29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

‘Este tipo de líder não se modera’, diz escritor que explica popularidade de líderes como Bolsonaro e Trump

Publicado em 31/08/2020 12:00 -

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Líderes populistas como os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump podem, em algum momento, recalcular suas estratégias e optar por um estilo mais moderado? Para o cientista político italiano Giuliano Da Empoli, autor de “Os Engenheiros do Caos”, isso é uma ilusão, uma vez que a lógica desses políticos é a de um show diário para engajar as pessoas em seu projeto de poder. “Pensar que podem mudar, entender que passaram dos limites, é não compreender como funcionam e como chegaram aonde chegaram”, disse o diretor do think tank Volta, com sede em Milão, em entrevista ao jornal O Globo.

 

Qual é a sua avaliação do governo Bolsonaro no que diz respeito à democracia?

Bom, líderes como Bolsonaro são profundamente narcisistas, não podemos esquecer, nunca, que estão fazendo um grande show. O entretenimento é muito importante para eles. E um show não é algo democrático, porque você tem uma pessoa no palco dizendo aos outros como as coisas devem ser. Governos muito dependentes da internet, como os de Bolsonaro e outros presidentes como Trump, estão condicionados a uma ferramenta que é o oposto da democracia. A internet manipula as pessoas. Você tem acesso a tanta informação para influenciá-las, já não depende de um debate democrático e sim de quem faz o melhor cálculo, usa melhor seu algoritmo. O que vemos no Brasil e em outros países não é um jogo democrático para analistas e assessores políticos, é para engenheiros.

O que pode falhar nessa estratégia?

Muita coisa. São cometidos muitos erros, muitas vezes os líderes não se controlam. Mas seus instintos ajudam. Quando eles passam dos limites, usam isso a seu favor.

Até pouco tempo se falava numa fase mais moderada do presidente brasileiro.

Isso é uma ilusão. Como vimos em outros países, este tipo de líder não se modera, nem mesmo quando percebe que exagerou. A lógica básica de governantes como Bolsonaro é que estão, diariamente, fazendo um show. E seu objetivo é engajar o máximo de pessoas possível. Não interessa o que ele precisa fazer para isso. O que importa é o engajamento da população, são governos que funcionam como uma rede social.

A lógica, então, é conseguir seguidores de qualquer maneira?

Sim, impulsionar conteúdos que estiverem conseguindo engajamento. Em geral, funciona como nas redes, o conteúdo que mais funciona é o mais radical. Os políticos como Bolsonaro sabem disso, e investem nisso. Muito se fala sobre fakenews, mas elas não são o mais importante. O importante é entender que existem realidades paralelas, que podem até ser verdade, mas estes tipos de líderes aumentam notícias e criam realidades que, para muitas pessoas, são úteis. Quando Bolsonaro ou Trump falam sobre a cloroquina, sobre como deu certo com algum paciente, transformam isso numa realidade muito maior do que realmente é.

Como ficam os partidos tradicionais nessa história?

Ninguém tem nostalgia da velha política. O que vier depois será uma nova etapa, espero que uma evolução dos partidos políticos. Eles devem restaurar a dignidade da política. Mas precisam se reinventar.

Alguma dica de como fazer isso?

É preciso entender como funcionam líderes como Bolsonaro e, principalmente, superar a indignação. Se você olhar para esse fenômeno e pensar que ele está fazendo tudo errado, que não faz sentido, não vai funcionar. Deve-se entender por que ele chegou onde chegou. Trump não é um gênio, mas tem bom instinto e tem pessoas eficientes que trabalham para ele. Se você me perguntar, não descarto sua reeleição. O engajamento com Trump nas redes é dez vezes superior ao de Biden (candidato democrata). Trump ainda pode mobilizar as pessoas, não ganhou seguidores, mas tampouco perdeu.

O senhor acredita que para Trump o candidato democrata é um alvo vulnerável?

Biden é um bom candidato, não é radical e é visto como alguém que pode restaurar um pouco da normalidade nos EUA. Mas ele é um político velho, os republicamos costumam falar de sua fraqueza física, de seus esquecimentos e, sendo muito honesto, ninguém está realmente entusiasmado com Biden. Ele, volto a dizer, não gera engajamento como Trump.

Em seu livro, o senhor fala do surgimento de líderes populistas desta nova era digital na Itália. Seu país foi uma espécie de laboratório?

Sim, a Itália foi um laboratório, assim como o Brasil também é hoje. A Itália, comparada com outros países da União Europeia, tem elites e instituições fracas e, nesse contexto, partidos políticos como o Movimento 5 Estrelas e a Liga, crescerem rápido. As pessoas estavam muito zangadas, o processo do Mani Pulite (Operaçao Mãos Limpas, a Lava-jato italiana) criou uma aversão ao establishment e tudo ficou possível na política. Os italianos queriam outsiders, por isso tivemos (Silvio) Berlusconi e temos (Matteo) Salvini.


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