20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Mulheres se dizem salvas pela lei Maria da Penha e se questionam por que ela chegou tarde para algumas.

Publicado em 21/11/2014 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O combate à violência praticada contra a mulher tem um símbolo no Brasil: Maria da Penha. Farmacêutica bioquímica, ela chegou a ficar internada por quatro meses devido a um tiro disparado pelo ex-marido, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão e, apesar da morosidade da Justiça, resultou na principal ferramenta jurídica de defesa das mulheres vítimas de violência: a Lei Maria da Penha – sancionada pelo presidente Lula em 2006. Maria da Penha coordena o Instituto que leva seu nome. Por meio de palestras por todo o país ela trabalha para informar a sociedade, apoiar as vítimas e promover o debate sobre o tema. Nesta entrevista, Maria da Penha fala sobre as mudanças nos oito anos da Lei, e o que ainda precisa evoluir, e aborda o atual quadro da violência contra a mulher e do papel da imprensa e da mídia nesta luta.

 

Por Victor Barone

Após oito anos de Lei Maria da Penha, o que mudou no panorama da violência contra a mulher?

Houve a implementação de políticas públicas, embora de uma maneira muito vagarosa, para que a lei saia do papel. Algumas políticas estão sendo estabelecidas, infelizmente, apenas nas capitais. E a gente sabe que os municípios interioranos precisam muito também ter políticas públicas para atender a mulher em situação de violência. Eu recebo depoimentos de muitas mulheres dizendo que se sentem salvas pela lei, ou dizendo: por que é que esta lei não foi criada no tempo em que eu apanhava do meu marido?

Pode-se dizer, então, que há importantes diferenças regionais nos números dos crimes cometidos contra as mulheres no Brasil?

Geralmente, no interior, essas mulheres são mais desassistidas, e muitas vezes as mortes não são nem notificadas e nem saem na imprensa. Apenas nas cidades onde a lei existe, onde a lei foi implementada, ou há uma delegacia, é que a imprensa toma conhecimento, faz a divulgação. Mas é difícil nas cidades pequenas as mulheres terem assim, uma certa assistência, porque nada existe para elas. Às vezes nem uma delegacia comum. Em 2013 é que as capitais dos estados brasileiros conseguiram criar seus mecanismos de política pública, que é a Delegacia da Mulher, o Centro de Referência da Mulher, casas abrigos e os juizados. Quer dizer, aos poucos as cidades colocaram uma coisa e outra, mas esses quatro equipamentos tem de existir para a lei funcionar.

O alcance ainda é insuficiente…

Sim. Atualmente, as capitais têm seus equipamentos, mas precisam ampliar, porque um juizado só não dá conta de uma população de 2,5 milhões pessoas. Então, precisamos ampliar a cobertura nos estados e no interior. As cidades vizinhas têm de ter esses equipamentos. Elas necessitam de uma alternativa, porque um ou dois municípios com juizados não conseguem atender à demanda.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não houve redução nas taxas de mortalidade entre mulheres com a aplicação da Lei Maria da Penha. O que é preciso para que a Lei, de fato, incida sobre estes números?

Sabemos que a Lei Maria da Penha está presente geralmente nas capitais, com a criação de juizados apenas no ano passado. Quer dizer, durante oito anos de vigência da Lei, existiam capitais que não possuíam ainda o Juizado da Mulher. Há o relaxamento do poder público em fazer com que a lei realmente seja implementada. Isso só acontece com a criação das políticas públicas.

A mulher muitas vezes quer que alguém denuncie por elas, porque ela não vai ter a culpa de quem denunciou. A família pode interferir para dar segurança a essa mulher.

O Judiciário é lento para tratar de casos de violência contra a mulher?

Eu senti na pele a demora do Poder Judiciário, deixando o processo dentro das gavetas e atendendo recursos procrastinadores (impetrados com o objetivo de atrasar o processo). Fiquei muito angustiada. Já era conduta do Judiciário garantir a impunidade dos agressores na época. Precisamos criar nossos filhos em um ambiente saudável, um ambiente sem violência. E não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado. Mudar a cultura é difícil. Tem de haver um olhar público para quem tem a responsabilidade de aplicar e dar agilidade aos processos.

O Supremo Tribunal Federal tem julgado com base na Lei Maria da Penha sem mesmo uma denúncia formalizada pelas vítimas. Como a senhora analisa esta tendência?

É uma questão de justiça. Porque se o agressor bate na mulher e um parente ou um vizinho vai denunciar, é porque realmente, aquele agressor está cometendo um crime. O crime de bater, o crime de não respeitar a sua mulher. Então, esse agressor tem que ser punido e essa jurisprudência. Vamos dizer assim, é muito importante. Porque a Lei já determinava isso, mas houve muitas interpretações. A mulher muitas vezes quer que alguém denuncie por elas, porque ela não vai ter a culpa de quem denunciou. A família pode interferir para dar segurança a essa mulher.

O que leva uma mulher vítima de violência a não denunciar seu agressor?

É o fator da cultura machista. Mulheres que acham que são merecedoras das agressões, porque foram criadas em ambientes onde a agressão de um homem contra a mulher era comum e aceitável. E a cultura machista impede que os gestores invistam na criação de políticas públicas que venham a atender a lei. Tudo isto interfere na verdadeira aplicação desta lei.

Há uma relação entre a questão econômica e a violência contra a mulher?

A gente sabe que para a mulher da classe social C E D é muito dificultoso tentar cuidar da família sem a ajuda do marido. Ela acredita nisso. Realmente, esta mulher precisaria ter uma renda para conseguir sair da situação, isso não quer dizer que é uma coisa imprescindível, porque nós temos mulheres da alta sociedade, se não me engano, 63% de mulheres da alta sociedade, conhecem alguém que é vítima da violência doméstica. Só que essa mulher não aparece nas estatísticas das delegacias comuns, porque geralmente elas tomam a decisão de separação através de seus advogados, de uma maneira não muito expositiva. A delegacia, na grande maioria dos casos, é das mulheres pobres.

Mulheres que acham que são merecedoras das agressões, porque foram criadas em ambientes onde a agressão de um homem contra a mulher era comum e aceitável.

Como a senhora analisa o papel da imprensa no combate à violência contra a mulher?

Acho que a imprensa é muito importante para levar informação para as mulheres que moram em lugares mais distantes, mulheres que não têm a felicidade de ter em sua cidade a implementação concreta da lei (Lei Maria da Penha). É importante para informar esta mulher, para levá-la a seu orientar, para saber sobre os seus direitos.

A imprensa tem trabalhado esta questão de forma correta?

Eu tenho encontrado um apoio muito bom na imprensa, tanto na falada como na escrita. As revistas femininas têm me procurado.

Pesquisas apontam a necessidade de as mulheres ocuparem mais espaços na produção de conteúdo e representação na comunicação e também de ocupar espaços de tomada de decisão política neste setor. O que a senhora pensa disso?

Elas estão procurando estes espaços, assim como também estão fazendo isso na política. Mas, ainda é muito pouco em relação aos homens. Uma mulher que tem filhos pequenos e não tem com quem deixá-los, ela opta por se dedicar à família, deixando de fora a vida profissional, até a possibilidade de ela ser uma parlamentar, de atuar no movimento das mulheres. Nesta conjuntura a mulher ainda fica limitada.

Como a senhora analisa a abordagem da figura feminina na tevê?

Olha, em relação às novelas eu faço uma crítica, pois a violência doméstica, do homem contra a mulher nem sempre é retratada da forma correta, especialmente no que se refere as soluções que devem ser encontradas para frear esta situação.

Como a senhora vislumbra o futuro da Lei Maria da Penha?

Eu espero que nos próximos 10 anos a lei já esteja realmente implementada em todos os municípios. Que as mulheres e homens de bem estejam esclarecidos quanto à isso e que denunciem. Mesmo os que não são parentes dessas vítimas, mas sendo vizinho ou uma pessoa próxima, que denuncie e que o poder público puna este agressor.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *