20/04/2024 - Edição 540

Brasil

STF julga ação que pode extinguir a “lista suja do trabalho escravo

Publicado em 04/09/2020 12:00 -

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O julgamento de um pedido da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) para que a portaria do governo federal que mantém a "lista suja" do trabalho escravo seja declarada inconstitucional está marcado para esta sexta (4) na agenda do Supremo Tribunal Federal. O cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo divulga à sociedade, desde 2003, os nomes de quem foi responsabilizado pelo poder público por esse tipo de exploração.

De acordo com dados do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do Ministério da Economia, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas da escravidão contemporânea pelo governo brasileiro desde 1995, quando o país criou seu sistema de combate a esse crime.

O relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ministro Marco Aurélio Mello, negou uma liminar solicitada pela Abrainc em janeiro de 2018 e levou o caso ao plenário. O julgamento será virtual, ou seja, com cada ministro enviando seu voto.

A Abrainc, que reúne 46 empresas do setor e conta em seu conselho com representantes da Setin, Tegra, Tenda, Cury, Cyrela, Casa Viva, Ezetec e MRV, considera a lista um instrumento de punição precoce e ilegal de empresas autuadas por órgãos federais. A entidade também defende que a regra instituída pela portaria só poderia ter sido criada por lei e, portanto, o Poder Executivo teria usurpado função do Poder Legislativo ao instituí-la.

Instada a se pronunciar no processo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deu parecer pela improcedência do pedido, defendendo a manutenção e divulgação do cadastro. Para ela, a relação é um importante instrumento de "transparência" e de "acesso à informação" sobre ações governamentais – no caso, a ação de libertações de trabalhadores.

"Lista suja" é considerada pela ONU referência global de combate à escravidão

A "lista suja" existe desde novembro de 2003 e, por regra, é atualizada a cada seis meses pelo Ministério da Economia, que herdou a tarefa do Ministério do Trabalho. Prevista em portaria interministerial, ela inclui nomes após o exercício do direito de defesa administrativa em primeira e segunda instâncias.

Os empregadores, pessoas físicas e jurídicas, permanecem listados, a princípio, por dois anos. Eles podem optar, contudo, por firmar um acordo com o governo e serem suspensos da relação. Para tanto, precisam se comprometer a cumprir uma série de exigências trabalhistas e sociais.

Apesar da portaria que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas brasileiras e estrangeiras para seu gerenciamento de risco. O que tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.

Em seu parecer, a Procuradoria-Geral da República afirmou que a portaria nada mais é do que um instrumento administrativo para dar concretude aos princípios constitucionais da publicidade, da transparência da ação governamental e do acesso à informação.

"Por meio dela, diante da gravidade das práticas que reduzem trabalhadores a condições análogas à de escravo, os ministros de Estado competentes deliberaram consolidar ações estatais e divulgá-las para conhecimento público, dado o interesse coletivo e geral das informações, como prevê a Carta Magna", disse Dodge.

Para a então procuradora-geral da República, "a publicidade dos atos administrativos, ressalvados os casos previstos em lei, é imperativo da ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito, e qualquer prejuízo porventura sofrido por empregadores cadastrados nos moldes da Portaria Interministerial 4/2016 [que organiza a lista] – que não prevê nenhuma sanção – decorre puramente da reprovabilidade social da conduta de quem superexplorou e coisificou trabalhadores, negando-lhes dignidade".

Em outras palavras, a "lista suja" não prevê punição por parte do poder público. Se ela ocorre, é porque empresas, bancos e a sociedade rejeitam quem se utilizou de trabalho escravo.

Incorporadoras já conseguiram suspender a "lista suja" em 2014

A mesma associação já tinha conseguido suspender a "lista suja" em dezembro de 2014, em meio ao plantão do recesso de final de ano de 2014, por decisão do então presidente, Ricardo Lewandowski.

A suspensão foi retirada em maio de 2016 pela ministra Cármen Lúcia após o então Ministério do Trabalho publicar novas regras de entrada e saída do cadastro, atendendo a demandas do setor empresarial. Porém, o governo Michel Temer manteve a publicação da relação congelada até perder uma batalha judicial para o Ministério Público do Trabalho. Com isso, a "lista suja" voltou a ser divulgada apenas em março de 2017.

Enquanto a relação permaneceu suspensa, para garantir que o fornecimento de informações não fosse interrompido, a imprensa, a sociedade civil e o setor empresarial passaram a demandar o conteúdo da "lista suja" através da Lei de Acesso à Informação. Com isso, foi criada uma espécie de "Lista de Transparência", que passou a ser usada por bancos e frigoríficos, entre outros, para o desenvolvimento de suas políticas de responsabilidade social empresarial e para due diligence em suas cadeias de valor.

Sete meses depois, em outubro, o Ministério do Trabalho publicou uma polêmica portaria que fornecia novas regras para fiscalização de condições análogas às de escravo, o que alterava a aplicação do conceito desse crime (previsto no artigo 149 do Código Penal) e dificultava a libertação de pessoas.

A mesma portaria (1129/2017) também reduzia a transparência da "lista suja", tornando sua atualização dependente de uma decisão política do ministro e não mais da área técnica da fiscalização. Além de condicionar a validação da operação de fiscalização à presença de forças policiais, o que não é necessário hoje.

Na época, a tentativa de dificultar a libertação de trabalhadores foi vista como moeda de troca entre o governo federal e parlamentares ligados a grupos empresariais para barrar a denúncia por organização criminosa e obstrução de Justiça contra Michel Temer na Câmara dos Deputados.

Em resposta a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo partido Rede, a ministra Rosa Weber concedeu uma liminar suspendendo os efeitos da portaria ainda em outubro. E, em um de seus últimos atos como ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira editou uma nova portaria que trata sobre o conceito de trabalho em condições análogas à de escravo e da "lista suja". A portaria 1293/2017, de dezembro, substituiu a anterior, voltando atrás na maioria das mudanças.

A PGR também apresentou ao Supremo parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Rede contra a portaria 1129/2017. Defende que a edição da portaria 1293/2017 revogou a anterior – que, segundo a instituição, ofende a dignidade humana.

Trabalho escravo no Brasil hoje

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

As mais de 55 mil pessoas foram em sua maioria resgatadas por grupos especiais de fiscalização móvel, coordenados por auditores fiscais do trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regional do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis, entre outras atividades.

Escravos do fogo

Entre os dias 18 e 19 de agosto, uma ação de fiscalização resgatou 15 trabalhadores em situação análoga à escravidão em duas carvoarias de Rio Pardo de Minas (MG). Eles trabalhavam com madeira em chamas e carvão sem proteção contra calor, fumaça, fuligem e pó — e sem máscaras próprias para evitar o contágio pelo novo coronavírus. Carregavam sacos de 40 kg nos ombros por uma escada bamba de madeira do chão até a carroceria de um caminhão, segundo auditores-fiscais do Trabalho que participaram do resgate.

O dormitório de uma das fazendas, chamada Natanael, recebia fumaça dos fornos de carvão noite e dia, que os trabalhadores respiravam inclusive durante o sono, segundo os fiscais. Em um dos quartos, dormiam respirando também os gases que emanavam de recipientes de 50 litros com gasolina e óleo diesel.

“Havia goteiras por toda parte da casa além do frio intenso em virtude da falta e vedação da casa. Toda a fumaça proveniente dos fornos de queima da madeira também atingia a moradia”, informou Cláudio Secchin, o auditor que coordenou a operação, ressaltando que nenhum deles tinha carteira assinada.

“Eles saíam do trabalho com o rosto tão sujo que mal conseguiam enxergar”, observa a defensora federal Vânia Nogueira, que acompanhou o resgate. Quando os auditores-fiscais chegaram em outra fazenda, chamada Renascer, viram funcionários lavando os rostos com água suja de uma caixa d’água destampada no chão. 

“As jornadas eram exaustivas, sem hora para entrar ou sair. Em nenhum dos locais havia chuveiros funcionando, nos quais os trabalhadores pudessem se banhar antes de ir para alojamentos ou para casa”, completa Nogueira. 

A ação contou com quatro auditores-fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel da Superintendência Regional do Trabalho, dois policiais federais e uma representante da Defensoria Pública Federal, que firmou um termo de ajuste de conduta com os proprietários. 

Dez trabalhadores foram libertados da fazenda Natanael, de propriedade de Adauto Vianna Diniz. Outros cinco foram libertados da fazenda Renascer, da Aurora Reflorestamento e Transportes LTDA, empresa de João Hermes de Oliveira e de seu filho, Gabriel Hermes Mendes Oliveira.

Ambos também são donos da Florocarv Reflorestamento e Transportes LTDA, e João Hermes é presidente da Associação das Empresas Produtoras de Carvão do Norte de Minas que, segundo seu advogado, está, na prática, desativada. 

Os donos da fazenda Renascer concordaram em pagar R$ 15 mil em direitos trabalhistas aos seus cinco trabalhadores resgatados, segundo Nogueira. Adauto Viana Diniz concordou em pagar R$ 45 mil aos dez trabalhadores resgatados da fazenda Natanael. 

Além disso, as empresas ainda deverão pagar cerca de R$ 14 mil em multas por danos morais e individuais, e realizar adequações de infraestrutura. Deverão contratar um engenheiro do trabalho para projetar uma máquina que facilite o transporte do carvão do chão até a carroceria, e apresentar o projeto em 30 dias. Se cumprirem as determinações, evitam uma multa de R$ 100 mil — e ainda serem processadas pelo Ministério Público.

‘Medida desproporcional’

Henrique Eduardo Marques D’angelis, advogado do proprietário da fazenda Natanael, afirmou que “não houve qualquer tipo de trabalho análogo a trabalho escravo”, e que “houve uma medida totalmente desproporcional” por parte dos auditores-fiscais.

O advogado Paulo Henrique Costa, representante da Aurora Reflorestamento, afirmou que a empresa tampouco reconhece a existência de trabalho escravo na fazenda Renascer. Ele afirmou que há na fazenda uma represa e um banheiro, onde os funcionários poderiam lavar o rosto. Sobre os funcionários que carregavam o carvão, informou que eram autônomos, sem vínculo com a empresa. “Eles [os carregadores] trabalham 6 horas em carregamento, e fazem o mesmo trabalho para outras pessoas”. Esse trabalho é realizado entre uma e duas vezes a cada 15 dias e “não é exaustivo a ponto de ser considerado desumano”, afirmou. Segundo o advogado, a Aurora está buscando viabilizar um elevador, como acordado no termo de ajuste de conduta.

Costa disse ainda que tem comprovantes que mostram que a Aurora forneceu equipamentos de proteção para os trabalhadores da produção de carvão — mas não aos carregadores, por entender que eles são autônomos. Mas afirmou que “os fiscais entenderam que, em virtude da covid, seria necessário uma máscara mais adequada”. 

Compradora de carvão suspende fornecedor

Segundo o auditor Secchin, foram obtidas nas carvoarias notas fiscais de venda de carvão para a Usipar, proprietária de usinas de produção de ferro-gusa nos municípios de Pitangui e Sete Lagoas. De propriedade do casal Emílio Moreira Jardim e Maria Elizabeth Rezende Jardim, a empresa já foi apontada em pelo menos três ocasiões, desde o início de 2019, como compradora de carvoarias que se utilizam de trabalho escravo. 

Em nota enviada por meio de suas advogadas, Karla Machado e Júlia Drummond, a Usipar afirmou que não foi autuada em nenhum dos casos, e que suspendeu as relações comerciais com a Aurora após ser contatada pela Repórter Brasil. Mas afirmou desconhecer e não ter relação de fornecimento de carvão vegetal com a fazenda Natanael, ou com as carvoarias que foram apontadas como fornecedoras suas em outras ações de fiscalização, em 2019. 

A Usipar disse que repudia “toda e qualquer violação dos direitos trabalhistas”, e que tem compromisso “de dedicar-se intensamente a combater a toda forma de exploração do trabalho, dentre elas as condições análogas à de escravo, mantendo parcerias apenas com fornecedores criteriosamente selecionados”. A Usipar  disse também que a Aurora Reflorestamento e Transportes Ltda. havia apresentado certidão negativa de débitos trabalhistas e laudo de vistoria da fazenda. 

‘Máfia do carvão’

Além dos casos mais recentes, em 2006 o casal Jardim e um de seus filhos, Marcos Vinícius Rezende Jardim, foram presos como parte da operação Diamante Negro, do Ministério Público, da Receita e da Polícia Militar de Minas Gerais, que apontou um esquema de extração ilegal de madeira em mata nativa do cerrado mineiro para produção de carvão vegetal. 

O esquema foi chamado pela imprensa de “Máfia do Carvão” e, de acordo com notícias publicadas na época pela Folha de S. Paulo, a família Jardim foi solta com uma liminar falsificada, antes de voltar a ser presa. A família foi liberada em 2008, a Usipar ficou sob intervenção judicial entre 2007 e 2008, e foi arrendada até 2016. 

Sobre o caso, a empresa destacou que os “fatos são pretéritos”, que “estancou qualquer lacuna no âmbito administrativo e comercial para as atividades que ensejam regramento ambiental e tributário” e que “nenhum fato da Operação Diamante Negro faz parte de sua realidade atualmente”. 

Sobre a liminar forjada, os advogados afirmaram que o habeas corpus “não foi pleiteado pela família Jardim ou pela Usipar Indústria”, e que não “houve benefício para os mesmos”. As advogadas ressaltaram que a família não é ré em uma ação penal ou foi investigada sobre o caso. 

Pela legislação brasileira, o trabalho análogo à escravidão ocorre quando trabalhadores são expostos a um ou mais dentre quatro tipos de situações: condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado ou servidão por dívida.

Tanto na fazenda Natanael quanto na Renascer, os auditores registraram os mesmos tipos de processos de trabalho, que consideraram exaustivos e degradantes o suficiente para prejudicar a capacidade de produção das vítimas com o tempo. Na fazenda Natanael, também foi encontrada uma situação de servidão por dívida, além do alojamento precário.

Dívida impagável

Segundo os fiscais, o verdadeiro dono da carvoaria da fazenda Natanael, Adauto Vianna Diniz, teria feito uma tentativa de transferir suas responsabilidades como empregador para um dos trabalhadores libertados. Além disso, este trabalhava de graça devido a uma dívida impagável, dizem os auditores.

Adauto Vianna firmou com o trabalhador um contrato sobre corte e transporte de madeira, além da manutenção da floresta da área da fazenda Natanael. Este trabalhador foi apontado como “gerente geral”, mas uma das cláusulas do contrato previa que todas as obrigações trabalhistas ficariam por sua conta. Para os fiscais, este ponto revelava a intenção de Vianna de se eximir das responsabilidades trabalhistas.

O trabalhador se viu em uma situação na qual todas as despesas para manutenção da carvoaria ficavam sob sua responsabilidade, sem que ele tivesse acesso a recursos para arcar com os custos. Mais de uma vez, o “diretor geral” recorreu a Vianna para pagar por salários, alimentação, água, utensílios, e mesmo gasolina, dizem os auditores.

Dessa forma, contraiu uma suposta dívida que contabilizava cerca de R$ 40 mil com Vianna e seus auxiliares, um valor que o próprio trabalhador dizia ser impagável. Ele afirmou que havia tentado vender um trator e um caminhão para quitar o valor, que os auditores classificaram como parte de um “ciclo de endividamento que não consegue saldar” por meio de seu trabalho. 

Os trabalhadores de ambas as fazendas vestiam apenas botas e roupas comuns, sem luvas, máscaras ou óculos de proteção, o que deixa seu sistema respiratório, a pele e os olhos expostos à fuligem, às cinzas e ao pó do carvão vegetal. Isso aumenta o risco de problemas como: irritações nos olhos, dores de cabeça, doenças pulmonares, alterações cardíacas, vários tipos de câncer e prejuízo ao raciocínio. Por trabalharem próximos a altas temperaturas, expunham-se a queimaduras e suavam muito, elevando o risco de desidratação.

Segundo os fiscais, o esforço daqueles que carregavam os sacos de 40 kg era excessivo, e seu trabalho, exaustivo, gerando riscos a colunas, tornozelos, pernas e braços. Eles corriam ‘grande risco’ de cair das escadas de madeira com os sacos pesados, ou de caírem de cima do caminhão com as pilhas de sacos, o que poderia levar à morte, na avaliação dos auditores-fiscais.

Usipar já havia sido apontada como compradora de carvoarias autuadas

Não é a primeira vez que fornecedores da Usipar foram autuados por trabalho escravo, segundo os auditores. Em janeiro de 2019, fiscais do trabalho apontaram a unidade da Usipar em Pitangui como compradora de carvão produzido em uma carvoaria com trabalhadores escravizados em Córrego Danta (MG). Após uma ação de fiscalização, quatro pessoas foram libertadas. 

Na época, o auditor fiscal do trabalho Marcelo Campos, que coordenou a ação, afirmou: “os trabalhadores não estavam com o devido registro e não era fornecido a eles qualquer equipamento de proteção individual para execução das tarefas laborais, estavam sem alimentação, bebiam água de poço e dormiam em barracos de lona, expostos a intempéries e sem a garantia de nenhum direito trabalhista”.

Dois meses depois, outra  ação de fiscalização resgatou sete trabalhadores escravizados em uma carvoaria na fazenda Riacho das Varas, em Diamantina (MG). Também neste caso, a Usipar foi apontada como compradora do carvão vegetal. 

Na época, a empresa afirmou por meio de nota que desconhecia o problema, e que “não compactua com a utilização de mão de obra irregular”. A companhia afirmou que os trabalhadores resgatados “trabalhavam para terceiros, contratados por empresas fornecedoras, sem autorização ou conhecimento de seus sócios, visto que proíbem qualquer tipo de subcontratação da produção de carvão”. 

As advogadas da Usipar negaram  que a empresa tivesse relações comerciais com as carvoarias pegas em ações de fiscalização em 2019.

A Usipar tem 27 infrações trabalhistas registradas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, segundo levantamento da reportagem. Dentre elas, não registrar trabalhadores, ampliar de forma irregular a jornada e descumprir regras de segurança e saúde, bem como o horário de repouso.

Em nota, a Usipar  afirmou que todas as autuações anteriores a 2016 ocorreram durante o período em que foi arrendada, que as autuações trabalhistas mais recentes “referem-se às modificações estruturais em seu parque siderúrgico, mediante ajustamento”. E que, atualmente, não detém “nenhum débito junto ao Ministério da Economia, Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, Secretaria de Trabalho”.

Prisão em 2006 

Nascido em Brumadinho, o dono da Usipar, Emílio Moreira Jardim foi candidato a prefeito da cidade em 2004, pelo Partido Liberal, e chegou a receber 30% dos votos no primeiro turno, mas não se elegeu. 

Ele voltou a se candidatar em 2008, pelo DEM, quando declarou R$ 916,5 mil em bens ao Tribunal Superior Eleitoral, e teve desempenho menor, de 14,6% dos votos. Na ocasião, declarou-se proprietário de 98% do capital social da Usipar. E de 90% de uma outra usina, a SBL Indústria e Comércio LTDA.

O outro proprietário da SBL é o filho dele com Elizabeth Rezende, Marcos Vinícius Rezende Jardim. A companhia foi fundada em 1999 em Bom Despacho, em Minas Gerais, também se dedicava à produção de Ferro Gusa, e teve a falência decretada em maio de 2020.

Em dezembro de 2006, o casal e seu filho foram presos em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, como parte da operação Diamante Negro, em que Ministério Público, Receita Federal e Polícia Militar denunciaram 20 pessoas por participarem de um suposto esquema de extração ilegal de madeira nativa para produção e venda de carvão vegetal, que teria envolvimento tanto da Usipar quanto da SBS. 

Além de empresários, este esquema envolveria policiais rodoviários federais, policiais militares, funcionários do Instituto Estadual de Florestas e servidores de prefeituras cedidos à Secretaria estadual da Fazenda.

Na época, o subsecretário da Receita estadual de Minas Gerais, Paulo Meneguetti, descreveu, em entrevista ao jornal O Globo, o suposto esquema da seguinte maneira: 

“As empresas falsificavam notas fiscais que identificavam o carvão como sendo de outros estados, como Bahia, Mato Grosso e Goiás. A outra forma era a apresentação de documentos informando que o carvão havia sido retirado de plantações de eucalipto, mas na verdade a madeira havia sido obtida de áreas de preservação ambiental.”

Segundo informações publicadas em 2007 pela Folha de S. Paulo, a família foi acusada de participar de uma organização criminosa que praticava sonegação de impostos e de taxas ambientais, lavagem de dinheiro e receptação qualificada. Na época, tanto a Usipar quanto a SBL passaram por intervenção judicial.

Depois da repercussão do caso, os três empresários se entregaram. Três advogados foram indiciados pela Polícia Federal de Minas Gerais por falsificação de documento. 

Emílio Moreira Jardim é ainda sócio da Minerasil Mineração e Indústria Eirelli, que tem sede em Mimoso de Goiás, em Goiás. Ela foi fundada em 2016, e tem como atividade principal o aluguel de maquinário para extração mineral. 

Em maio de 2019, recebeu o título de “cidadão honorário” de Pitangui, pela “geração de empregos” e “consequente desenvolvimento econômico” da cidade. A homenagem foi proposta pelo vereador Alexandre Santiago (PTdoB).


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