29/03/2024 - Edição 540

Poder

De Moro às queimadas, Bolsonaro faz bom uso da mentira para se reeleger

Publicado em 18/09/2020 12:00 -

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Quando Jair Bolsonaro afirma e repete que somos "o país que mais preserva o meio ambiente", ele quer enganar os desinformados, excitar seus fãs, irritar o naco racional da sociedade e construir uma "verdade alternativa" Made in Brazil para ser exportada como subproduto de sua guerra cultural.

Na prática, sabe que sua gestão está completando um grand slam do fogo, com quatro biomas – Amazônia, Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica – ardendo, ao mesmo tempo, em incêndios criminosos provocados por grileiros e produtores rurais.

Sabe, mas a resposta dele e de sua equipe é encontrar novas formas de mentir e esconder a própria responsabilidade. Fuga acima de tudo, covardia acima de todos. Ou como diria o grande filósofo Al Bundy: só é trapaça se te pegam.

"É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo", afirmou no dia 11 de agosto. Não importam fotos e vídeos da floresta queimando, imagens de satélites com milhares pontos de calor comendo a região e relatos do inferno colhidos de indígenas, ribeirinhos e moradores de cidades. Ele disse textualmente que "a floresta não pega fogo".

Já culpou indígenas, ONGs e até o Leonardo DiCaprio por queimadas. Disse que tinha a "convicção" de que os dados de desmatamento (que saltaram no ano passado e neste ano) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais eram mentirosos e acusou o então presidente do órgão, o cientista Ricardo Galvão, de estar "a serviço de alguma ONG". A culpa é sempre de um complô externo quando é ele que conspira a céu aberto contra o meio ambiente, os brasileiros e o clima do planeta.

Bolsonaro aposta que a construção da realidade não brota de fatos, mas de seu gogó. E, em sua narrativa, o salvo-conduto que ele entregou a madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas ilegais não se traduz em salto nos índices de desmatamento e em queimadas. Por que são todos cidadãos de bem.

Além de toda tragédia natural e humana que vem sendo noticiada, vale lembrar que ainda estamos vivendo uma pandemia que atinge em cheio o aparelho respiratório. Esta época do ano já seria uma tragédia em hospitais. Agora, mais pessoas vão morrer pela mistura de covid e queimadas. Ele dirá que é só tomar cloroquina. Ou que todo mundo morre um dia.

Há uma chance de grandes cidades do Sudeste presenciarem chuva escura com céu apocalíptico neste final de semana por conta da correntes de fumaça encontrando-se com nuvens de chuva. Bolsonaro dirá que é Photoshop.

O presidente também disse, nesta quinta (17), que somos o país "que mais sofre ataques vindos de fora no tocante ao meio ambiente". Nisso, concordamos. O que não diz é que os ataques são, em sua maioria, justificados. O mundo vê com tristeza a derrocada de um país, que já tentou liderar o desenvolvimento sustentável. Uma nação que vai se perdendo com um biocida no timão.

E não é qualquer biocida, mas um que gosta de queimar dinheiro.

O mérito pelo mundo civilizado nos olhar com nojo e irritação, neste momento, inteiramente dele. Ou seja, no tocante à culpa pela tragédia, vai que é tua, Jair.

Mitomania

Segundo Bolsonaro: “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente […], e o país que mais sofre ataques vindos de fora, no tocante ao seu meio-ambiente. O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio-ambiente”.

Diz o presidente: “O Moro não tem que perguntar nada para mim. Ele tem de dizer: ‘Olha, você interferiu aqui. Fez isso, fez aquilo’. Isso a gente rebate rapidamente”.

Por que Bolsonaro disse que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente quando isso nunca foi verdade e definitivamente deixou de ser desde que ele assumiu o governo?

E por que disse que Sergio Moro não tem que perguntar nada para ele quando Moro jamais foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal a perguntar quando Bolsonaro fosse interrogado no processo que investiga sua tentativa de intervir na Polícia Federal?

Bolsonaro pode gostar de mentir, e mente diariamente, e não perde uma oportunidade de mentir. Mas não é por puro prazer, doença ou obsessão que mente. Mente conscientemente. A mentira serve à construção de um mundo paralelo que só o beneficia.

Foi assim ou não foi quando ele inventou a história do kit-gay, a mentira que mais lhe rendeu votos nas eleições passadas? Uma mentira a essa altura histórica, tanto quanto a de Trump sobre o nascimento de Barack Obama fora do território americano.

Foi assim ou não foi quando Bolsonaro inventou, e repete até hoje, que o Supremo retirou parte dos poderes que eram seus para combater o coronavírus e transferiu-os para governadores e prefeitos? Por isso ele teria ficado de mãos atadas.

Mentira estúpida, essa, para justificar o fracasso do governo federal no enfrentamento da pandemia que já matou mais de 135 mil pessoas e infectou 4,4 milhões. Cadê os 50 milhões de testes prometidos? Não passaram de 6,5 milhões, se muito.

A mentira camufla a aposta errada feita por Bolsonaro nos efeitos limitados do que chamou de “gripezinha”, e sua convicção de que apenas os idosos, os mais vulneráveis morreriam de fato. Morreriam de qualquer jeito, mais dia, menos dia, segundo ele.

Bolsonaro mente para blindar-se, mente para remover obstáculos à sua reeleição, e como entre esses estão seus adversários, mente para destruí-los. Não é por ignorância que receita cloroquina, é para dizer mais tarde que se preocupou com a saúde de todos.

Pouco se lhe dá se as mentiras chocam e enfurecem os que o rejeitam. São votos que não teve e não terá. Importa que as mentiras satisfaçam suas tropas, mantendo-as unidas, e que lhes dê argumentos para que o defenda. Vai bem até aqui.


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