18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Guedes defende salário maior para Bolsonaro e elite do funcionalismo

Publicado em 10/09/2020 12:00 -

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Enquanto o cidadão comum faz milagre para comprar o arroz e o feijão, que estão sumidos ou pela hora da morte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que o seu chefe, o presidente da República, deveria receber "muito mais do que recebe hoje".

Jair Bolsonaro tem um salário de quase R$ 31 mil mensais, além de palácio, comida, roupa lavada, emas para brincar, helicóptero para dar carona no casamento do filho e um cartão corporativo que não discrimina os gastos ao público. Sabe como é, questão de "segurança nacional".

"A Presidência da República, o Supremo, evidente que eles têm que receber muito mais do que recebem hoje. Pela responsabilidade do cargo, pelo peso das atribuições, pelo mérito em si para poder chegar a uma posição dessas", disse Guedes.

Ele defendia a existência de uma diferença salarial entre o ingresso e o topo da carreira, afirmando que, no Brasil, essa dispersão é quase "socialista". E que era necessário fomentar a meritocracia.

Bem, o mérito de Bolsonaro foi ter sido votado. Por que, em quase três década de parlamento, ele não mostrou muita produtividade que justificasse uma promoção.

"Tem que haver uma enorme diferença de salários sim. Quantos chegam ao STF ou ao TCU?" Sem demérito para os ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União, alguns deles competentes juristas, mas a indicação para os postos nessas cortes, apesar de demandar conhecimento jurídico, é política.

O salário de R$ 39,2 mil dos ministros da Suprema Corte são, em tese, o teto do funcionalismo público. Em tese, por que é mais fácil o tal camelo passar pelo tal buraco da tal agulha do que chegar o dia em que magistrados, das mais diversas instâncias e esferas, recebam o limite a eles estabelecido.

O ministro acredita que os salários do topo de carreira devam ser bem maiores para atrair bons profissionais para o funcionalismo. Considerando a realidade brasileira, não é possível dizer que rendimentos da ordem de R$ 31 mil ou R$ 39 mil, com benefícios e estabilidade, é pouco. Isso sem contar que a iniciativa privada está aí exatamente para quem quiser ganhar mais cascalho. A participação na administração pública tem outra natureza. Não é para pagar salário de CEO de multinacional ou de diretor de fundo de investimento.

Pouco é o salário mínimo de R$ 1.045. Mas, no dia 1º de setembro, Guedes criticou, mais uma vez, a defesa do aumento real do salário mínimo. "Você vai condenar as pessoas ao desemprego", avisou.

Vale lembrar que a política de valorização do SM, implodida pelo governo Jair Bolsonaro, foi um dos mais importantes instrumentos de redução da pornográfica desigualdade no Brasil, um dos países que mais concentra renda em todo o mundo.

Servidores públicos não têm todos o mesmo perfil. Entre os que ganham estão os de carreiras de Estado (como magistrados, procuradores, diplomatas e auditores fiscais), que foram protegidos na Reforma Administrativa de Paulo Guedes.

O outro grupo não tem a mesma proteção, muito menos recebe o mesmo respeito. Dele fazem parte, por exemplo, os professores – chamados pelo então ministro da Educação Abraham Weintraub de "zebras gordas". 

Vale lembrar que o próprio Guedes chamou funcionários públicos de "parasitas" do orçamento nacional, no dia 7 de fevereiro. "O hospedeiro [governo] está morrendo, o cara virou um parasita", afirmou Guedes, criticando a política de aumentos salariais de servidores. Diante da repercussão negativa, disse que sua fala foi descontextualizada e que reconhece a qualidade do serviço desses trabalhadores. Ahã.

Desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, que a polícia e a política protegem os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições – o que explica muito de tudo que tá aí, talkey?

Traduzindo: hoje, em meio à carestia, em muitos lugares, um salário mínimo compra 26 sacos de cinco quilos de arroz, enquanto o salário de um ministro do Supremo compra 980.

Falas de Guedes pedem aplicação de um redutor

Paulo Guedes falou sobre a reforma administrativa mais como animador de auditório do que como ministro da Economia. Disse que Jair Bolsonaro não permitiu que a reforma atingisse os atuais servidores, mas autorizou a mexer "profundamente" nas regras do funcionalismo do futuro. Se autorizou, a equipe econômica não aproveitou, pois deixou de fora da reforma os militares e as carreiras de elite do serviço público —juízes, procuradores e promotores, por exemplo.

O ministro criticou o que chamou de "salários baixos" pagos no topo da carreira do funcionalismo. "Acho um absurdo que os salários da alta administração brasileira são muito baixos. Vai ser difícil reter funcionários de qualidade no serviço público." Citou o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, que deixou o governo para passar pela porta giratória que conduz ao mercado financeiro. Virou sócio de banco. Até aí, tudo bem.

Entretanto, Guedes misturou alhos com bugalhos ao defender que o presidente da República e os ministros do Supremo deveriam ganhar muito mais do que o teto da administração pública —R$ 39,2 mil por mês— permite. Alega que a responsabilidade e o mérito dessas autoridades é grande. Quanto à responsabilidade, não há dúvida. O mérito é absolutamente questionável.

Guedes soaria mais adequado se criticasse a porosidade da folha do Estado, que deixa passar contracheques muito acima do teto. De resto, não faria mal se o ministro considerasse as mordomias em seus cálculos antes de virar líder sindical de Bolsonaro. Além do contracheque, que acumula com a aposentadoria de capitão, o presidente tem ao seu dispor um palácio residencial, carros na garagem, jato no hangar e todas as mordomias que o déficit público pode pagar.

Guedes previu uma tramitação legislativa "suave", uma aprovação da reforma no Congresso ainda neste ano. Estimou em R$ 300 bilhões a economia a ser obtida em dez anos. Quem não quiser fazer papel de bobo deve aplicar um redutor nas previsões do ministro. Sua garganta não orna com os fatos. Promete mais do que entrega. Disse que acabaria com subsídios. Nada. Daria uma facada no Sistema S. Nem sinal. Coletaria mais de R$ 1 trilhão com a venda de estatais e imóveis públicos? Necas. Reforma administrativa a jato? Improvável. Economia de R$ 300 bilhões? Deus sabe.

Alta de preços aguça o populismo de Bolsonaro

A alta no preço dos alimentos é preocupante. Os sinais de que Jair Bolsonaro ameaça responder às variações de preços a golpes de populismo preocupa ainda mais. O velho economista Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, costumava dizer que "o mercado se pauta pela lei da oferta e da procura, não pelas normas do Diário Oficial."

Quando o presidente começa a apelar para o patriotismo dos donos de supermercados, a coisa fica esquisita. Quando o Ministério da Justiça entra em cena para tratar de um assunto que pertence à esfera de atuação do Ministério da Economia, a esquisitice evolui do palavrório para as fronteiras do Diário Oficial.

Não é agradável que, em plena recessão, o preço de alimentos da cesta básica suba em percentuais acima de dois dígitos: o feijão ficou 20% mais caro; o leite, 23%; o óleo de soja, 18,3%; o arroz, 19,25%. Tudo muito lamentável. Mas o fenômeno não se resolve com apelos ao patriotismo nem com cobranças ou ameaças feitas por intermédio do Ministério da Justiça.

Sempre que o governo interveio na economia de forma artificial o resultado foi o desastre. Isso aconteceu, por exemplo, quando José Sarney congelou os preços e mandou a Polícia Federal laçar bois no pasto, sob a alegação de que os pecuaristas escondiam a carne. Ou quando Dilma Rousseff achou que seria possível baixar os preços da conta de luz e as taxas de juros por decreto.

O preço dos alimentos sobe sobretudo por duas razões. Primeiro porque o vale corona de R$ 600 aumentou o consumo das famílias. Segundo porque o dólar alto tornou ainda mais lucrativo exportar grãos do que vender os produtos no mercado interno.

A ministra Tereza Cristina (Agricultura) prevê que a safra será boa o bastante para aumentar a oferta de alimentos. A procura, infelizmente, deve cair junto com a redução do auxílio emergencial para R$ 300 mensais. Providências como zerar a alíquota de importação de arroz são adequadas e necessárias, para forçar a concorrência. O que não se admite é que Bolsonaro queira revogar a lei da oferta e da procura.

Quando o capitão declarou que havia encontrado um Posto Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, faziam-se apostas sobre qual das diatribes do capitão produziria a crise que faria o ministro jogar tudo para o alto e cumprir a ameaça que já repetiu algumas vezes: "Pego um avião e vou morar no exterior." Não há sinal de que Paulo Guedes tenha retomado a ideia de fazer as malas. Assim, convém marcar uma conversa com o chefe.

Inflação é a maior para agosto em 4 anos

Puxada pelo preço dos alimentos e da gasolina, a inflação oficial do país, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), ficou em 0,24% em agosto — a mais alta para o mês desde 2016, embora tenha desacelerado em relação a julho (0,36%).

No ano, a inflação acumula alta de 0,70% e, em 12 meses, de 2,44%. Os dados foram divulgados hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e se referem às famílias com rendimento de um a 40 salários mínimos.

Pesaram mais no bolso do consumidor os alimentos, que chegaram a registrar certa estabilidade de preços em julho, mas voltaram a ficar mais caros em agosto, e a gasolina, que subiu pelo terceiro mês consecutivo. Para as famílias de menor renda, o impacto é maior.

"O item de maior peso no IPCA é a gasolina [alta de 3,22%], que fez com que os transportes apresentassem o maior impacto positivo no índice de agosto [+0,82%]. E a segunda maior contribuição veio do grupo alimentação e bebidas [+0,78%]", explica Pedro Kislanov, gerente da pesquisa, ressaltando que os alimentos têm peso de 20,05% no IPCA.

Os alimentos para consumo no domicílio tiveram alta de 1,15% em agosto no IPCA. Os principais itens que influenciaram essa elevação foram o tomate (+12,98%), o óleo de soja (+9,48%), o leite longa vida (+4,84%), as frutas (+3,37%) e as carnes (+3,33%).

Mas é a alta em componentes básicos da alimentação do brasileiro, como arroz e feijão, que eleva a percepção de inflação.

"O arroz [+3,08% em agosto] acumula alta de 19,25% no ano e o feijão, dependendo do tipo e da região, já tem inflação acima dos 30%. O feijão preto, muito consumido no Rio de Janeiro, acumula alta de 28,92% no ano e o feijão carioca, de 12,12%", destaca Pedro Kislanov.

Já as peças de vestuário apresentaram deflação (-0,78%), e foi ainda mais intensa que a registrada em julho (-0,52%). Houve quedas nos preços das roupas masculinas (-0,74%), femininas (-1,23%) e infantis (-1,46%), além dos calçados e acessórios (-0,55%).

O item que mais segurou a inflação de agosto foi a educação (-3,47%), já que várias instituições de ensino passaram a aplicar descontos em suas mensalidades durante a suspensão das aulas presenciais devido à pandemia do coronavírus.

Os preços dos cursos regulares recuaram 4,38%, sendo que maior queda foi observada na pré-escola (-7,71%), seguida pelos cursos de pós-graduação (-5,84%), pela educação de jovens e adultos (-4,80%) e pelas creches (-4,76%).

Nas despesas de casa (habitação), no entanto, houve alta (0,36%). Os maiores impactos vieram do aluguel residencial (0,32%) e da energia elétrica (0,27%). O aumento nos preços de alguns materiais de construção, como o tijolo (9,32%) e o cimento (5,42%), que já haviam sido registrados em julho (4,13% e 4,04%, respectivamente).

O INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que se refere às famílias com rendimento de um a cinco salários mínimos, registrou alta de 0,36% em agosto, sendo o maior resultado para o mês desde 2012 (0,45%).

No ano, o INPC acumula alta de 1,16% e, nos últimos 12 meses, de 2,94%.

"No INPC, que é um índice mais voltado para famílias de menor renda, os produtos alimentícios [alta de 0,80% em agosto] pesam mais, e por isso o índice acumula uma alta superior à do IPCA no ano", comenta Kislanov. Os alimentos têm peso de 22,82% no INPC.

Novo auxílio emergencial não paga nem uma cesta básica, segundo Dieese

O novo auxílio emergencial que o governo Bolsonaro vai pagar a quem perdeu renda com a pandemia do coronavírus não consegue nem comprar uma cesta básica, segundo levantamento do Dieese.

O valor foi reduzido dos R$ 600 aprovados pelo Congresso para as primeiras parcelas para R$ 300. Na cidade de São Paulo, a cesta básica em agosto custava R$ 539,95. Ela subiu 2,9% sobre julho e 6,6% no ano, de acordo com o levantamento mensal feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. E já há sinais de que tenha aumentado mais ainda.

O Dieese pesquisa o valor da cesta básica em 17 capitais. O valor de São Paulo é o mais alto encontrado. O mais baixo é em Aracaju: R$ 398,47. E nem na capital sergipana o novo auxílio cobre a cesta básica completa, segundo o levantamento da instituição.

Nos últimos dias, internautas têm compartilhado que o preço do saco de arroz de 5 kg chega a custar R$ 60. Ou seja, 20% do novo auxílio de Bolsonaro.

A situação fica ainda mais dramática quando se observa outro estudo, esse do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele mostra que, em julho, o auxílio foi a única renda obtida em 4,4 milhões de domicílios no país.

A economista Patrícia Lino Costa, do Dieese, aponta que a redução do auxílio emergencial nesse momento “vai tirar renda de circulação da periferia”. E sem estimativa de que a situação vá melhorar para essa população. “Não tem horizonte de que Brasil vai crescer e que ocupações vão ser geradas. Não tem linha de ação do governo pensada para isso”, afirmou.

Supervisora da produção técnica do Dieese, Costa lembra que a cesta está aumentando, mas não é o único gasto dessas famílias que estão dependentes do auxílio. “Quanto subiu a luz, a água, o gás nos últimos 12 meses?”, questiona. “Isso pune ainda mais as pessoas de baixa renda.”

Para ela, a redução do auxílio terá consequências sociais imensas. “Um país em que se deixou de dar importância ao salário mínimo”, completa.

A economista lembra que a carne já vem subindo de preço desde o início do ano. “As pessoas empobreceram e passaram a comer carne de 2ª e outros tipos para substituir a carne bovina de 1ª”, analisa.

Segundo Costa, a cotação do dólar a R$ 5 favorece a exportação. Isso explica não só a elevação do preço da carne como de outros produtos, como o óleo de soja.

“Há um volume imenso de exportação da soja brasileira e, com ela, seus derivados”, explica. Além disso, pontua a economista, uma parte do óleo que fica no país é usada na produção de biocombustível. “Assim, começa a faltar internamente e sobra para o bolso do consumidor.”

Já a alta do preço do arroz se explica, segundo a economista, com uma combinação de fatores: estiagem, entressafra e estoque por parte dos produtores, que estão buscando preços melhores para vender o cereal. Prepare-se: ele não fica com preço menor tão cedo.

“Em vez de ficar gritando ‘patriotismo’, o governo podia pensar políticas que subsidiassem o alimento”, disse Costa. O presidente Jair Bolsonaro disse que ia pedir “patriotismo” a varejistas para não elevarem os preços dos produtos mais básicos, como arroz, feijão, óleo e carne.

 Corte no Imposto de Importação, compra de parte dos produtos no exterior por parte do governo e venda a preços menores no mercado interno e estímulo à agricultura familiar para aumentar produção nacional são alguns dos exemplos mencionados pela especialista.

Na avaliação dela, a economia brasileira já vinha em rota ruim, mas piorou para os trabalhadores com o atual governo. “Está mais que provado que o governo tem lado.”


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