28/03/2024 - Edição 540

True Colors

O que pode acontecer após o pedido para ministro da Educação ser investigado por homofobia

Publicado em 30/09/2020 12:00 - Huffpost

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O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de um inquérito para apurar se o ministro da Educação, Milton Ribeiro, cometeu o crime de homofobia. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o integrante do governo de Jair Bolsonaro associou homossexualidade e “famílias desajustadas”.

No documento, o procurador sugere que o ministro preste depoimento à Polícia Federal. O relator do caso no STF é o ministro Dias Toffoli. Cabe ao magistrado decidir a abertura do inquérito.

No entendimento de Medeiros, a afirmação do titular da Educação pode caracterizar uma infração penal ao induzir ou incitar a discriminação ou preconceito, conforme decidido pelo STF em 2019.

Ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), a corte equiparou ações de discriminação contra LGBTs a atos de racismo. Com isso, ofender ou discriminar homossexuais ou transgêneros estará sujeito a punição de 1 a 3 anos de prisão, assim como estipulado na Lei de Racismo. A pena para estes crimes será inafiançável e imprescritível.   

Para Humberto Jacques de Medeiros, Ribeiro “proferiu manifestações depreciativas a pessoas com orientação sexual homoafetiva”, com afirmações “ofensivas à dignidade do apontado grupo social”. 

Na entrevista publicada no último dia 24, ao ser questionado se a escola deveria discutir como lidar com o bullying, que poderia levar à depressão, o ministro faz uma associação entre homossexualidade e “famílias desajustadas”.

“É claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião. Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípio”, respondeu Ribeiro.

Também na entrevista o ministro faz uma associação entre discussões no ambiente escolar para evitar abuso sexual de crianças e adolescentes com homosexualidade. ”É importante falar sobre como prevenir uma gravidez, mas não incentivar discussões de gênero. Quando o menino tiver 17, 18 anos, ele vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, não concordo”, disse.

Em abril, o ministro Celso de Mello determinou a abertura de um inquérito contra o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, por crime de racismo contra chineses após publicação nas redes sociais. Na época, o STF autorizou também a obtenção dos dados referentes ao acesso usado para publicar o post, como o IP do computador.

Weintraub compareceu à sede da Polícia Federal para prestar depoimento em junho, mas se negou a responder às perguntas e entregou suas declarações por escrito. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após ele perder o cargo, devido à prerrogativa de foro.

LGBTfobia e ‘ideologia de gênero’

Declarações semelhantes a de Ribeiro já foram dadas por outros integrantes ou apoiadores do governo. O combate à pedofilia e à chamada “ideologia de gênero” é uma das bandeiras da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

Pastor da Igreja Presbiteriana, Milton Ribeiro é teólogo, advogado e ex-vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sua indicação ao governo foi apoiada pela Anajure (Associação dos Juristas Evangélicos), instituição também ligada à ministra e pastora Damares.

Parlamentares atuantes na promoção de direitos da população LGBT já haviam pedido que o caso fosse investigado. O deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) pediu ao Ministério Público Federal que instaurasse ação penal contra o ministro. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) entrou com uma representação no STF e a pré-candidata a vereadora pelo PSOL em São Paulo, Erika Hilton entrou com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo o impeachment do ministro.

Relatório do Grupo Gay da Bahia informa que 329 pessoas LGBT foram mortas vítimas de lgbtfobia em 2019. Foram 297 homicídios e 32 suicídios, o equivalente a um óbito a cada 26 horas. 

Após o pedido de investigação, Milton Ribeiro divulgou uma nota em que afirma que não pretendia “discriminar ou incentivar qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual” e pede “desculpas àqueles que se sentiram ofendidos”.

De acordo com Ribeiro, a fala foi “interpretada de modo descontextualizado” e trechos da entrevista “retirados de seu contexto e com omissões parciais, passaram a ser reproduzidos nas mídias sociais, agravando interpretação equivocada e modificando o real sentido daquilo que se pretendeu expressar”.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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