29/03/2024 - Edição 540

Poder

Insatisfação com chefe da Lava-Jato em SP motivou demissão coletiva de procuradores

Publicado em 04/09/2020 12:00 -

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Sob acusações de colegas de agir contra investigações que envolvem políticos, a chefe da Lava-Jato de São Paulo, Viviane de Oliveira Martinez, é apontada como motivo de demissão coletiva de sete procuradores da força-tarefa. O comunicado do desligamento foi anunciado na quarta-feira ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

Os procuradores travavam um embate com a procuradora natural Viviane de Oliveira Martinez, que está à frente do 5º Ofício da Procuradoria da República em São Paulo e, por isso, é a responsável pelos processos da operação, do ponto de vista legal.

Os membros da força-tarefa afirmam que Viviane deu ordem aos procuradores para não abrirem novas investigações e teria remetido os inquéritos do grupo para outras divisões do MPF. Por outro lado, a procuradora diverge e aguarda a apuração de uma sindicância da corregedoria do MPF sobre supostas irregularidades na distribuição dos inquéritos pelos membros da força-tarefa. O caso corre em sigilo. Viviane não quis se manifestar.

Os procuradores só devem deixar a operação no dia 30 deste mês e até lá haverá uma fase de transição. A força-tarefa mantém o trabalho, por enquanto. Ontem, o grupo apresentou nova denúncia por lavagem de dinheiro contra o ex-diretor da estatal paulista Dersa, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, além de sua ex-mulher e duas filhas.

Adiamento de operação

Segundo os procuradores, um dos casos que levaram o grupo a tornar público o descontentamento com a condução da Lava-Jato foi uma solicitação de adiamento da operação que atingiu o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB).

O tucano é acusado pela Lava-Jato de receber propinas da construtora Odebrecht por obras viárias feitas no período em que era governador do estado. O senador e sua filha, Verônica Serra, foram denunciados em julho pela força-tarefa, mas a ação penal foi suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Em manifestações recentes de sua assessoria, Serra negou as acusações.

Em carta ao Conselho Superior do MPF, os procuradores relatam que conduziam investigações sobre Serra e que em 11 de junho deste ano concluíram peças destinadas a apurar crimes supostamente praticados entre 2006 e 2014. No dia seguinte, os procuradores dizem ter sido surpreendidos por uma mensagem enviada pela procuradora Viviane, pedindo que “as peças fossem recolhidas e a operação fosse adiado”. Contrariando o pedido da procuradora, a operação que mirou José Serra acabou ocorrendo em 3 de julho.

Morte anunciada

A morte, dizia Nelson Rodrigues, é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, um suave processo. A Lava Jato começou a morrer faz tempo. Seu definhamento é contínuo e inexorável. O desembarque de Deltan Dallagnol constará do necrológio da operação como um detalhe melancólico, não como causa mortis.

A Lava Jato não morre de morte natural. Esse tipo de desaparecimento está reservado à mediocridade. O maior e mais bem sucedido empreendimento anticorrupção já realizado no Brasil morre de morte matada. Levou vários tiros. Os disparos vieram dos quatro poderes da República: Executivo, Legislativo, Judiciário e o Dinheiro.

O sucesso da Lava Jato decorria basicamente de três novidades: 1) A corrupção passara a dar cadeia; 2) O medo da prisão potencializara as delações; 3) As colaborações judiciais impulsionaram as descobertas. Esse círculo virtuoso foi interrompido.

O Supremo Tribunal Federal retirou do caminho a regra que permitia a prisão de larápios condenados na segunda instância. Quem estava preso foi solto. Quem aguardava na fila relaxou. Ressuscitaram-se dois vocábulos venenosos: prescrição e impunidade. Grandes encrencados agora negociam com o relógio, não com os investigadores.

Não é por falta de material que a Lava Jato morre. Se o assalto às verbas da Saúde revela alguma coisa é que a corrupção tornou-se algo tão incrustado na rotina do Brasil quanto as escamas no peixe. O que desaparece gradativamente é o medo de ser punido.

Pela primeira vez na história do Brasil as forças repressoras do Estado obtiveram resultados efetivos contra a corrupção. Por um instante, imaginou-se que o Direito penal passaria a funcionar como prevenção geral. Chegar-se-ia ao estágio em que o criminoso cogitaria desistir de praticar crimes pelo temor de ser punido.

Os saqueadores do Estado recobraram a confiança. A sensação de invulnerabilidade aumentou depois que o clã presidencial revelou-se parte do problema. Jair Bolsonaro levantou Sergio Moro para que a Segunda Turma do Supremo cortasse. A sentença do caso do tríplex está na bica de voar pelos ares.

Na tropa do Ministério Público, ficou fácil distinguir os traidores, pois Cavalo de Tróia não galopa. Enviado por Bolsonaro ao comando da Procuradoria como um presente de grego, o procurador-geral Augusto Aras caiu nas graças da banda tóxica já na fase da sabatina do Senado.

Senadores petistas aplaudiram a escolha de Bolsonaro. O multi-investigado Renan Calheiros fez rasgados elogios a Aras. O Senado referendou a escolha por 68 votos a 10. A votação foi turbinada pelo compromisso assumido por Aras de ajustar os "métodos" da Lava Jato, impondo à turma de Curitiba a temperança de "cabelos brancos".

Não há no Ministério Público quem esteja mais associado à Lava Jato do que Deltan Dallagnol. Por seus erros e, sobretudo, pelos acertos, o coordenador da força-tarefa de Curitiba tornou-se a personificação da operação. O procurador deixa a trincheira para cuidar da filha, às voltas com problema de saúde. Faz bem.

Do ponto de vista do esforço anticorrupção, pouco importa para onde Deltan levará a inquietude dos seus cabelos pretos. O cortejo fúnebre da operação Lava Jato seguirá o seu curso.

Futuro

Pessoas próximas a Deltan Dallagnol acreditam que a saída de cena do procurador da Lava-Jato também vai afastá-lo de outra possível frente de atuação, a política. O ex-coordenador da força-tarefa de Curitiba confidenciou a amigos algumas vezes que já cogitou migrar para a esfera pública. 

Deltan avaliava se seguiria como técnico no Ministério Público Federal ou se buscaria um caminho político via Congresso. A necessidade de enfrentar uma campanha eleitoral e de mudar com a família para Brasília o desmotivou. 

Colegas e amigos de Deltan avaliam que os problemas de saúde de filha que o afastaram da Lava-Jato também deve mantê-lo distante da política, por ele ser muito dedicado à família. 


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