Poder
Publicado em 18/09/2020 12:00 -
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que não vê crime de constrangimento ilegal na ameaça que o presidente Jair Bolsonaro fez a um jornalista em agosto.
Na ocasião, o presidente disse que iria bater no profissional, após ser questionado sobre os cheques do ex-assessor Fabrício Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O episódio ocorreu durante uma visita de Bolsonaro à Catedral de Brasília. Repórter do jornal "O Globo" perguntou ao presidente sobre os cheques, no valor total de R$ 89 mil, para a primeira-dama.
Primeiro, Bolsonaro disse que não iria responder. Depois, disse: "Eu vou encher a boca desse cara na porrada". Na sequência, o presidente emendou: "Minha vontade é encher tua boca na porrada".
Parlamentares e advogados acionaram o STF para que fosse aberta uma investigação contra Bolsonaro pelo episódio. Relatora das ações, a ministra Rosa Weber determinou que a PGR se manifestasse.
Em pareceres enviados ao STF no último dia 14, Aras afirmou que não há constrangimento ilegal, uma vez que a conduta de Bolsonaro não impôs ao jornalista fazer algo que a lei não permite ou o impediu de fazer algo permitido.
“Não é possível extrair dos fatos narrados ou da matéria acostada à petição inicial que o jornalista tenha sido obrigado, coagido, forçado a fazer algo específico que a lei não manda ou a não fazer algo em particular que ela permite”, escreveu Aras.
Segundo o procurador-geral, “em verdade, não se divisa qualquer pretensão especial buscada pelo agente/emissor [Bolsonaro]. Essa ausência afasta, de plano, a incidência da norma penal incriminadora, pois a linguagem hostil não foi empregada como expediente para a obtenção de determinado comportamento ambicionado pelo sujeito ativo”.
Aras afirmou ainda que, “o tom intimidante, embora possa vir a caracterizar a grave ameaça, enquanto elementar do tipo penal, não é suficiente, por si mesmo, à formal adequação dos fatos à norma”.
Sem relação com mandato
O PGR ressaltou que um eventual crime de ameaça só pode ser investigado a partir de provocação da vítima. “Ausente declaração da vítima no sentido de ver instaurada a persecução penal em face de seu ofensor, não há como investigar os fatos”, afirmou o procurador-geral.
Aras avaliou ainda que os fatos não têm relação com o mandato de Bolsonaro, portanto, ele estaria encoberto pela chamada imunidade presidencial temporária, que está prevista na Constituição.
Essa regra estabelece que o presidente da República não pode ser responsabilizado por fatos ocorridos antes de ele assumir a chefia do Executivo – ou seja, que não estejam relacionados ao exercício de suas funções.
“Além disso, observa-se de antemão que a narrativa desenvolvida pelo noticiante abrange fatos que não guardam relação com o exercício do mandato presidencial Por essa razão, no presente momento estaria proibida a instauração de processo-crime em face do Presidente da República”, afirmou.
Análise
Então fica combinado assim: sempre que alguém pergunte algo que possa irritá-lo, o presidente Jair Bolsonaro deve sentir-se à vontade para responder que está com “vontade de encher” a boca dele “de porrada”. Não é crime.
É o que pensa o Procurador-Geral da República.
Aras considera que sequer investigado Bolsonaro pode ser, pois “a narrativa desenvolvida pelo noticiante [o senador] abrange fatos que não guardam relação com o exercício do mandato presidencial”. Ora, Bolsonaro participava de um ato público.
No idioma dos tribunais, Aras escreveu que “na espécie, não é possível extrair dos fatos narrados que o jornalista tenha sido obrigado, coagido a fazer algo específico que a lei não manda ou a não fazer algo em particular que ela permite”. Entendeu?
De resto, segundo ele, “no presente momento estaria proibida a instauração de processo-crime em face do presidente da República dispor de imunidade temporária”. No máximo, Aras admite apenas que Bolsonaro adotou “linguagem hostil” e “tom intimidante”.
Reincidente
Monitoramento de violações contra jornalistas divulgado pela ONG Artigo 19 no último dia 15, no marco do Dia Internacional da Democracia, revelou que o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e ministros cometeram 449 ataques contra profissionais da imprensa e comunicadores, desde janeiro de 2019 até agora.
São ações de deslegitimação e estigmatização do trabalho da imprensa, além da exposição de jornalistas e comunicadores. Segundo o coordenador da área de proteção e segurança da Artigo 19, Thiago Firbida, que coordenou o levantamento, trata-se de uma “explosão de agressividade” nunca antes vista.
“Não tem precedente na história recente do país – em qualquer governo, mais à esquerda ou à direita – de autoridades públicas do mais alto escalão tendo uma quantidade de ataques tão pesados e tão intensa quanto essa. Contudo, o que a gente vê é uma organização sistemática desses ataques”, afirmou Firbida, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.
Os discursos estigmatizantes contra a mídia computam 189 ataques. “É, por exemplo, mobilizar acusações falsas contra jornalistas, para colocar uma pecha sobre eles de que estão com uma agenda para tentar derrubar o governo ou algo do tipo”. Logo atrás, com 180 casos, estão as tentativas de deslegitimação. “Geralmente acontece quando o jornalista está cobrindo algum caso que embaraça ou envergonha o governo.”
Além disso, os ataques também funcionam com a exposição dos jornalistas nas redes sociais de Bolsonaro e dos seus colaboradores mais próximos. Após o comando inicial, eles passam, então, a serem atacados pelas milícias digitais e apoiadores do governo. Questões de gênero, raça e opção sexual são utilizadas para agredir o jornalista em questão.
O mais grave, segundo Firbida, é o envolvimento de órgãos da administração pública nesses ataques. É o caso, por exemplo, da Secretária de Comunicação Social, que utiliza seus canais institucionais para detratar comunicadores. “Isso é censura, pura e simples. Inclusive, pode configurar irregularidade ou crimes que devem ser devidamente investigados”.
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