28/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Minta, ‘minto’, até acreditar que a mentira é verdade

Publicado em 23/09/2020 12:00 - Victor Barone

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É tradição na ONU: o Brasil é sempre o primeiro país a discursar na abertura da Assembleia Geral. A novidade este ano foi o discurso ser gravado em vídeo, devido à pandemia de coronavírus. Com mais de 137 mil mortes pela covid-19 confirmadas, o Brasil é atualmente o segundo país com mais vítimas da doença, atrás apenas dos Estados Unidos. Logo no início de seu discurso, Bolsonaro se colocou na defensiva. Afinal, como explicar o desastre nacional para um mundo que conhece a sua terrível comparação do coronavírus com uma "gripezinha"?

Segundo o presidente, a culpa não cabe a ele. Pelo contrário. Ele teria sido vítima do Judiciário brasileiro, que o deixou de mãos atadas na luta contra a pandemia e cedeu poderes aos governadores. Quem observa a situação mais de perto sabe que Bolsonaro se recusou a lutar contra a pandemia, que descreveu como "histeria". E pior ainda: ele se baseou na cloroquina, medicamento antimalárico comprovadamente ineficaz contra a covid-19, e colocou o Ministério da Saúde sob o comando de um general que havia organizado a logística dos Jogos Olímpicos do Rio.

Mas a negação de qualquer culpa ou responsabilidade faz parte da mentalidade populista de Bolsonaro. Assim como inflar a própria atuação sempre que algo está indo bem. De acordo com Bolsonaro, o auxílio emergencial pago a mais de 65 milhões de brasileiros para enfrentar a crise gerada pela pandemia protegeu a economia de um desastre ainda maior. Isso é verdade. No entanto, ele não disse ao público internacional que foi o Congresso quem pressionou o governo a liberar o auxílio. E ele simplesmente mentiu quando disse que as parcelas do auxílio somam 1.000 dólares por pessoa.

O negacionismo de Bolsonaro se torna ainda mais óbvio em relação à destruição ambiental em curso na Amazônia. As nuvens de fumaça podem ser percebidas até em grandes cidades do extremo sul do Brasil, e a sua gigante propagação também pode ser vista em imagens de satélite da Nasa. E o fato de que o governo Bolsonaro está impedindo as autoridades ambientais de proteger as florestas é evidenciado pelos cortes drásticos nos orçamentos ambientais. Até membros de seu próprio governo admitem abertamente a paralisia das autoridades de fiscalização ambiental.

Ainda assim, Bolsonaro também repetiu diante da plateia virtual da Assembleia Geral da ONU seu mantra de que ninguém protege mais a natureza do que o Brasil e que apenas a comunidade mundial malévola se recusa a reconhecer isso. "Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal", disse Bolsonaro. Instituições internacionais estariam envolvidas em maquinações sombrias para prejudicar o seu governo e o Brasil, com a participação de associações brasileiras "aproveitadoras e impatrióticas".

Com isso, o presidente se dirige não apenas a organizações como o Greenpeace e o WWF e a ativistas como o ator Leonardo DiCaprio, mas também contra a própria ONU. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 25, deveria ter sido realizada no Brasil em 2019. Mas Bolsonaro se opôs. Reiteradamente, ele acusou a ONU de querer tirar a Amazônia do Brasil com a ajuda do acordo climático de Paris.

Mas é claro que Bolsonaro não se interessa pela imagem do Brasil no mundo. Em tempos de redes globais de informação e graças à cobertura vigilante da mídia, o mundo hoje sabe muito bem o que está acontecendo nas florestas brasileiras. Nesse ponto, Bolsonaro não tem nada a ganhar. O discurso dele se dirige à própria população, a quem tem que responder sobre as mortes provocadas pelo coronavírus, a crise econômica devido à pandemia e a destruição do meio ambiente. E a quem ele – ao contrário da opinião pública bem informada no exterior – ainda pode imputar sua distorção dos fatos.

Atribuir a culpa a poderes obscuros estrangeiros agrada a muitos brasileiros. As ameaças das fileiras da União Europeia de não ratificar o acordo comercial com o Mercosul vêm a calhar para que Bolsonaro se mostre vítima de intrigas internacionais. 

Dois problemas movem o mundo atualmente: a pandemia da covid-19 e as mudanças climáticas. Ambas as crises têm dimensões globais e só podem ser resolvidas em nível global. Um estadista inteligente, portanto, usaria instituições globais como a ONU para encontrar soluções. Antes de mais nada, para interesse do seu próprio país. Mas Bolsonaro não pensa em soluções. Como populista profissional, ele aceita as crises com gratidão, para poder colocar a culpa em inimigos imaginários. Não se deve esperar nada de construtivo dele.

Por Thomas Milz

Bolsonaro contou um combo de mentiras durante seu discurso. Culpou "índios" e "caboclos" pelos incêndios na Amazônia, livrando a barra de grileiros e pecuaristas; isentou a si mesmo de responsabilidade pela desastrosa política contra a covid-19, terceirizando a culpa para governadores; disse que adotava uma política de tolerância zero contra crimes ambientais quando, na verdade, seu governo faz o contrário: ataca servidores públicos do Ibama e Instituto Chico Mendes que tentam cumprir a lei. Nenhuma novidade. Cada uma das mentiras contada por Bolsonaro é velha conhecida dos brasileiros e tem sido repetida à exaustão.

Discursos nas Nações Unidas de chefes de Estado internacionalmente irrelevantes e que são vistos como tributários de outros governos, como é o caso de Jair, são pensado mais ao público interno. No caso dele, o falatório foi direcionado ao bolsonarismo-raiz, aquele naco de 12% a 16% que tem atuado como guardião de seu governo. O fato é que da mesma forma que Bolsonaro usou mentiras em seus mandatos como deputado federal e na campanha à Presidência da República, também tem as utilizado como instrumento de sua administração. Ou seja, a mentira tem método e não serve apenas para se livrar de acusações. E o método tem funcionado.

Não importam fotos e vídeos da Amazônia e do Pantanal queimando, imagens de satélites com milhares pontos de calor comendo a região e relatos do inferno colhidos de indígenas, ribeirinhos e moradores de cidades. Bolsonaro aposta que a construção da realidade não brota de fatos, mas da narrativa que sai de sua boca. E, em sua narrativa, o salvo-conduto que ele entregou a quem depreda o meio ambiente não se traduz em destruição. Com isso, o presidente afirma gostar da passagem bíblica do "Conhecereis a verdade e ela vos libertará" (Evangelho de João capítulo 8, versículo 32), mas parece, de fato, se identificar com "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João, de novo, capítulo 14, versículo 6).

Há colegas jornalistas com pudor de dizer abertamente "o presidente mente", acreditando que isso extrapola o papel da imprensa. Mas quando a mentira é usada como instrumento de governo, evitar a expressão torna-se um desserviço. Contadas à exaustão, as mentiras do presidente tornam-se farol e norte para milhões de fãs e seguidores. Ele não precisa que o Brasil inteiro acredite nelas, apenas que sejam repetidas por uma parcela de ingênuos e outra de pessoas de caráter duvidoso, fortalecendo o seu nicho ruidoso de apoiadores.

Todo governante mente, da esquerda à direita. A questão é quando isso se torna parte estrutural de uma gestão para refutar quaisquer fatos e dados comprovados que estejam na contramão dos desejos do presidente. Quando a mentira é muito descarada e é pega no pulo, Bolsonaro adota a tática Donald Trump, afirmando que nunca disse o que efetivamente disse e chamando a imprensa de "fake news". Muitos de seus seguidores não se dão ao trabalho de checar em fontes confiáveis, preferindo acreditar em postagens anônimas de WhatsApp que confirmam sua visão de mundo, assumindo o comportamento "errado é quem discorda de mim".

Disse a filósofa alemã Hanna Arendt. "O que convence as massas não são os fatos, mesmo que sejam inventados, mas apenas a coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte". Para ela, a propaganda totalitária prospera nesse clima de fuga da realidade para a ficção. Aliás, a fuga é, como diz a autora, um antídoto contra um mundo no qual o acaso é o senhor supremo e no qual os seres humanos precisam se adaptar constantemente. Diante da arbitrariedade da vida, muitos acabam por curvar-se à coerência fictícia da ideologia de um líder não porque são estúpidas ou perversas, mas porque essa fuga é uma questão de sobrevivência pessoal.

Qual a consequência de tudo isso hoje? Em um mundo ultrapolarizado, em que cada um acredita naquilo que seu líder apontar como verdade, estamos parando de compartilhar uma percepção comum de realidade, deixando de acreditar em um pacote comum de fatos. O que é premissa para a vida em sociedade. Temos direito às nossas próprias opiniões, mas não aos nossos próprios fatos. Mas, convenhamos, devido à deficiência de educação para a mídia, temos mais pessoas que sabem diferenciar maminha de picanha, do que notícia de opinião.

Imagine viver em lugar em que não mais se distingue verdade e mentira? Nesse caso, perdemos a capacidade de cooperar por um bem comum, pois se torna impossível definir qual seria esse bem comum. As instituições perdem a credibilidade e são incapazes de resolver conflitos. A saída, invariavelmente, acaba sendo um autoritário que aparece para dar sentido às coisas e colocar ordem no caos.

Por mais críticas possamos ter ao jornalismo é ele quem, com todos os seus acertos e defeitos, nos últimos 200 anos, se desenvolveu para pautar e organizar debates da esfera pública. Se por um lado, as redes sociais trouxeram a possibilidade de mais pluralidade e democracia a esse processo de pauta, por outro abriram caminho para o envenenamento do debate público. Como tirar a água suja do banho sem jogar a criança fora é a grande pergunta. Começa com Terra plana e movimento antivacinação, passa por remédios apresentados como elixires mágicos contra a covid e a defesa de que imagens de satélites mentem. A pedra foi solta e já rola ladeira abaixo. "O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade", disse o escritor Umberto Eco. O problema é que o idiota da aldeia quer sempre mais.

Por Leonardo Sakamoto

Um manifesto assinado por 48 entidades de várias áreas fez duras críticas ao discurso do presidente. O texto diz que o pronunciamento foi "um ataque planejado e consciente, que tem a intenção falaciosa de mostrar ao mundo uma realidade que não corresponde ao que ocorre no Brasil, desde sua chegada ao governo."

No primeiro parágrafo do pronunciamento que leu na tribuna virtual da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro disse estar honrado por abrir o encontro "num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios." Pronunciou na sequência um amontado de meias verdades, privilegiando a parte que é mentirosa. O presidente reproduziu na vitrine internacional o enredo que ensaia internamente para usar na campanha de 2022. Nesse roteiro, a culpa pelas crises é sempre do outro. Bolsonaro frequenta os problemas na posição invariável de solução. Quando a coisa não funciona a contento é porque os outros atrapalham.

Por Josias de Souza

O professor de Relações Internacionais da UFMG, Dawisson Belém Lopes, fez um resumo do discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia-Geral da ONU. O pesquisador destaca as referências ao desmatamento dos europeus e a omissão na fala do chefe do Planalto de dados das infecções e mortes provocadas pela covid-19.

“Foi um discurso pautado pelo anedótico. A pandemia foi o primeiro tópico. Na tentativa de apresentar a estratégia brasileira sob luz positiva, os dados de infecções e de mortes por Covid-19 foram omitidos. Desemprego recorde e inflação foram substituídos na fala oficial por um suposto retorno do crescimento econômico ao País. Entre menções negativas às gestões anteriores, nomeadamente aos governos do Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro salpicou referências ao desflorestamento dos europeus, às queimadas na Califórnia e às práticas destrutivas dos povos indígenas. Nem mesmo as ONGs internacionais foram poupadas dos petardos bolsonaristas. Diversas informações sobre o engajamento histórico do Brasil na ONU compareceram ao fim do pronunciamento. O fecho foi dedicado à celebração do compromisso bolsonarista com a família e a religião – uma novidade destes tempos atuais. Em suma, isso foi o Brasil na ONU em 2020”, concluiu.

Por BR Político

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) reagiu. Em nota, a entidade afirma que Bolsonaro mentiu e contribuiu para que o Brasil “caminhe para se tornar um pária internacional”.

“Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais. Bolsonaro mentiu”, afirma a nota, assinada pelo presidente da ABI, Paulo Jeronimo.

E segue: “O presidente responsabilizou índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas. Como se vê, de novo, Bolsonaro mentiu”, aponta.

“O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o País é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de ‘gripezinha’ e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de saúde”, afirma a nota, concluindo: “A ABI repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório”.

DENÚNCIAS GRAVÍSSIMAS

Uma reportagem da Folha apurou que partiu do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos o vazamento do nome da criança de dez anos que ficou grávida após sofrer sistemática violência sexual na família – o que é crime. Segundo o jornal, a informação foi repassada por representantes de Damares Alves aos bolsonaristas Sara Giromini e Pedro Teodoro, que a divulgaram nas redes sociais. A matéria também detalha os bastidores de como a ministra teria atuado para impedir que a menina tivesse acesso ao direito de interromper a gestação.

Já se sabia que Damares havia enviado assessores para a cidade de São Mateus (ES), onde a criança morava. A repórter Carolina Vila-Nova conta que Alinne Duarte de Andrade Santana, da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Wendel Benevides Matos, coordenador da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, e mais dois assessores “tentaram retardar a interrupção da gravidez e, em uma série de reuniões, pressionaram os responsáveis por conduzir os procedimentos, inclusive oferecendo benfeitorias ao conselho tutelar local”. Foi prometido um Jeep Renegade, equipamentos como ar-condicionado e até a instalação de um segundo conselho para atender a região. O jornal obteve provas de que Damares participou de uma dessas reuniões, por videoconferência.

Ainda de acordo com a matéria, o plano do Ministério era que a criança fosse transferida para o Hospital São Francisco de Assis, na cidade de Jacareí (SP), onde ficaria internada para que a gestação fosse concluída. Detalhe: entre os parceiros da unidade de saúde consta a Igreja Quadrangular, da qual Damares era pastora. Quando essa proposta foi recusada, o grupo teria partido para “uma estratégia de intimidação”, com direito à tentativa de retardar a transferência da menina para o hospital que realizou o aborto, em Recife. Depois que isso também falhou, aconteceu o vazamento da identidade da criança. O Ministério respondeu que apenas acompanhava a atuação da rede de proteção à vítima. 

Em tempo: como o colega de governo Ricardo Salles, a ministra atua contra a missão da pasta que comanda por meio da negligência orçamentária. O Ministério empenhou apenas R$ 63 milhões dos R$ 121 milhões destinados à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres esse ano. No caso do enfrentamento à violência contra a mulher, a coisa é pior: de R$ 24,6 milhões disponíveis, só R$ 1,6 milhão foi usado. Isso num ano em que os casos se multiplicaram devido ao confinamento gerado pela pandemia.

O Ministério Público quer que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue a conduta de Damares Alves no caso envolvendo a menina capixaba de dez anos que ficou grávida após estupro. A representação é assinada pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado e tem como base a reportagem da Folha, que apurou que assessores da ministra enviados à São Mateus (ES) agiram para impedir a interrupção da gestação, prevista em lei, e ouviu fontes que sustentam que partiu desses assessores o vazamento do nome da criança, divulgado por bolsonaristas nas redes sociais. De acordo com Furtado, há indícios de que a ministra descumpriu sua responsabilidade de proteger a criança e violou o princípio constitucional da laicidade do Estado ao valer-se das prerrogativas do cargo que ocupa para tentar impedir a realização de aborto legal. A peça questiona ainda a administração pública federal como um todo, que estaria se deixando contaminar por convicções religiosas pessoais de integrantes do governo. 

Partem do Legislativo duas outras iniciativas mirando Damares. O ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa (PT-PE) ingressará com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que a ministra responda por crime de responsabilidade. Já a bancada do PSOL na Câmara, além de acionar a PGR, vai denunciar Damares à Comissão de Ética da Presidência da República. 

No Twitter, a ministra negou qualquer interferência. “Deixamos claro que o tempo inteiro nossa atuação ocorreu para fortalecer a rede de proteção à criança em São Mateus”. Mas, na sua defesa, Damares acabou confirmando indiretamente um ponto da reportagem, que relata que seus assessores ofereceram equipamentos e até um Jeep em troca do apoio do conselho tutelar. “Oferecemos melhorar o conselho tutelar e até curso foi ministrado com esse objetivo”.

MAIS UMA DENÚNCIA

A semana começou com o furo de reportagem da Folha, segundo o qual membros do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos teriam cometido crime e vazado o nome da criança de dez anos vítima de estupro e feito pressão para que a gestação fosse levada a cabo. Poucos dias antes, o inquérito dos atos antidemocráticos apontava que havia “vínculos ainda não totalmente esclarecidos” do grupo investigado com a pasta. Sara Giromini, que divulgou o nome da menina nas redes, ocupou cargo no Ministério. Além disso, um dos blogueiros investigados – Oswaldo Eustáquio – é casado com Sandra Mara Wolf, conhecida como “Sandra Terena”, então secretária nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial. Graças à revelação, ela foi demitida na segunda-feira.

Mas nas últimas horas em que esteve no cargo, Sandra enviou um ofício à Assessoria Especial de Controle Interno da pasta informando irregularidades em convênios do Ministério com uma ONG do Sergipe. O jornal O Globo teve acesso ao documento, em que ela denuncia “situação de ilegalidade de malversação de recurso público” no termo firmado com a Associação dos Jovens Aprendizes com Deficiência Visual para um programa de “aprendizado integrado”. Dos oito convênios firmados entre o Ministério e a ONG, dois já tiveram pagamentos no valor de R$ 1,5 milhão liberados. A pasta respondeu que o assunto já estava sendo examinado internamento e a interrupção do repasse dos recursos foi solicitada. Também anunciou que vai instaurar sindicância interna para apurar o vazamento do ofício.

Não é a primeira denúncia envolvendo convênios firmados pela pasta. Em agosto, o Intercept Brasil mostrou que a Assessoria de Controle Interno havia detectado irregularidades em convênios da Secretaria Nacional de Juventude que somavam R$ 21,3 milhões. Uma recomendação de auditoria foi feita em abril deste ano, mas o site apurou que pagamentos continuaram acontecendo até julho

Por Outra Saúde

FREIRE

Um vídeo de três minutos com o pedagogo Paulo Freire (1921-1997) respondendo a pergunta de uma estudante – “O que foi a ditadura para a educação brasileira” – de tempos em tempos reaparece circulando de em redes sociais. A pergunta foi feita durante participação de Freire no programa Matéria Prima, da antiga TV Cultura. Na época em foi entrevistado, Paulo Freire era secretário da Educação da Prefeitura de São Paulo, gestão de Luiza Erundina (1989-1992), então no PT.  Em sua resposta à estudante, Freire diz: “Ora, puxa, esta é uma pergunta muito bacana”.

COMEMORAÇÃO NO CURRAL

Jair Bolsonaro, Donald Trump e vários outros líderes mundiais estão entre os vencedores do prêmio humorístico IgNobel 2020, que todos os anos destaca os feitos mais peculiares da ciência. Os políticos levaram a categoria de “Educação Médica” como forma de ironizar as suas medidas anti-científicas na gestão da pandemia de Covid-19 em seus respectivos países. No grupo do Aliança pelo Brasil, a comemoração foi fervorosa.

ESCARNIO

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) faltou à acareação com o empresário Paulo Marinho, seu suplente no Senado, no processo sobre vazamento de informações da Operação Furna da Onça, no Ministério Público do Rio de Janeiro. Flávio atribuiu sua ausência a "compromissos da sua agenda oficial, que o fizeram estar no Amazonas nesta data". Ao lado do irmão e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Flávio participou de um programa de televisão em Manaus. Ao lado do apresentador Sikêra Jr., do presidente da Embratur, Gilson Machado, e de parte da equipe da atração, eles dançaram e cantaram ao vivo uma música de conotação sexual com ataque a usuários de maconha, batizada pelo apresentador de "Todo maconheiro dá o anel".

FORA BOLSONARO

A atleta de vôlei de praia Carol Solberg, que pediu “Fora, Bolsonaro” durante uma entrevista ao vivo e passou a ser criticada por bolsonaristas e pela própria Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), foi às redes sociais para reiterar seu posicionamento contra o governo e dizer que tem o direito de se manifestar politicamente.  O grito contra Jair Bolsonaro ocorreu após a atleta ganhar uma medalha de bronze na primeira etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia ao lado de Talita, em Saquarema (RJ). A CBV chegou a divulgar uma nota de repúdio no domingo (20), dizendo que a confederação é contra manifestações de cunho político. Já atletas como Fabiana, bicampeã olímpica, defendeu o direito de Carol se manifestar.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Gostaria de poder responder a cada um de vocês, mas é impossível dar conta de tantas mensagens. Só quero agradecer demais e dizer que me senti abraçada por todo esse amor. O meu grito é pelo Pantanal que arde em chamas em sua maior queimada já registrada e continua a arder sem nenhum plano emergencial do governo. Pela Amazônia que registra recordes de focos de incêndios. Pela política covarde contra os povos indígenas. Por acreditar que tantas mortes poderiam ter sido evitadas durante a atual pandemia se não houvesse descaso de autoridades e falta de respeito à ciência. Por ver um governo com desprezo total pela educação e cultura. Por ver cada dia mais os negros sendo assassinados e sem as mesmas oportunidades. Por termos um presidente que tem coragem de dizer que “o racismo é algo raro no Brasil”. São muito absurdos e mentiras que nos acostumamos a ouvir, dia após dia. Não posso entrar em quadra como se isso tudo me fosse alheio. Falei porque acredito na voz de cada um de nós. Vivemos em uma democracia e temos o direito de nos manifestar e de gritar nossa indignação com esse governo. Não sou de nenhum partido, não sou ativista, sou uma atleta. É o que gosto de ser. Eu amo meu esporte, represento meu país em campeonatos mundiais desde meus 16 anos e espero que o ambiente esportivo seja sempre um lugar democrático, onde os atletas tenham liberdade de expressão e que saibam da importância da sua voz. Saber que todas as pessoas que eu admiro e que são importantes pra mim estão do meu lado, me faz ter certeza de que estou do lado certo da história. Tamo junto!

Uma publicação compartilhada por Carolina Salgado Solberg (@carol_solberg) em

TERRAPLANISMO

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) disse que a prioridade do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia do novo coronavírus não era a saúde e que o Ministério passou a ser visto pelo governo como oposição. “Parecia que o Ministério da Saúde era oposição porque a gente tinha uma posição pró-vida. A gente tinha medo que o sistema único de saúde entrasse em colapso, como aconteceu em alguns lugares. Quando ele (Bolsonaro) faz uma opção que não era saúde em um momento de crise, ficou uma situação muito complicada entre ministério e a presidência”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo. Mandetta vai lançar o livro “Um Paciente Chamado Brasil: Os Bastidores da Luta contra o Coronavírus” [Editora Objetiva], em que narra como o Ministério da Saúde tentou conter a pandemia da Covid-19 no País. O médico disse que alertou o presidente sobre a possibilidade do Brasil atingir o número de 180 mil óbitos, mas recebeu uma reação “negacionista e raivosa” de Bolsonaro. No livro, Mandetta conta que, no início da pandemia, Bolsonaro estava absolutamente convencido de que o coronavírus era uma conspiração e uma arma biológica chinesa para levar a esquerda de volta ao poder na América Latina. Em entrevista ao Programa do Bial, o ex-ministro contou como lidou com a situação. “Tem coisas que você não rebate. Você olha e fala: ‘Até que se prove isso, vamos tratar dos fatos, vamos tratar da vida como ela é, vamos enfrentar o problema e depois a gente vê as teorias conspiratórias que são muito comuns’. A gente não deve embarcar nessas teorias”, respondeu o ex-ministro.

“TRIBUTOS ALTERNATIVOS”

Jair Bolsonaro deu sinal verde para a nova CPMF e, ontem, Paulo Guedes apareceu ao lado do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), defendendo a criação de “tributos alternativos”. A cena é resultado de uma negociação de bastidores, em que ficou combinado que caberá ao Centrão angariar apoio necessário à ideia antes que o governo envie formalmente um projeto ao Congresso Nacional. Para atrair parlamentares que resistem à criação de tributos, algumas migalhas de pão serão espalhadas pelo chão. 

A principal estratégia não é novidade, e consiste em vincular a discussão desse novo imposto sobre transações digitais à desoneração da folha de pagamento. O governo sabe que o Congresso deve derrubar o veto presidencial à manutenção da desoneração para 17 setores da economia em breve, e já incentiva a movimentação pedindo que os parlamentares apoiem a criação do tributo como forma de equilibrar as contas. De acordo com o UOL, Barros chegou a dizer que o governo pode editar uma proposta alternativa, desonerando todos os setores da economia, desde que seja compensado. Nessa linha, o deputado segue sustentando que não haverá aumento da carga tributária, apenas substituição dos encargos pagos pelas empresas sobre os salários dos funcionários pela nova CPMF.

A novidade fica por conta da negociação do que o Estadãodescreve como uma “dobradinha”: o Centrão negociaria a adesão à reforma tributária apoiada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) em troca da criação da nova CPMF. O imposto seria incluído na PEC 45, que não está avançando na Câmara sem a chancela de todos os líderes do bloco de partidos que apoia o governo. Maia é o principal opositor da CPMF e já disse que a proposta não seria colocada em votação enquanto ele presidir a Casa. Seu mandato termina em fevereiro de 2021. A ideia é dobrá-lo, convencendo que ele ganha mais aprovando a reforma tributária do que deixando o poder sem esse “golaço”, na expressão de um líder do Centrão que conversou com o jornal.

Há ainda um terceiro polo de atração, aposta do ministro da Economia. Ontem, ele ligou o imposto ao financiamento do programa social do bolsonarismo – que, aliás, deve ser batizado de “Renda Cidadã”. Só que como nós já repetimos muitas vezes por aqui, e a Folha ressalta na sua reportagem, “tal instrumento não garantiria o programa, visto que depende de corte de despesas por causa do teto de gastos”. 

Todos esses esforços encontram muita resistência no Congresso, não só por parte de Rodrigo Maia. E quem reconhece isso é o próprio Centrão. “A CPMF está estigmatizada, não acho que passe“, disse à Reuters o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-líder do bloco que reúne partidos do Centrão como o PL, o PP, o PSD e Solidariedade. “A CPMF, na prática, significa aumento de imposto pra milhões de brasileiros, em especial de classe média e baixa, que não tem folha de pagamento. Portanto, só terão aumento, sem nenhuma desoneração”, avaliou. Ontem, o presidente da comissão da reforma tributária no Congresso, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), disse que a criação da nova CPMF é um tema delicado: “Pode, de algum modo, contaminar a reforma. Não há ambiente político para discutir este assunto“. Segundo o Estadão, lideranças partidárias cobram de Guedes a apresentação de estudo detalhado do novo tributo para decidir se vale a pena apoiar a aprovação “do que eles consideram ser um ‘monstrengo’”. 

“DINHEIRINHO CARIMBADO”

Ontem, Paulo Guedes confirmou que a versão final da PEC do Pacto Federativo está a caminho. “Eram três versões, elas estão sendo consolidadas agora. E o relator está fazendo um excelente trabalho, está submetendo à aprovação do presidente, vendo onde há acordo, onde não há acordo, e isso vai ser encaminhado”, afirmou. Como era de se esperar, parte desse “excelente trabalho” será eliminar os pisos de financiamento do SUS e da educação pública brasileira. “A ação política é muito mais importante do que um dinheirinho carimbado que corrige 1,6% [valor do IPCA, limite para ampliação do orçamento federal segundo a regra do teto de gastos]”, tripudiou o ministro da Economia.

Segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Planalto marcou para a próxima segunda uma reunião com líderes do Congresso para discutir a PEC.

PRA REFORÇAR

Em breve, Ricardo Salles já vai poder pedir música – e, claro, não será por um bom motivo, como um gol. Ontem, o Ministério Público Federal pediu o afastamento do ministro do Meio Ambiente pela segunda vez à Justiça Federal. A procuradora Márcia Zollinger afirma que a permanência de Salles no cargo pode levar a Amazônia a um ponto de “não retorno”, em referência a um alerta feito por cientistas na audiência organizada pelo Supremo essa semana. Eles avaliam que o desmatamento, que já chegou a 17%, poderá levar a um colapso do bioma caso atinja entre 20% e 25%. 

A ação contra o ministro foi apresentada originalmente em julho. O MP observa que, de lá para cá, os incêndios na Amazônia e no Pantanal se multiplicaram em meio ao desmonte deliberado de políticas públicas voltadas à proteção do meio ambiente promovido por Salles. 

Falando em devastação, a pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso, Cátia Nunes da Cunha, prevê que algumas áreas atingidas por incêndios no Pantanal possam levar 50 anos para se recuperar. É o caso da floresta inundável, que tem baixa resiliência ao fogo, diferente da vegetação mais próxima ao Cerrado. O bioma já perdeu 19% da sua área para as queimadas. 

Na quarta, senadores protocolaram o pedido de criação da CPI da Crise Ambiental. A instalação depende do aval do presidente da Casa, Davi Alcolumbre.

Por Outra Saúde

SAÍDA PELA DIREITA

Uma entrevista coletiva realizada na quarta-feira (23) em Brasília terminou com uma cena no mínimo constrangedora, e talvez seja até incorreto dizer que “terminou”, porque o que se viu foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, sendo empurrado e obrigado a “terminar” a entrevista, sem nem mesmo concluir sua linha de raciocínio, intimidado por um ministro e pelo líder do governo na Câmara.

A grande imagem da coletiva de Paulo Guedes foi o fim dela. Ministro Ramos e Ministro Ricardo Barros interrompendo a fala de Guedes e o retirando da entrevista.

Bela observação do pessoal da @CNNBrasil pic.twitter.com/kglx2xCEni

— Samuel Pancher (@SamPancher) September 24, 2020

FRASES DA SEMANA

“Chega! Já criaram problemas suficientes no mundo! Antes de apontar o dedo aos outros, qual é a causa dos sete milhões de casos de infecção e mais de 200.000 mortes nos Estados Unidos? Parem de mentir, de espalhar o vírus da desinformação”. (Zhang Jun, embaixador chinês na ONU)

“Liderar é apontar soluções. É ter capacidade de atrair. É covardia culpar índios e caboclos pelo caos resultante da descoordenação ambiental do país. E não é verdade que o Brasil tem atraído investimentos estrangeiros”. (Luciano Huck, aspirante a candidato a presidente)  

“Para resolvermos os nossos problemas, nós precisamos fazer diagnósticos corretos e não criar uma realidade imaginária paralela”. (Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre os problemas ambientais que o Brasil enfrenta) 

“Atos antidemocráticos são meus ovos na goela de quem inventou isso! Milhares vão às ruas espontaneamente e, devido a meia dúzia, esculhambam toda a democracia. Tentam qualificar a vontade popular como algo temerário”. (Carlos Bolsonaro, vereador e filho de Jair Bolsonaro)

“Máscaras adoecem pessoas. Coloco somente em locais onde idiotas enchem o saco, e deixo o nariz descoberto. Existe a lei, mas se a sociedade não obedecer, cairá em desuso. O povo, dono da democracia, deve fazer valer sua voz”. (Daniel Silveira, deputado federal pelo PSL do Rio)

“Vocês não entraram naquela conversinha mole de fique em casa e a economia a gente vê depois. Isso é para os fracos. O vírus, eu sempre disse, era uma realidade, e tínhamos que enfrentá-lo. Nada de se acovardar perante aquilo que a gente não pode fugir dele.” (Jair Bolsonaro)

“A visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima, fronteira com a Venezuela, a apenas 46 dias da eleição presidencial norte-americana, afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa”. (Rodrigo Maia, presidente da Câmara)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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