25/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil vive fuga recorde de investidores estrangeiros, e questão ambiental pode piorar quadro

Publicado em 25/09/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O Brasil está perdendo atratividade para os investidores estrangeiros. Os dados do fluxo cambial mostram um quadro inédito de saída de recursos externos. Nos primeiros oito meses deste ano, US$ 15,2 bilhões deixaram o país, o maior volume para o período desde que o Banco Central (BC) começou a compilar as estatísticas, em 1982.

No último dia 23, o Banco Central informou que o Investimento Direto no País (IDP) foi de US$ 1,4 bilhão em agosto, o menor resultado para o mês desde 2006.

Além disso, os investidores estrangeiros retiraram R$ 87,3 bilhões da Bolsa brasileira de janeiro a 17 de setembro de 2020. Isso é quase o dobro do registrado em todo o ano passado, quando saíram R$ 44,5 bilhões. É a maior saída da série da B3, iniciada em 2008.

Os números refletem a crise global provocada pela pandemia e as incertezas em relação à retomada da trajetória do controle de gastos públicos no próximo ano. Com o avanço de queimadas e desmatamento, esse quadro tende a se agravar, segundo especialistas e gestores.

Os dados do fluxo cambial consideram os resultados das exportações e das importações do país, a chamada conta comercial, e o fluxo financeiro de investimentos, aportes em títulos ou dividendos remetidos e recebidos do exterior, a conta financeira. As saídas se concentram exatamente na conta financeira: foram US$ 89,6 bilhões no período de 12 meses até agosto.

Já a conta comercial tem saldo positivo de US$ 36,2 bilhões nessa comparação.

Os números de saída de estrangeiros da Bolsa não consideram a entrada de capital por meio de ofertas públicas de ações, os IPOs.

Investimento cai 27%

Em uma audiência virtual promovida na terça-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente do BC Arminio Fraga alertou para a piora da imagem do Brasil no exterior.

“Em função da piora concreta das taxas de desmatamento e de sinais abundantes de que prevalece hoje uma certa tolerância com a questão, o Brasil tem merecido uma imagem bastante negativa na cena internacional. O mesmo obscurantismo que nos prejudicou e nos prejudica no combate à pandemia nos afeta também nos temas ambientais”, disse Arminio.

Ele ressaltou que qualquer hesitação nessa área “reforça essa percepção negativa que hoje se abate” sobre o Brasil, que corre o risco de se tornar um pária.

Essa imagem negativa no exterior também pode ser observada nos dados sobre investimento estrangeiro, que registrou o menor resultado para um primeiro semestre em mais de uma década.

Nos primeiros seis meses deste ano entraram US$ 22,8 bilhões, o menor patamar desde os US$ 13,9 bilhões registrados em 2009 e uma queda de 27% na comparação com o mesmo período de 2019.

Ainda assim, contrariando os dados do BC, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os investimentos cresceram: “O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo e no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento de ingresso de investimentos em comparação com o mesmo período do ano passado”.

Não é verdade. Os dados do fluxo cambial contrariam o discurso de Bolsonaro na ONU, que mentiu dizendo que o governo verificou “um aumento de ingresso de investimentos em comparação com o mesmo período do ano passado”.

Arminio ressaltou que o desmatamento vai prejudicar cada vez mais o agronegócio, as exportações e os investimentos estrangeiros no Brasil: “O desmatamento e outros crimes ambientais, além de agravarem o problema global, trazem enorme risco para o ecossistema do agronegócio, nosso setor mais bem-sucedido, e também para a oferta de energia no nosso país”.

Segundo ele, isso prejudica também cada vez mais o acesso a mercados para os produtos brasileiros: “Basta lembrarmos o acordo com a União Europeia. A crescente ênfase, por parte das melhores empresas do mundo, do trio chamado em inglês ESG, traduzindo, meio ambiente, social e governança, reduz a atratividade do Brasil como destino de investimentos”.

Daniela da Costa-Bulthuis, gestora para o Brasil da holandesa Robeco Asset, também alerta para as consequências da atual política ambiental para o futuro do país: “O país está perdendo o capital de longo prazo, que é o que vem para ficar e que vai aumentando os investimentos ao longo do tempo. Em um exemplo hipotético, o estrangeiro pode ficar receoso de investir em uma fábrica de alimentos no Brasil e, dali a certo tempo, algum produto agrícola brasileiro ser proibido no mercado internacional por causa de práticas contra a preservação ambiental”.

‘O trem já partiu’

Para Daniela, o governo deveria escutar o que a comunidade estrangeira tem a dizer: “Quando os investidores estrangeiros alertam sobre a situação ambiental brasileira, não é uma questão política. Estamos olhando os dados oficiais, e eles apontam que o desmatamento está avançando. E o Brasil não é o único país que recebe alertas de investidores estrangeiros”.

Eric Christian Pedersen, diretor de Investimentos Responsáveis, da gestora finlandesa Nordea Asset Management, considera que, no curto prazo, o risco maior diz respeito à aprovação do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). Isso porque a questão ambiental tem grande espaço na agenda europeia.

Daniela ressalta que, hoje, conservação ambiental e economia estão ligados: “No mundo atual, não é possível conduzir atividade predatória no meio ambiental no longo prazo. Pode-se chegar a um ponto em que não haja fertilizante que faça a terra ser produtiva”.

Arminio vê relação de dependência entre meio ambiente e atividade econômica: “A persistir o aumento da temperatura do planeta, as consequências serão devastadoras. O trem já partiu, e todo cuidado é pouco. Estima-se que o impacto econômico e social ao longo do tempo será maior que o da pandemia. Imagino até bem superior”.

Análise

Ao discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, Jair Bolsonaro insinuou que o fluxo de investimentos no Brasil "comprova a confiança do mundo em nosso governo." Os arquivos do Banco Central armazenam dados que não ornam com o otimismo presidencial. Mas:

1. Entre janeiro e agosto deste ano, US$ 15,2 bilhões deixaram o Brasil. Trata-se do maior volume para o período desde 1982, quando o Banco Central começou a colecionar a estatística.

2. Os investidores estrangeiros retiraram R$ 87,3 bilhões da Bolsa brasileira entre 1º de janeiro e o último dia 17 de setembro. A cifra corresponde a quase o dobro dos R$ 44,5 bilhões que saíram durante todo o ano passado. É a maior fuga da série, inaugurada em 2008.

Em janeiro de 2019, quando Bolsonaro tomou posse. Os bumbos do novo governo anunciavam que as reformas do Posto Ipiranga e as privatizações impulsionariam a economia brasileira. Aprovou-se a reforma da Previdência. Nenhuma estatal foi passada nos cobres. Produziu-se um pibinho de 1,1%. Os dólares que rodavam pelo mundo esperando o nascer do Sol no Brasil espantaram-se com a penumbra.

O coronavírus infectou 2020. Além dos quase 140 mil mortos e da recessão, há na linha do horizonte a fumaça que vem da Amazônia e do Pantanal. Num ambiente assim, um presidente que terceiriza 100% dos desacertos sanitários aos governadores e atribui as queimadas a índios e caboclos não contribui para restaurar a confiança. É como se quisesse mostrar ao dinheiro estrangeiro a porta de saída.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *