27/04/2024 - Edição 540

Poder

Em posse, Fux prega o fim do protagonismo político do STF, mas exalta a Lava Jato

Publicado em 11/09/2020 12:00 -

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Ao assumir na quinta-feira (10) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux buscou reforçar a independência da Corte e afirmou que trabalhará para que o Poder Judiciário deixe de ter um ““protagonismo deletério [nocivo]” na política nacional.

Ele criticou o que chamou de “judicialização da política ou ativismo judicial”, dizendo que o Executivo e o Judiciário devem resolver seus problemas internamente, sem que o STF seja o “oráculo para todos os dilemas da nação”.

“Os poderes Executivo e Legislativo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões”, reclamou o novo presidente. “Conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de justiça aqui presentes para darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, complementou.

Mesmo com as críticas, Fux pregou, com ressalvas, a harmonia com os demais poderes. “O mandamento da harmonia entre os poderes não se confunde nem com contemplação e nem com subserviência”.

Fux exaltou a Lava Jato e demonstrou que incentivará o fortalecimento e o surgimento de operações parecidas de “combate à corrupção”. “Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato”.

Embora tenha dito que o Judiciário deve atuar “movido pela virtude passiva” e que “a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista”, o ministro foi enfático ao dizer que o Supremo defenderá a democracia e as liberdades individuais mesmo que desagrade aos políticos.

“Democracia não é silêncio, mas voz ativa; não é concordância forjada seguida de aplausos imerecidos, mas debate construtivo e com honestidade de propósitos”, discursou. “O Judiciário não hesitará em proferir decisões exemplares para a proteção das minorias, da liberdade de expressão e de imprensa, para a preservação da nossa democracia e do sistema de governo”, prometeu.

O novo presidente listou cinco eixos centrais para sua gestão: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; a garantia da segurança jurídica para negócios; o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; o incentivo ao acesso à justiça digital; e o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Ele se disse otimista com o futuro próximo. "Mesmo em face dos graves conflitos que se descortinam na política, na economia e na vida social, nos recusamos a adotar uma postura de pessimismo".

Além dos ministros do Supremo, estiveram na sessão solene de posse os presidentes da República, Jair Bolsonaro, do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da Ordem das Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.

Horizonte sombrio

Com a ausência do decano, Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio Mello fez o discurso como integrante mais velho da Corte. Celso foi nomeado pelo então presidente José Sarney em 1989, enquanto Marco Aurélio chegou ao Supremo no governo de Fernando Collor, em 1990.

Na cerimônia, o presidente da República, Jair Bolsonaro, ouviu de Marco Aurélio uma defesa veemente do Estado de direito, atacado pelo clã do chefe de Estado sistematicamente, desde antes de sua eleição. “Não se avança culturalmente fechando a Constituição Federal, sob pena de vingar a lei do mais forte. A prevalecerem pinceladas notadas, para não falar em traulitadas de toda ordem, aonde vamos parar? Não se sabe. O horizonte é sombrio”, disse o ministro.

No discurso, Marco Aurélio repetiu expressão que já usou em outras ocasiões. “Constatamos tempos estranhos. De controvérsia política, crise econômico-financeira e efeitos de pandemia sem precedentes”, disse.

Segundo o ministro, “o preço a ser pago por viver em um Estado democrático de direito é módico”. “Fora da carta da República não há salvação, apenas arbítrio e autoritarismo de toda espécie”, afirmou. Bolsonaro é acusado sucessivamente de ameaçar as instituições e a democracia.

Com seu grupo político ameaçado pelo inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro invocou o artigo 142 da Constituição para defender que as Forças Armadas possam intervir para “restabelecer a ordem no Brasil”, segundo ele próprio, na famosa reunião ministerial de 22 de abril.

Ainda na campanha eleitoral de outubro de 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou: “se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.

Apoiadores de Bolsonaro também disseminaram nas redes sociais ataques ao STF e chegaram a realizar um ato simbólico de ataque à Corte, ao atirar fogos de artifício em direção à instituição, simulando um bombardeio.

Em crítica à política de Bolsonaro e seu governo no campo social, Marco Aurélio também foi enfático, na posse do colega Fux. “Na Constituição Federal existem promessas, sobretudo no campo social, pendentes de implemento”, disse. “Vossa excelência foi eleito com 57 milhões de votos. Mas é presidente de todos os brasileiros.”

Ele também atacou de maneira evidente o comportamento do chefe de Estado ante a pandemia. “Imprescindíveis são homens e mulheres que cumpram as leis. O cidadão comum adota como parâmetros a conduta das autoridades legitimamente constituídas”, disse.

Entre atitudes consideradas passíveis de crime de responsabilidade, Bolsonaro chamou a doença de “gripezinha”, promove aglomerações e vetou a obrigatoriedade de uso de máscaras em locais público. A infectologista da Unicamp Raquel Stucchi, à época do veto, se disse “chocada” com a medida. “Coloca em xeque a ciência e vai expor as pessoas que veem nele alguém a ser seguido a um risco maior de adoecimento”, afirmou a especialista. Hoje, a covid-19 já infectou 4,2 milhões de brasileiros e matou cerca de 130 mil pessoas no país, que só fica atrás dos Estados Unidos nesses números.

“O Brasil precisa de homens e mulheres públicos de grande concentração, precisa de mais apego à Constituição Federal. Há de prevalecer não a vitrine, mas a percepção da realidade, afastado o enfoque daqueles que não se mostram compromissados com o amanhã, com dias melhores”, afirmou Marco Aurélio.

Que saudade Bolsonaro sentirá de Dias Toffoli

A entregar pelo menos em parte tudo o que prometeu no seu discurso de posse, Luiz Fux fará o presidente Jair Bolsonaro sentir falta, muita falta do ministro Dias Toffoli.

Há dois anos, ao ser empossado no cargo que cedeu a Fux, Dias Toffoli prometera tirar o tribunal da boca do palco da política, reduzindo seu protagonismo. Fez o contrário. E surpreendeu seus pares e o próprio governo aliando-se a Bolsonaro.

Fux comprometeu-se também com uma “intervenção minimalista” em assuntos sensíveis. “Menos é mais”, enfatizou. Repetiu o truísmo da necessária independência entre Poderes, mas acrescentou: “Com altivez” e não com contemplação e subserviência.

Sentado ao seu lado e usando máscara porque todos, ali, também usavam, Bolsonaro não foi alvo de tratamento especial, nem de salamaleques. Ouviu do ministro Marco Aurélio Mello que deve governar para todos os brasileiros, e não só para os que o elegeram.

Ouviu de Fux, no trecho mais aguardado do seu discurso, uma defesa enfática do combate à corrupção. O ministro citou a Lava-Jato mais de uma vez, exaltando seus resultados. Fez por merecer o que o ex-juiz Sérgio Moro vaticinou em 2016:

– Excelente. “In Fux we trust” (‘em Fux nós confiamos’)


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