ele é. O homem que eu decidi entregar meu destino e vida para proteger um legado conservador.” (Sara Winter, militante da extrema direita) 

“[Bolsonaro] vive todo santo dia lambendo as botas do governo americano, mesmo quando o governo americano fala bobagem contra o Brasil. [A soberania nacional] está em risco”. (Lula)

“Isso é trágico, é muito triste, mas também é algo que, ficar em meio a multidões, não usar máscara, e tudo o mais… foi uma espécie de convite descarado para que isso acontecesse”. (Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, sobre Donald Trump)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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