29/03/2024 - Edição 540

Poder

Investigação sobre desvios no Sistema S reacende debate sobre contribuição empresarial

Publicado em 11/09/2020 12:00 -

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A fase da Operação Lava Jato deflagrada na quarta-feira (9) abriu um novo capítulo no debate sobre a obrigatoriedade do pagamento da contribuição que abastece as 9 entidades do Sistema S. De acordo com as investigações, escritórios de advocacia recebiam valores milionários da Fecomércio-RJ para influenciar a Justiça a dar respostas favoráveis ao então presidente do órgão Orlando Diniz.

A denúncia do esquema que envolve supostos desvios de R$ 151 milhões do Sistema S fez com que falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, contrário ao jeito como o sistema opera, fossem resgatadas.

Ainda na transição do governo do ex-presidente Michel Temer para o de Jair Bolsonaro, o então futuro ministro disparou: “tem que meter a faca no Sistema S”. No ano passado, ele atacou novamente: “nada contra a educação no Sistema S, mas você recolhe 100, gasta 20 com educação e 80 financiando campanha política, tentando aprovar legislação favorável, comprar prédio no Rio de Janeiro para diretor. Está sobrando dinheiro”.

Já na pandemia, uma das atitudes da equipe econômica foi justamente cortar as contribuições ao Sistema S, sob o argumento de aliviar as contas para empresários. Por três meses, foi cortada pela metade a alíquota das contribuições obrigatórias das empresas para financiamento de serviços sociais autônomos, que englobam as entidades do sistema. De acordo com a legislação vigente, o empregador é obrigado a fazer o recolhimento aplicado sobre sua folha de pagamento de salários que incide em até 2,5%.

Na época em que a matéria estava em discussão no Congresso, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) foi um dos que puxou o coro contra a obrigatoriedade da contribuição. “Somos a favor, sim, do Sistema S, mas com a contribuição voluntária, não obrigatória”, disse. 

Autor de um projeto de lei que torna a contribuição voluntária, o ex-deputado João Gualberto (PSDB-BA) argumentava que os repasses a entidades privadas deveriam ser reconsiderados, pois a verba faria diferença nas contas públicas. Em 2018, foram repassados cerca de R$ 18 bilhões. Para se ter ideia do valor, em 2017 toda arrecadação do ICMS da Bahia somou pouco mais, chegou a R$ 21 bilhões.

O mesmo argumento é usado pela equipe de Paulo Guedes, que vem buscando uma maneia de se apropriar da gestão desses recursos. A batalha veio à tona com a explosão de outro escândalo em fevereiro do ano passado, a Operação Fantoche, que apura fraudes em contratos do Ministério do Turismo com entidades do Sistema S, em especial o Sesi (Serviço Social da Industria), controlado pela CNI. À época, auxiliares de Bolsonaro afirmaram, segundo apuração da Folha, que o órgão serviu como cabide de empregos de aliados de Robson Andrade, que exercia a presidência da CNI.

Fazem parte do sistema S:

– Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)

– Serviço Social do Comércio (Sesc)

– Serviço Social da Indústria (Sesi)

– Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac)

– Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)

– Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar)

– Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop)

– Serviço Social de Transporte (Sest)

– Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat)

Na avaliação de Saul Tourinho Leal, doutor em direito constitucional e integrante da Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, esses casos de suspeita de má gestão da verba demonstram que o modelo deve ser fiscalizado. Mas, ao seu ver, não significa que deve ser desfeito. Ele ressalta que o modelo é financeiramente sustentável desamarrado do recurso orçamentário público com objetivo de manter uma rede de proteção social dos trabalhadores.

“É claro que esses órgãos precisam de uma boa governança, não podem haver nesses sistemas sultões, barões, perpetuações no poder, não podem haver elementos de má governação, como falta de transparência, prestação de contas, irregularidades, dispêndio de recursos que são dos trabalhadores. O que defendo é que sempre que há sinais claros de má governação haja um convite para que se reafirme práticas de boa governança”, disse.

Ele, no entanto, é contrário à ideia de tornar a contribuição voluntária. “Toda vez que vemos um escândalo como esse, o primeiro pensamento é desmantelar o modelo, tirar os recursos que viabilizam as ações de índole social e acabar com tudo. O exemplo que eu dou é: claro que é errado furar fila, quem fura está trapaceando, mas o instituto da fila precisa ser preservado. A gente precisa corrigir, mas manter a criação que eventualmente tenha sido bem sucedida. Acho que o modelo, a ideia do sistema, é bem sucedido.”

Lava Jato, Sistema S e o gogó de Paulo Guedes

A nova fase da Lava Jato no Rio de Janeiro devolve ao noticiário dois flagelos velhos: o peleguismo patronal, abrigado no Sistema S, e a advocacia de fachada. O Sistema S retira seu sustento de mordidas nas folhas de pagamento das empresas. A força-tarefa carioca sustenta que um pedaço dessa caixa registradora, administrado pela Federação do Comércio do Rio, foi desviado para montar esquema de blindagem judicial do então presidente da entidade, o empresário Orlando Diniz. Pilhado, Diniz virou delator.

Foram à alça de mira dos procuradores mais de duas dezenas de advogados, alguns vinculados a nomões da política. Entre eles Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, defensores de Lula; Ana Tereza Basílio, advogada de Wilson Witzel; e Frederick Wasseff, ex-advogado da família Bolsonaro. O caso envolve também o doutor Eduardo Filipe Alves Martins, filho do recém-empossado presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins. Alega-se que é perseguição política, uma tentativa de criminalizar a advocacia. Se for, está muito fácil de resolver.

A Lava Jato sustenta que, juntos, os doutores receberam indevidamente R$ 151 milhões. A transferência de quantias milionárias para advogados não está entre as atribuições do Sistema S. Alem disso, não haveria comprovação dos serviços prestados pelos advogados. A verba teria financiado um esquema de lobby e tráfico de influência junto ao governo e aos tribunais de Brasília. De duas, uma: ou há documentos comprovando a prestação dos serviços advocatícios ou o Ministério Público demonstra que quem criminalizou a advocacia foram os criminosos, seguindo velhos costumes e maus hábitos.

Diante desse quadro, há uma pergunta boiando na atmosfera: onde está a faca de Paulo Guedes? Em dezembro de 2018, dias antes de assumir o Ministério da Economia, o Posto Ipiranga fez uma ameaça. Falando para uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio, Guedes disse que "o Brasil virou um paraíso de burocratas e piratas privados". Ele perguntou: "A CUT perde e aqui fica tudo igual?" Depois, ameaçou: "Tem que meter a faca no Sistema S também."

Os trabalhadores eram surrupiados em um dia de salário. A reforma trabalhista eliminou essa tunga. O Sistema S morde um percentual das folhas das empresas. Coisa de R$ 17 bilhões por ano. A máquina sindical do patronato continua intacta. Os presidentes de 42 federações patronais estão no cargo há mais de dez anos. Cinco, há mais de 40 anos. Mas a facada de Paulo Guedes ficou no gogó, como tantas outras promessas.


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